Olho no Olho

Título: Futebol, fator de inclusão ou alienação

Priscila Bastos

imagem olho no olho

O futebol é, sem dúvida, um esporte polêmico. Aqueles que o praticam ou gostam, fazem sua defesa com todos os argumentos possíveis, enquanto os opositores tentam derrubar suas possíveis qualidades.

Como 2006 é ano de Copa do Mundo e a seleção canarinho, paixão de milhões de brasileiros, pode conquistar o hexacampeonato, o Olhar Virtual conversou com dois professores, a fim de saber qual o limite entre a inclusão e a alienação que o futebol pode produzir.

Independente das opiniões, um fato é concreto: todos, até os que dizem não gostar do esporte, querem que o Brasil traga para casa a taça de hexacampeões do mundo.

 

Professor Dr. Victor Andrade de Melo
Programa de Mestrado em História Comparada Escola de Educação Física e Desportos / UFRJ

"Na década de 1980, quando o Brasil começava a abandonar o negro período da ditadura militar, ganhou força a tese de que o futebol — e o esporte como um todo — funcionara como uma ferramenta de alienação da população, cujo maior exemplo seria o grande investimento governamental que culminara com o tricampeonato mundial, conquistado no México, em 1970.

Por trás dessa tese, podemos levantar algumas considerações: a natureza maniqueísta de algumas afirmações da época, típicas e plenamente compreensíveis naquele período histórico; um certo preconceito, que lamentavelmente ainda persiste, com as coisas da cultura popular; uma falta de entendimento mais adequado e aprofundado acerca do papel que o futebol e o esporte ocuparam na formação cultural nacional, já que poucos eram os estudiosos que se dedicavam a discutir de forma mais sistematizada esse assunto “tão pouco sério”; e aqui gostaria de louvar o pioneirismo de nosso colega José Sérgio Leite Lopes, professor do Museu Nacional/UFRJ, um dos primeiros no Brasil a buscar entender de forma mais aprofundada o futebol brasileiro.

Hoje, já não trabalhamos de forma tão linear com essa tese. É certo que, no decorrer da história, vários foram os regimes ditatoriais que buscaram fazer uso do futebol/esporte como ferramenta de propagação de um suposto sucesso de suas ações (e isso pode ser observado tanto nas ditaduras de direita quanto nas auto-proclamadas experiências de esquerda, vide os casos da União Soviética e de Cuba), mas pouco diferente fizeram os governos democráticos, basta ver a relação que o governo Lula estabelece hoje com o esporte, em praticamente nada diferente do que as experiências ditatoriais citadas. É certo que o futebol e o esporte podem sim ser utilizados como estratégias de alienação, mas parece-me um equívoco crer que “os dominados” sejam tolos que engolem de forma linear, sem ressignificar essa tentativa de controle. De outro lado, é também certo que ainda vemos o propagar de falsas verdades (“esporte é saúde”, “esporte é mecanismo de inclusão social”), e isso grassa por todos os lados.

O futebol é fator de alienação ou inclusão? A priori, nenhum dos dois; ou para ser mais preciso, sempre os dois. O nosso esforço intelectual e de responsáveis por promover intervenções pedagógicas tendo o esporte como objeto, antes de definir categoricamente tais dimensões a partir da escolha de um dos lados, é construir análises teóricas mais matizadas e desenvolver estratégias didáticas que possam contribuir para que a população possa descortinar o que há por trás dessa só aparentemente ingênua manifestação cultural, contribuir para o desenvolvimento de olhares mais críticos e perceptivos sobre as diferentes formas de presença do futebol em nosso cotidiano, estimulando o desvendamento de todo complexo que se articula com o fenômeno esportivo na sociedade contemporânea.

Mas isso sem torná-lo algo chato, sem “intelectualismos baratos”, sem negar o enorme prazer que conduz multidões aos estádios e que é responsável por um país parar por ocasião de uma Copa do Mundo. Sem negar que o futebol é coisa muito séria, e divertida, que pode ser alienação e/ou inclusão, eivado de tensões e contradições como qualquer ocorrência histórica, confesso que vou torcer muito para sermos hexacampeões, até porque meu querido Flamengo não anda lá bem das pernas...!"

Professor Dr. Eduardo Refkalefsk
Doutor em Comunicação e Cultura Escola de Comunicação / UFRJ

“A idéia de que o futebol seria "o ópio do povo" está cada vez mais distante, mesmo entre os marxistas brasileiros. Em primeiro lugar, porque não se pode brigar contra a paixão de um povo a quem supostamente se queira defender. Além disso, os cronistas esportivos, de João Saldanha a Juca Kfouri, mostraram ser possível amar o esporte e ter "consciência política" (leia-se ser de esquerda).

Hoje vemos grande aproximação de craques, na ativa ou não, com ONGs e movimentos sociais, desenvolvendo projetos sociais, principalmente voltados para crianças carentes. Não é difícil de entender a eficácia dessas ações. Poucas pessoas têm um apelo maior para as crianças brasileiras, de qualquer classe social, do que os ídolos futebolísticos. Mais até do que funkeiros, pelo lado do bem, e traficantes, pelo lado do mal.

Ao mesmo tempo, a imagem de "bad boy" do futebol, que teve como ápice Romário, não está mais em alta. Ronaldinho Gaúcho esbanja simpatia e respeito até pelos adversários. Nem precisa ficar provocando outros atletas ou a torcida para ganhar mídia. Basta jogar bem (e como!).

Outro caso é o de Kaká. Evangélico, avesso a "noitadas" e bem casado (sem deixar de ser um craque), ele representa tudo aquilo que as pessoas acham que o futebol não proporciona para os jovens fãs.”.