Olho no Olho

Dificuldades de divulgação do conhecimento científico à população

 

Luiza Duarte

imagem olho no olho

Os brasileiros se interessam por ciência e tecnologia. É o que mostra uma pesquisa desenvolvida pelo Ministério de Ciência e Tecnologia em parceria com a Academia Brasileira de Ciência, divulgada no mês passado. O tema, com destaque para medicina e saúde, é um dos assuntos de maior interesse dos brasileiros, superando política e cultura. Porém, essa mesma pesquisa mostrou que os brasileiros entendem pouco do que lêem sobre ciência e tecnologia, não visitam espaços públicos ou eventos ligados ao assunto, não conhecem instituições de pesquisa e não foram capazes de citar nomes de pesquisadores brasileiros. Foram realizadas mais de duas mil entrevistas com maiores de 16 anos, em todo o país.

Para discutir quais as dificuldades de se construir conhecimento científico junto à população, o Olhar Virtual entrevistou o jornalista científico Wagner Oliveira, que em sua dissertação de mestrado, no Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, pesquisou como o conhecimento científico é abordado pelos jornais populares brasileiros e o professor do Departamento de Geologia e Paleontologia da UFRJ, Alexander Kellner, organizador da exposição científica de maior público no Brasil, a No Mundo dos Dinossauros, pesquisador e autor de três livros voltados para a divulgação científica.

 

Wagner Oliveira
Jornalista e mestrando

"Em primeiro lugar, temos que levar em consideração que uma série de circunstâncias históricas e sociais, desde o nascimento deste país, fez e ainda faz com que o nível educacional da grande maioria da população brasileira seja muito baixo. Milhões de pessoas não têm acesso aos benefícios da educação, a escolas públicas que preparem cidadãos críticos, qualificados e capazes de bem exercer suas profissões, para fazer boas escolhas de representantes no parlamento, entre tantos outros benefícios que o acesso à cultura propicia. Este é um dado estrutural que não pode ser perdido de vista quando se avalia qualquer iniciativa na área de transmissão de conteúdos científicos para grandes audiências. Então, quem se propõe a divulgar ciência tem esse imenso dilema pela frente.

Por outro lado, persiste a idéia de que transmitir conteúdos científicos é uma tarefa complicada, que as pessoas acham por demais enfadonho os assuntos de ciência e tecnologia, que o "povão" prefere saber das últimas novidades das celebridades. Isso precisa ser melhor esclarecido antes que apenas as potenciais dificuldades de se transmitir o conhecimento científico sejam colocadas como barreira no acesso do conjunto da população ao mundo da ciência.

O conhecimento científico ganha importância na conjuntura econômica-política do mundo. Nações pobres e ricas cada vez mais são divididas entre aquelas que investem permanentemente em ciência e tecnologia e as que estão à margem do desenvolvimento e dependem de tecnologias importadas. Em outras palavras, ciência é poder.

Vários são os caminhos para se aumentar o conhecimento científico: investimentos em museus e centros de ciência, melhor aparelhamento das escolas nas disciplinas mais diretamente ligadas ao ensino de ciências, fazer políticas de educação para que tenhamos novas gerações capazes de melhor entender a importância da ciência e tecnologia. No que se refere à imprensa, é preciso que os meios de comunicação tenham um maior comprometimento em oferecer uma programação mais qualificada. Por que as tevês não colocam programas de divulgação científica em horário nobre? Há ótimas produções sobre temas de ciência que podem ser exibidas e testadas nesse horário.

Agora, o que significa entender pouco do assunto? Que depois de assistir a um programa de tevê sobre genética a audiência não soube explicar completamente os objetivos do projeto genoma ou o quê o fato significava para o cotidiano? Precisamos avaliar melhor o significado de "entender pouco do assunto", fazer um diagnóstico mais preciso sobre o real entendimento da população a respeito da divulgação da ciência via imprensa, compreender com mais clareza as atitudes que as pessoas tomam depois de ler o noticiário científico.

O papel do jornalista deve ser o de destacar os benefícios e também os riscos do desenvolvimento científico, de ser capaz de interpretar as repercussões de cada descoberta anunciada, de avistar e destacar os eventuais interesses no noticiário de ciências, de prospectar nos trabalhos dos cientistas informações que possibilitem a ampliação da qualidade de vida, de enfocar a beleza escondida nos detalhes do processo científico, de cobrar dos governos políticas para a área de ciência e tecnologia, de dar visibilidade a novas tecnologias que podem ser aproveitadas pela indústria. Enfim, são múltiplas as funções do profissional de imprensa que lida com ciência.

