Olho no Olho

O boom da energia nuclear

Nathalia Perdomo

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A construção da usina nuclear de Angra 3 foi aprovada pelo Conselho de Política Energética (CPE), na semana passada. A conclusão das obras está prevista para 2013, caso não haja grandes problemas relacionados ao financiamento do projeto e a licenças ambientais. Segundo o governo, o projeto custará R$ 7,2 bilhões, aproximadamente, e gerará cerca de 1,35 mil megawatts. O presidente Luís Inácio Lula da Silva ainda não ratificou a decisão, entretanto, mostrou-se favorável à opção nuclear como fonte auxiliar na matriz energética brasileira. Já os ambientalistas se posicionaram contra, alegando que o país não possui um depósito permanente e seguro para a estocagem de resíduos atômicos e ainda carece de um plano de evacuação adequado, o que implica riscos para o meio ambiente e para a população.

A usina nuclear produz eletricidade a partir do aquecimento da água, cujo vapor pressurizado move turbinas, portanto, na prática, funciona como uma termoelétrica. A diferença está no combustível usado. Enquanto a primeira usa urânio enriquecido para liberar energia, na última queima-se carvão, liberando grande quantidade de dióxido de carbono. Caso o reator nuclear superaqueça com uma liberação descontrolada de calor, as paredes protetoras podem derreter e liberar radioatividade.

O acidente que mais marcou a história das usinas nucleares e que as mitifica até os dias de hoje, foi a explosão da central nuclear de Chernobyl, em 1986. Entretanto, deve-se considerar que, naquele episódio, várias regras foram desrespeitadas e que já é possível, através de novos dispositivos tecnológicos, interromper automaticamente as operações capazes de colocar os reatores em risco.

A aposta na energia nuclear deve-se, sobretudo, à baixa emissão de gases que causam o efeito estufa e, por isso, não contribui para o aquecimento global. Uma das polêmicas que entra em questão é o alto preço da construção da usina. Aí vem a indagação: por que não investir em fontes de energia renováveis, como a solar, a hidráulica e a eólica, que não emitem carbono e não produzem lixo radioativo?

Para tratar das muitas controvérsias que envolvem o assunto, o Olhar Virtual conversou com Aquilino Senra Martinez, vice-diretor eleito da Coppe/UFRJ (com posse prevista para a próxima quinta-feira, dia 5 de julho) e professor do Programa de Engenharia Nuclear (PEN), e com o professor Alex Enrich Prast, do Departamento de Ecologia da UFRJ.

Aquilino Senra Martinez
professor do Programa de Engenharia Nuclear e vice-diretor da COPPE

“O potencial hidrelétrico do Brasil é enorme, em razão disso, o país não precisaria de geração de energia de outras fontes. No entanto, a tendência futura é que esse potencial seja reduzido e haja necessidade de complementação de usinas térmicas. A matriz energética deve ser diversificada, ou seja, devem-se considerar todas as fontes de energia: solar, eólica, biomassa, nuclear. Portanto, defendo a conclusão de Angra 3. No Brasil, há duas usinas nucleares: Angra 1 e Angra 2. A primeira foi contratada junto à empresa americana Westinghouse, em 1975, e está operando há, aproximadamente, 26 anos. Já a segunda, é fruto de um acordo feito com a Alemanha, que previa a construção de oito usinas nucleares, mas que na prática resultou em apenas uma. A decisão da retomada de Angra 3 representa a segunda usina dentro desse acordo.

A participação da energia nuclear na matriz energética é muito baixa. Atualmente, as usinas geram em torno de 2,5% a 3% da eletricidade do Brasil e a tendência é que, mesmo com Angra 3, não passe desse índice. De acordo com a Empresa de Planejamento Energético — EPE — há uma previsão de mais quatro usinas nucleares até 2030 e com isso, o percentual chegaria em torno de 5%.

Não existe uma fonte de energia que só tenha vantagens. A principal desvantagem da geração nuclear, do ponto de vista ambiental, são os rejeitos radioativos que ela produz e que têm que ser armazenados por um longo período de tempo, com salva-guardas, de forma que os materiais radioativos não entrem em contato com o meio-ambiente. Por outro lado, tem uma enorme vantagem comparativa quando se trata de evitar o aquecimento global.

Boa parte dos equipamentos de Angra 3 foram adquiridos há, aproximadamente, 26 anos. No entanto, eles não perderam suas propriedades e sua importância no projeto da usina. São materiais pesados, como tanques de armazenamento, vasos de pressão, tubulações e válvulas. O total de gastos desses equipamentos foi em torno de 750 milhões de dólares. E durante esse período foram mantidos com um custo anual de 20 milhões de dólares. Isso dá a garantia da completa disponibilidade desses materiais, ainda hoje. A parte eletrônica de controle e supervisão, que é a mais sensível do projeto, ainda será adquirida.

