Ponto de Vista

Integração ou dependência?

Aline Durães

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O projeto de integração da América Latina ganha força, no setor energético, com a construção do Grande Gasoduto do Sul, estrutura com cerca de 10 mil quilômetros de cumprimento, que ligará o norte do continente sul-americano ao Brasil e à Argentina.

O gás natural vai partir da Venezuela, dona de 5% das reservas mundiais do combustível. O gasoduto pretende transportar 150 milhões de metros cúbicos de gás por dia, volume suficiente para abastecer as regiões latinas carentes de fontes de energia.

Com previsão de término para 2017, essa construção se configura como a principal saída para evitar a crise energética que ameaça o continente. Se consolidado, o gasoduto ocasionará o barateamento dos preços do gás e poderá fortalecer a independência e o desenvolvimento dos países sul-americanos frente ao Primeiro Mundo.

O objetivo que norteia as negociações é a maior integração entre as nações latino-americanas. Em vista disso, esse projeto deverá ser aberto a outros países, sejam eles produtores ou consumidores de gás.

Se, por um lado, o gasoduto oferece a possibilidade de aproximar os países sul-americanos e, assim, tornar mais palpável o sonho histórico de integração; por outro, esse projeto pode se transfigurar em um fator de dependência, na medida em que o abastecimento energético de grandes regiões do continente vai ficar a cargo de um só fornecedor.

Para comentar as vantagens e desvantagens da iniciativa e elucidar a viabilidade de sucesso do Gasoduto do Sul, o Olhar Virtual entrevistou o professor Edmar de Almeida, do Grupo de Economia da Energia, do Instituto de Economia, da UFRJ.

“A idéia de construir o gasoduto, cujo início seria na Venezuela, surge da necessidade de os países da América Latina obterem fontes energéticas alternativas, como o gás, por exemplo. Associada a esse plano, existe o desejo de integração sul-americano, projeto do qual o governo brasileiro vem sendo um grande entusiasta. Para a Venezuela, essa iniciativa é uma oportunidade de se inserir no Conesul. Desde a chegada de Hugo Chávez ao poder, o país mudou a orientação da sua estratégia econômica. A tática venezuelana era ter nos Estados Unidos o maior parceiro no processo de integração energética. Por questões ideológicas, Chávez optou por desenvolver laços econômicos mais consistentes com os países próximos, voltando sua atenção para as relações comerciais com o Mercosul.

Como não existe uma grande demanda para o petróleo venezuelano na região, visto que o Brasil é auto-suficiente, a Argentina é uma exportadora e os demais países consomem pouco, a Venezuela investiu no gás como a figura central do processo de integração. A possibilidade real de esse combustível unir os países latino-americanos é grande, pois boa parte dessas nações sofre com a falta de reservas naturais de gás.

A América Latina, no entanto, não está preparada para um projeto audacioso como esse. Estudos preliminares que avaliem a viabilidade econômica do plano ainda não foram feitos. Os analistas devem verificar se os lucros serão suficientes para superar as despesas com o transporte. É importante criar demanda ao longo da extensão do gasoduto, principalmente no norte do Brasil. O mercado para esse gás não pode ficar apenas em São Paulo e Buenos Aires. Um projeto desse porte acaba por afetar a soberania dos países envolvidos, visto que aumenta a dependência externa. Essa soberania passa a ser compartilhada, e os países, tanto vendedores como compradores, precisam entender isso. As decisões não podem ser tomadas apenas com base nos problemas políticos e econômicos internos, mas devem levar em consideração as conseqüências que elas trarão para seus parceiros, no âmbito internacional.

Verifica-se hoje na América Latina que os países estão pouco dispostos a pensar a proposta dessa forma. Não existe, na verdade, uma integração energética entre as nações sul-americanas. Nenhum Estado quer abrir mão de sua própria autonomia. Os laços econômicos estáveis estão longe de serem alcançados.

Exemplo disso é a Bolívia. A decisão do presidente Evo Moralles de nacionalizar a exploração de petróleo e gás não foi uma atitude de quem pensa em integração. Se a Bolívia fosse o destino de grandes investimentos internacionais e participasse efetivamente do Mercosul, Moralles certamente pensaria bem antes de tomar uma ação unilateral como essa, pois ela poderia representar danos graves à sua economia. A realidade boliviana, no entanto, é composta de relações comerciais insipientes e um certo isolamento em relação aos demais países sul-americanos.

Uma nação sem vínculo real com as outras pode simplesmente mudar as regras do projeto ou aumentar o preço do gás natural a qualquer momento, o que causaria impactos terríveis para os parceiros. No caso de uma iniciativa extremada, como o corte de fornecimento de gás, por exemplo, o país afetado teria de substituir esse combustível por outro mais caro, o que diminuiria a competitividade da sua economia. Essa substituição poderia causar ainda o fechamento de fábricas e desemprego.

Para ser forte, o programa energético precisa ser supranacional. São necessários acordos que garantam a fixação de preços, o livre comércio dos bens e o fluxo do capital. Uma regra comum, como um tratado internacional, por exemplo, deve ser feita para guiar as negociações nesse terreno e, nela, precisam existir punições rígidas para o país que não a respeite. No caso de uma nação tomar uma medida unilateral, as conseqüências econômicas devem ser graves.

Podemos tomar a União Européia como modelo. Um integrante da União Européia que, por algum motivo, seja expulso do grupo, fica em condições complicadas. Na Europa, a integração é mais importante do qualquer autonomia nacional específica. Não existe incentivo de qualquer natureza para um determinado país romper com as regras pré-estabelecidas do tratado.

A idéia do gasoduto é boa, mas exige que o conceito de integração já esteja arraigado, não só no âmbito econômico, entre os países. Só assim ele dará certo”.