De Olho na Mídia

Ciência ou auto-ajuda?

Aline Durães

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Nos últimos anos, a Física Quântica deixou de ser assunto restrito a laboratórios e a pesquisadores e vem ganhando espaço no cinema. Considerada uma revolução conceitual na forma de o homem encarar a realidade, essa ciência descobriu uma série de particularidades do mundo microscópico, que atraiu a atenção das produtoras e distribuidoras de filmes e levou milhares de espectadores às salas de exibição.

Filmes como “The Secret – O Segredo” (2006) e “Quem somos nós” (2004) — este último arrecadou mais de oito milhões de dólares nos Estados Unidos e no Canadá ancorado apenas na propaganda boca-a-boca — fizeram sucesso no rastro da Física Quântica. Os longas-metragens trazem às telas estudiosos convencidos de que, ao afirmar que medidas realizadas em partículas microscópicas alteram o seu estado e a sua evolução futura, a Física Quântica comprovaria cientificamente a eficácia do pensamento positivo como mecanismo de transformação do mundo físico e de obtenção de prosperidade e felicidade.

Nem todas as informações veiculadas pelos filmes, no entanto, são verídicas. Muitas delas não têm qualquer embasamento teórico. Além disso, o caráter documental das películas somado aos depoimentos de supostos especialistas dificulta a distinção dos limites entre a verdade e a ficção nas obras: “a discussão sobre a relação entre a Física Quântica e a consciência nesses filmes é feita por indivíduos apresentados como autoridades na área. Mas, nos créditos finais de ‘Quem somos nós’, por exemplo, vê-se que um deles é anestesista que está começando um curso de Pós-graduação em Física. No mesmo filme, a cena da influência do pensamento sobre a estrutura da água beira o ridículo e não tem nenhuma base científica”, comenta Luiz Davidovich, professor do Instituto de Física (IF/UFRJ) e diretor da Academia Brasileira de Ciências.

Para Davidovich, a abordagem cinematográfica da Física Quântica alimenta superstições, contrariando o papel da Ciência na sociedade. O professor denuncia que os filmes, em geral, impedem, de forma “oportunista”, uma análise cuidadosa do novo universal conceitual descortinado pela ciência e divulgam idéias contestáveis como se fossem fatos conhecidos e comprovados. “A ‘ciência da auto-ajuda’ substitui reflexões mais profundas sobre a natureza e a sociedade humana, e usa falsas conexões com a Física e a Biologia para dar a impressão de que se constitui em uma disciplina científica. Não é”, enfatiza.

Verossímeis ou não, essas narrativas convencem. O livro homônimo que deu origem ao filme “The Secret — O Segredo” ocupou, por semanas, o primeiro lugar na categoria de auto-ajuda das listas de livros mais vendidos das revistas Veja e Época. “The Secret — O Segredo” tem o enredo composto por uma série de testemunhos de pessoas que encontraram estabilidade na vida pessoal e profissional depois de pensarem positivamente. Audacioso, o documentário cita frases descontextualizadas de grandes pensadores ocidentais, como René Descartes, Isaac Newton e Albert Einstein, para provar que eles conheciam o poder do pensamento positivo.

Luiz Davidovich aponta que a mensagem principal da obra trivializa a complexa questão do funcionamento da mente do ser humano e de suas relações com a sociedade e a natureza. “É claro que uma pessoa sem auto-estima tem mais dificuldade para realizar-se. Isso é óbvio. Mas as mensagens do filme lembram o solipsismo grego, que concebia o mundo ao redor como fruto do nosso pensamento. Einstein, Descartes e Newton tinham mentes privilegiadas — o que certamente está na área de interesse das neurociências, estudaram em bons colégios e tinham paixão, obsessão mesmo, por ciência. Eles não conheciam ‘o segredo’, mas, de fato, tentavam obcecadamente desvendar os segredos da natureza”, observa.

O cinema não é o único a pecar quando o assunto é Física. Na opinião de Luiz Davidovich, jornais e revistas também veiculam uma quantidade considerável de informações incorretas sobre essa área do conhecimento. Para o pesquisador, a solução do problema reside no fortalecimento do trabalho de educação científica da população: “aqui no Brasil, os Centros de Ciência deveriam possuir unidades móveis, que atingissem a população infantil e juvenil, com exibição de filmes científicos, pratica em laboratórios, palestras motivantes sobre temas atuais, interagindo com as escolas, especialmente com as escolas públicas. Esse trabalho já está sendo feito pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, mas é importante intensificá-lo e torná-lo sistemático, através dos Centros de Ciência”, sublinha.