O plano de evacuação é um dos mais modernos, centrado no município de Angra dos Reis. As críticas feitas no passado a esse plano foram importantes e obrigaram sua reestruturação para uma adequação às condições da região. Está bem mais elaborado, com condições financeiras, apoio do corpo de bombeiros, da defesa civil, meios de transporte para a retirada da população. Há um sistema de treinamento e simulação desenvolvido pela Coppe/UFRJ para a evacuação e planejamento das emergências. Este sistema está sendo utilizado para outras instalações industriais de alto risco.

Há estimativas que mesmo com o custo elevado da construção, a tarifa final da energia gerada seja compatível com a de outras usinas térmicas, em especial aquelas que utilizam gás natural. É mais barata que a tarifa das usinas de energia solar e eólica e mais cara do que a das usinas hidrelétricas. Entretanto, Angra 3 se justifica mais pela diversidade da matriz energética e pela consolidação do projeto de enriquecimento do urânio do que pelo preço.

A estocagem é feita para dois tipos de resíduos: de baixa e média atividade, e de alta atividade. Para os do primeiro tipo há uma lei que incumbe a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) da responsabilidade para seleção do local, projeto do depósito permanente, bem como sua construção e licenciamento. Quanto aos rejeitos de alta atividade, eles são armazenados na própria usina nuclear, enquanto esta estiver em funcionamento. Ao final da vida da usina, eles deverão ser também transferidos para um depósito permanente. Em nível internacional, apenas EUA e Finlândia estão construindo esses depósitos.

Do ponto de vista das atividades de ensino e pesquisa do Programa de Energia Nuclear (PEN) da Coppe/UFRJ é muito importante a retomada da construção dessa usina, a qual, certamente, aumentará a demanda por profissionais titulados na UFRJ, gerando um grande mercado."

Alex Enrich Prast
professor do Departamento de Ecologia da UFRJ

“O principal risco provindo da construção de Angra 3 é um acidente decorrente de um possível vazamento de material radioativo. O acidente em Chernobyl ocorreu há cerca de 20 anos e ainda hoje apresenta conseqüências negativas. Considerando que o episódio aconteceu em um período de Guerra Fria, imagina-se que os danos foram ainda piores do que os que foram divulgados.

Um aspecto que tem sido pouco considerado na construção desta usina, são as conseqüências causadas pela chegada de mão-de-obra de outros estados e municípios, que diminui a qualidade de vida dos trabalhadores da cidade e promove a degradação ambiental do que ainda está preservado. Os impactos que acompanharam o desenvolvimento de Macaé após o boom do petróleo é um bom exemplo disso.

A previsão é que, com a construção de Angra 3, sejam criados 15 mil novos empregos diretos e indiretos. Economicamente é ótimo para a cidade, porém a chegada de mão-de-obra especializada quase sempre é acompanhada de mão-de-obra não especializada com baixíssima remuneração, o que contribui para o aumento das desigualdades.

O município de Angra dos Reis já apresenta um alto grau de favelização que, certamente, aumentará com a construção da usina nuclear. Com isso, aumentarão os impactos sobre as florestas de encosta que serão desmatadas, os rios que serão eutrofizados, o mangue que será destruído e o mar que será poluído.

Ainda não existem depósitos permanentes para os resíduos atômicos. Aliás, esta é a principal crítica dos ambientalistas à geração de energia nuclear. Produzimos um lixo e não sabemos onde colocá-lo. Existe uma proposta de pagar os municípios mais distantes para que o material possa ser enterrado lá, mas o problema não é solucionado dessa forma.

A questão energética é uma questão estratégica e ligada à soberania do nosso e de qualquer país. Claro que como ecólogo defendo com unhas e dentes a preservação de todo ecossistema. No entanto, não podemos esperar que o governo federal pense somente em questões ambientais.

Não vejo com maus olhos a diversificação da matriz energética brasileira, mas, devido à geografia brasileira, nosso país tem vocação para a geração de energia hidrelétrica e, portanto, deve fazer bom uso desta alternativa. Não faz sentido queimarmos petróleo, se podemos usar energia elétrica. A produção de biocombustível também é alvo de muitas críticas. Onde vamos plantar? E o aumento dos impactos causados pela agricultura?

Sabe-se que as hidrelétricas emitem gases causadores de efeito estufa. No entanto, ainda são poucos os estudos conclusivos sobre a emissão destes. É inadmissível que com 80% da matriz energética brasileira oriunda das hidrelétricas, ainda saibamos tão pouco sobre a emissão de gases das mesmas.

Toda forma de produção de energia tem algum tipo de impacto sobre o ambiente e cabe a nós pesarmos os prós e contras na escolha de algumas delas. Na verdade, o principal problema é a demanda energética da nossa sociedade ser tão elevada. Precisamos, urgentemente, mudar nossa mentalidade e hábitos consumistas, porém isso é algo realmente muito difícil”.