Olho no Olho

OAB avalia direito?

Aline Durães

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A origem das ordens profissionais remonta ao final da Idade Média, quando, por ocasião do desenvolvimento dos burgos e do advento da produção em escala, mestres e aprendizes, ligados inicialmente às atividades de carpintaria e alfaiataria, passaram a se organizar em corporações de ofício. Essas associações não só regulamentavam o processo produtivo artesanal como também se responsabilizavam pela conduta ética do indivíduo a elas ligado.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), apesar de ter sido criada séculos mais tarde, através do decreto 19.408, de 18 de novembro de 1930, nasceu igualmente com o objetivo de agregar profissionais de Direito, desempenhando junto a eles um papel institucional regulador e moralizador.

Distintamente das demais organizações de classe brasileiras, a OAB é uma pessoa jurídica de direito público com atribuições que vão além da habitual tarefa de fiscalização do exercício profissional de seus afiliados. Desde 1996, quando foi aprovado o provimento 81/96, posteriormente substituído pelo 109/2005, a corporação instituiu o Exame de Ordem; somente mediante aprovação nesse exame os bacharéis em Direito obtêm permissão para advogar.

A OAB destaca, três vezes por ano, profissionais próprios para formular as questões das provas e compor as bancas examinadoras, responsáveis pela correção dos testes. Todo o processo é feito à revelia das Instituições de Ensino Superior (IES), o que gera atritos com os acadêmicos; os docentes reclamam para si a competência de avaliar a qualidade dos advogados recém-formados.

A sabatina ficou ainda mais delicada com a criação, em 2001, do “OAB recomenda”, selo de qualidade emitido pela associação para os melhores cursos jurídicos do país, escolhidos sob critérios estipulados pela própria Ordem. Na edição 2006, dos 322 cursos analisados, apenas 87 (31,66%) receberam o aval da corporação; o resultado levantou, mais uma vez, questionamentos acerca do ensino jurídico praticado em boa parte das universidades brasileiras.

Seria realmente papel da OAB chancelar o Ensino Superior de Direito? Os Conselhos das demais profissões devem adotar o sistema de exames? Para aprofundar a discussão, o Olhar Virtual entrevistou Tadeu Rodrigues, ex-professor da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ (FND), que integrou a banca examinadora em duas edições do Exame de Ordem, e Olínio Coelho, docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e coordenador da Comissão de Ética do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ). Confira abaixo as opiniões dos profissionais.

Tadeu Rodrigues
Ex-professor da Faculdade Nacional de Direito

“A prova tem que existir, pois muitos estudantes saem completamente despreparados da universidade para exercer a profissão de advogado. O exame acaba conseguindo avaliar o recém-formado sim; ele consegue ceifar aquele tipo de profissional que não tinha a menor condição de entrar no mercado de trabalho.

Não considero que a OAB interfira no papel formador da universidade, até porque é a OAB quem zela pela advocacia plena, ética e com nível de qualidade no país. Nada mais justo do que essa instituição, que já disciplina e fiscaliza o exercício do advogado, tenha também o poder de verificar também se o bacharel que pretende advogar adquiriu nos cursos o conhecimento mínimo para isso.

As pessoas precisam entender a diferença entre conseguir o bacharelado em Direito e dispor de conhecimento suficiente para poder advogar. Nem todo bacharel em Direito será um bom advogado. A faculdade tem que prepará-lo para abraçar qualquer operação do Direito e deve caber mesmo à OAB verificar se o aluno conseguiu captar os detalhes próprios para o exercício da advocacia.

Não são todas as profissões que precisam de exames como o da OAB. Acredito que cada Conselho deva avaliar se é necessário ou não implantar isso. Se um aluno, por exemplo, faz um curso para ser professor, ele sai da universidade apto a ser professor; o mesmo acontece com engenheiros e médicos. Eles já saem especializados nas atividades que vão exercer profissionalmente. Essas profissões não oferecem o mesmo leque de atuações do Direito.

O atual dilema em relação ao Exame de Ordem não é o nível de dificuldade das questões. A meu ver, não é necessário fazer uma prova difícil, no patamar de um concurso público, já que, com uma prova simples, é possível avaliar se bacharel tem noção ética, raciocínio jurídico e técnica profissional para advogar. ”

Olínio Coelho
Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU)

“Criar um órgão externo à universidade para determinar se um profissional recém-formado está apto a exercer a profissão me parece completamente absurdo. Quem avalia o profissional é a escola, o curso. Ao delegar poder a outra instituição para julgar atividades de Ensino, a universidade está afirmando sua incapacidade de realizar algo.

Cabe ao Ministério da Educação (ME) manter o nível dos cursos de graduação. Para isso, ele dispõe de avaliadores que vão até as escolas e aprovam os currículos; estes devem estar de acordo com os currículos mínimos estabelecidos pelo ME. Nenhum outro órgão, associação, autarquia federal ou estadual tem o poder para chancelar um curso. O ME deveria se posicionar em relação a essa postura da OAB, pois ela representa uma ingerência muito grande da formação acadêmica.

O CREA-RJ, por exemplo, não intervém nas competências dos cursos de graduação. Ele recepciona o currículo das unidades que formam os profissionais; o registro de uma entidade de Ensino é feito de forma muito minuciosa. Nenhum Conselho registra o diploma do profissional oriundo de uma Escola que não cumpriu todas as determinações exigidas. O CREA-RJ dá as atribuições da carreira aos recém-formados, mas não tem o poder de julgar a qualidade de um futuro profissional.

Isso não significa que o Conselho não fiscalize seus membros. Quando algum profissional transgride as regras de comportamento, a Comissão de Ética, setor presente em todas as ordens profissionais, apura a denúncia de irregularidade e julga o profissional em questão. Foi o que aconteceu no caso do Sérgio Naya; na mesma semana em que ocorreu o desabamento do Palace II, sete conselheiros do CREA-RJ se reuniram e cassaram o registro de engenheiro do ex-deputado. ”