Fiz uma pesquisa que acompanhou durante alguns meses o noticiário de dois jornais do Rio de Janeiro: Extra e O Dia. Neste trabalho verifiquei que esses veículos dedicam um espaço sistemático aos temas científicos dentro de seu espaço editorial. A maior parte das matérias trata de assuntos de medicina e saúde, mas há textos sobre outras disciplinas. Em geral, essas matérias destacam pouco os potenciais riscos e controvérsias que também são inerentes ao processo científico e há mais espaço para pesquisas desenvolvidas no exterior - com predominância para estudos realizados nos Estados Unidos e na Europa. As fontes das entrevistas quase sempre são universidades e outras instituições de pesquisa reconhecidas no meio acadêmico e os estudos divulgados por periódicos científicos também são muito citados. Em todo o período avaliado, seis meses dos dois jornais, não houve uma só matéria sobre assuntos pseudocientíficos. Os títulos das matérias tendem a dar um tratamento sensacionalista aos temas de ciência. Há poucos trabalhos sobre a divulgação da ciência em jornais populares e uma das metas da pesquisa foi essa: levantar indicadores que ampliem o debate nesse segmento "

Alexander Kellner
Professor do Departamento de Geologia e Paleontologia

“É bem possível que as pessoas não tenham noção de que para dinossauros estarem expostos em museu houve um intenso trabalho científico. A impressão que eu tenho é que as pessoas associam cientistas a imagem do Einstein, esse acaba sendo o estereotipo do cientista. Qualquer área da ciência tem dificuldade em fazer essa ponte entre a pesquisa científica e o público. Em 1978, quando eu estava no 1° ano do segundo grau, não sabia o que era geologia. O que eu mais queria fazer da vida era estudar aqueles animais que viveram no passado, que hoje em dia estavam extintos e são encontrados nas rochas, mas não sabia que isso era paleontologia e que ela é um ramo da geologia. Hoje em dia, se você fizer essa pergunta a classe media, eu tenho a impressão que eles já vão saber o que é a paleontologia. Avançamos muito, desde esse tempo, mas ainda temos um longo caminho para percorrer.

Decidi fazer o doutorado nos EUA, depois de participar de um congresso no país, quando tive contato com o que eles já estavam estudando. Era inacreditável, pois falavam de conhecimentos, em termos de paleontologia, que eram comuns na Europa e EUA e nós não sabíamos nada naquele tempo. O conhecimento era restrito. Nem os colegas cientistas fora do país sabiam do nosso trabalho. Nós, pesquisadores, éramos os culpados de não conseguir passar para nossos colegas o conhecimento que tínhamos.

Atualmente, vários pesquisadores já fizeram seus estudos lá fora, voltaram para o Brasil e disseminaram esses estudos. Além disso, as ferramentas de difusão de informação que temos, hoje, são outras. Quando fiz o mestrado foi a primeira vez que tive contato com um computador. As coisas mudaram muito, com o e-mail, tem-se a oportunidade de disseminar informações muito rapidamente. A internet é um grande facilitador, tanto para escrever artigos em parceria, quanto para permitir que pessoas comuns tenham acesso a essa informação. Não ter acesso à internet é um limitador tremendo. A rede possibilita se informar com facilidade sobre as pesquisas científicas que estão sendo realizadas no país.

A questão dos museus, salvo pouquíssimas exceções, é que nossas exposições são ruins. Elas são ruins do ponto de vista do conhecimento, do didático e do ponto de vista atrativo. Para se fazer uma exposição é preciso ter recursos. Falta dinheiro e falta uma equipe técnica fixa nos museus para organizar essas exposições. Não temos vagas permanentes para as pessoas que são necessárias para exposições de grande porte. A maior contribuição que o reitor Aluísio Teixeira poderia dar para o museu é abrir vagas em concurso para a área técnica.

No tempo dos dinossauros, mesmo utilizando dez vezes mais do que normalmente se gastava com exposições cientificas no Brasil, ainda era feita com menos da metade da verba gasta em exposições internacionais. Em 1999, as pessoas diziam que 100 mil pessoas era uma meta inalcançável para uma exposição científica, mas No tempo dos dinossauros teve 220 mil pessoas. Havia interesse.

Através dessa exposição muitas pessoas descobriram que no Brasil se fazia pesquisa na área de paleontologia. O número de novos dinossauros encontrados no país praticamente dobrou, porque gerou interesse da mídia e do público, atenção e condições para que houvesse mais verbas para pesquisa.

Existem vários caminhos para se divulgar a ciência, exposições é um deles, mas elas não podem continuar sendo baratas. Seria importante se os museus tivessem um departamento de divulgação científica, como acontece em outros países. Outro caminho é fazer programas de palestras para escolas. Não se trata de querer que toda criança vire um pesquisador, mais é importante que as crianças sejam expostas ao conhecimento cientifico. Amanhã ou depois ela estará numa posição de decisão e verá com mais carinho qualquer projeto vinculado a parte científica.

Outra solução é a produção de livros voltados para o público infanto-juvenil. Uma forma de tornar mais palatável a informação, mas falta estrutura dentro dos museus para vender e distribuir esses livros e as editoras comerciais não demonstram muito interesse.

Embora os jornalistas tenham bastante vontade em divulgar nossas pesquisas, nem todas as descobertas despertam interesse para uma matéria. Quando as informações científicas são passadas para o jornalista, isso já é um filtro. Temos que passar um conhecimento básico e as escolas têm que passar a outra parte. O governo federal tem que fornecer educação às pessoas para elas entenderem, no mínimo, o que está escrito no jornal."