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Vestibular: muitos tentam, poucos conseguem

Julia Vieira

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Há 20 anos a UFRJ organiza seu próprio Concurso de Acesso aos Cursos de Graduação e o processo figura entre os mais concorridos de todo o país. Em 2008, para ingressar na universidade 47.003 candidatos estão na disputa por 6.825 vagas – 200 a mais que no último concurso – distribuídas entre os 145 cursos oferecidos. A entrada no mundo universitário está se tornando cada vez mais difícil, pois o Vestibular afunila a seleção a cada ano. Graduar-se médico, engenheiro ou comunicólogo em uma das mais conceituadas instituições do país não é uma missão fácil de cumprir.

Medicina (28,10 candidatos para uma vaga) perdeu no vestibular passado a primeira colocação na relação candidato/vaga para a Engenharia do Petróleo (com 29,28). Este ano o curso volta a ser o mais concorrido, com 27,58 candidatos por vaga. Embora seja a mais disputada, Medicina não é a carreira de maior procura. Com a unificação das doze habilitações de Engenharia no Vestibular, a Escola Politécnica passou a atrair mais interessados (6761) do que a Faculdade de Medicina (5295). O ranking dos cursos mais desejados fica completo com Direito (5074).

Porém, qual é o perfil dos alunos que preenchem essas vagas tão disputadas? Luiz Otávio Langlois, coordenador da Comissão do Vestibular, lembra: “Quanto maior a concorrência por determinado curso, mais elitizado será o perfil dos seus alunos”. Pode parecer uma grande injustiça ou ainda que isso aconteça devido a um perfil da própria universidade, mas acreditar nisso é querer não enxergar a realidade. “A tendência é os alunos mais bem preparados tornarem-se donos das vagas mais concorridas. Isso é um problema estrutural do país, que nega aos mais carentes uma base para que concorram com os alunos de escolas particulares, de onde vêm 64,31% dos alunos ingressantes do último ano”, ressalta.

Ao contrário do que muitos insistem em afirmar, a UFRJ não recebe apenas alunos oriundos dos bairros nobres da cidade. O coordenador salienta que se for analisado o espectro geográfico dos alunos ingressos na universidade, pode ser constatado que eles não vêm em sua maioria dessas áreas. A Zona Oeste soma o maior número de alunos e outras cidades do estado contribuem com 20,26% dos estudantes aprovados, de acordo com dados do exame de 2007.

É muito difícil dissociar o perfil do aluno que tenta do que passa. A maior parte dos vestibulandos se declara branca e o mesmo acontece com os alunos aprovados. Dos que obtém sucesso nas provas 65,17% são brancos, enquanto em um total de quase 7 mil alunos, apenas 356 se dizem pretos.

O questionário sócio-cultural revela alguns outros dados interessantes sobre os alunos classificados: 86% deles escolheram a UFRJ por ser a única a oferecer o curso pretendido, o que marca um grande diferencial da instituição que é ter uma gama bastante variada de opções de carreira. Para o Vestibular 2009 existem novos cursos em avaliação, como o de Engenharia Nuclear, a ser oferecido pela Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia (Coppe). A UFRJ será pioneira na oferta dessa cadeira ainda inexistente no país.

Outro dado relevante é 41,40% dos alunos apontarem esperar da universidade uma formação voltada para o mercado de trabalho em detrimento de opções como formação de um acervo cultural e a melhoria da vida prática através do conhecimento.

Para Maurício Luz, professor do Colégio de Aplicação (Cap) da UFRJ, é muito claro o perfil que se pode traçar dos estudantes da instituição, em sua maioria, jovens de classe média ou alta. Dados estatísticos levantados pela Comissão de Vestibular indicam a existência de alunos de baixa renda, mas além de serem minoria, estão localizados em alguns cursos. “Os dados não são capazes de mostrar a realidade e mascaram o perfil do aluno da universidade. Os jovens de baixa renda que conseguem aprovação entram em cursos de baixa demanda, como os de licenciatura, mas não os mais concorridos”.

Formas alternativas de ingresso à universidade

Atualmente a instituição discute – no contexto da proposta de Plano Qüinqüenal de Desenvolvimento (PDI) e do Programa de Reestruturação e Expansão (PRE) – maneiras de democratizar o acesso, repensando o Vestibular e refletindo sobre mecanismos de avaliação continuada dos estudantes do nível básico. A discussão vem se desenvolvendo há alguns anos, mas ainda não houve um denominador comum, que atenda aos interesses da universidade e dos alunos.

Maurício Luz, defensor de um sistema de acesso diferenciado, ressalta duas formas distintas possíveis de modificar a entrada. Uma delas seria através do sistema de cotas para alunos de escolas públicas e a outra seria a entrada de alunos pré-selecionados, eliminando a etapa do vestibular. Qualquer que fosse o novo sistema adotado, haveria uma significativa inclusão social, o que seria capaz de modificar o perfil do aluno da UFRJ.

Em seu estudo, Maurício desmistifica as teorias, como a da Congregação da Faculdade de Medicina, de que estudantes cotistas afetariam a qualidade do ensino. Essas vertentes acreditam que a falta de preparo durante toda a vida escolar desses alunos traria para a universidade os reflexos da precariedade do ensino e prejudicaria o desempenho da faculdade em avaliações como o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, o Enade. “Qualquer que seja o sistema de reserva de vagas para estudantes da rede pública, a diferença de notas entre os cotistas e não-cotistas no primeiro período letivo é pequena, principalmente nos cursos mais concorridos”, afirma Maurício.

Outra possibilidade seria a reserva de 5% das vagas para alunos da rede pública de ensino, pré-selecionados por seus professores, após serem orientados pelo Programa de Formação Continuada oferecido pela UFRJ. Esses alunos escolhidos passariam por um curso de seis meses, que funcionaria como um processo de adaptação, e após este período estariam aptos a ingressar na universidade, sem ter que prestar o exame regular.

“O Vestibular da UFRJ é eficaz e muito bom naquilo que se propõe: selecionar poucos dentre os diversos candidatos, encontrar entre eles diferenciais que os faça merecedores de suas vagas. O Concurso de Acesso aos Cursos de Graduação não é um sistema de avaliação, sim de seleção. Através das provas verifica-se a formação do aluno, mas não há como avaliar que tipo de universitário e profissional ele será”, assegura.

“Encontrar outras maneiras de acesso seria essencial para que outros pontos de vista pudessem ser expostos e conhecidos. Dar voz a outras classes sociais seria interessante para que fosse gerado um debate acerca de questões que hoje não passam perto do meio acadêmico”, finaliza o professor.