Ponto de Vista

Pré-vestibulares comunitários reagem à ação da Prefeitura

 

Camilla Muniz

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Em agosto do ano passado, a Prefeitura do Rio de Janeiro tomou uma decisão bastante polêmica que afetaria milhares de jovens de diversas comunidades carentes da cidade. Através de uma circular da Secretaria de Educação, o prefeito César Maia determinou que salas de escolas da rede municipal não fossem mais utilizadas pelos pré-vestibulares comunitários, tirando assim a oportunidade única que meninos e meninas de origem humilde têm de se prepararem, gratuitamente, para o difícil desafio do concurso.

Mesmo com os espaços sendo utilizados apenas durante a noite e nos finais de semana, a prefeitura alega que a despesa com a conta de luz aumentou muito. Além disso, segundo César Maia, a resolução foi desencadeada por "questões sanitárias e de segurança", já que "alunos fizeram necessidades no chão, sujaram os banheiros das crianças e fumaram maconha".

Dentre os muitos cursos prejudicados pela decisão está o pré-vestibular comunitário da UFRJ, projeto oferecido pela Pró-reitoria de Extensão (PR-5) nos municípios do Rio de Janeiro e de Nova Iguaçu. A iniciativa vem conseguindo resultados bastante satisfatórios, aprovando cada vez mais alunos nos vestibulares de instituições públicas.

Em entrevista ao Olhar Virtual, Pedro Paulo Bicalho, coordenador do Curso Pré-vestibular Comunitário do Caju (CPV-Caju) e professor do Instituto de Psicologia (IP/UFRJ), falou das dificuldades para manter o curso em funcionamento após a decisão da prefeitura. "Em Nova Iguaçu, o projeto oferece mais turmas porque, entre outros motivos, conta com o apoio da prefeitura. Também poderíamos fazer mais pelos estudantes cariocas se o nosso prefeito nos ajudasse", desabafou.

Olhar Virtual: Na sua opinião, quais foram os verdadeiros motivos que levaram a prefeitura a tomar tal decisão?

Pedro Paulo: Provavelmente, essa decisão foi tomada por questões políticas desconhecidas por mim e pelo restante da população. A proibição terá conseqüências catastróficas para o município, uma vez que o pré-vestibular não existe no ensino estatal. Nosso objetivo é democratizar o acesso às universidades públicas e, para que isso aconteça, os pré-vestibulares comunitários precisam existir, pois somente dessa forma os jovens carentes, que não podem pagar por um curso particular, terão o suporte pedagógico necessário para ingressarem no ensino superior.

Olhar Virtual: As salas estavam sofrendo algum tipo de depredação, como argumentou a prefeitura para adotar a medida?

Pedro Paulo: Não! De jeito nenhum! Essa foi uma desculpa sem fundamento do prefeito César Maia para tentar justificar a decisão. Para mim e para os outros coordenadores dos cursos pré-vestibulares comunitários, o decreto é, no mínimo, paradoxal, pois as autoridades alegam que as aulas não oferecem segurança aos alunos, enquanto, na verdade, estamos proporcionando educação de qualidade e cidadania a esses jovens.

Olhar Virtual: Além das aulas convencionais, que outras atividades o CPV-Caju realiza a fim de promover a cidadania dos jovens?

Pedro Paulo: Realizamos diversas atividades, como sessões de cinema e aulas de campo. O curso chama-se "pré-vestibular comunitário" não somente porque garante preparação gratuita para o concurso vestibular; o projeto também visa o resgate de valores importantes para a construção da cidadania e da dignidade dos alunos.

Olhar Virtual: Qual a situação atual do curso pré-vestibular do Caju?

Pedro Paulo: Embora haja muitas dificuldades, o CPV-Caju continua funcionando. São duas unidades, uma na Vila Clemente Ferreira e outra na Quinta do Caju, duas comunidades carentes do bairro. Como não contamos mais com as salas de aula das escolas da rede municipal, o curso está instalado em uma colônia de pescadores e em uma associação de moradores. Isso é bastante prejudicial, pois esses locais são espaços inadequados, sem a infra-estrutura necessária para uma sala de aula. Além disso, a universidade tem gastos com o aluguel desses ambientes e com a compra de materiais que possam oferecer o mínimo de conforto para os alunos, como quadros, carteiras e ventiladores, por exemplo. A meu ver, a melhor solução para todos esses problemas é a prefeitura voltar atrás e permitir novamente o uso das salas.

Olhar Virtual: Quantos alunos são atendidos pelo projeto no Caju?

Pedro Paulo: Atualmente atendemos cerca de 130 alunos, em duas turmas oferecidas de segunda a sexta durante a noite, e nos sábados pela manhã.

Olhar Virtual: Podemos estimar o prejuízo social causado por essa proibição?

Pedro Paulo: A proibição provocou prejuízos enormes. Se pudéssemos usar as salas de aula da rede municipal, poderíamos oferecer mais turmas aos alunos do CPV-Caju. A infra-estrutura mais adequada que as salas já proporciona melhor acomodação no ambiente, o que acarreta maior qualidade no ensino. Além disso, os professores, que hoje precisam se preocupar também com problemas administrativos, poderiam se dedicar totalmente aos estudantes.

Olhar Virtual: Qual a mobilização da UFRJ diante da atitude da prefeitura?

Pedro Paulo: Acredito que a maior mobilização da universidade seja fazer um grande esforço para levar o projeto à frente, sustentando o projeto pedagógico desenvolvido para o curso.