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UFRJ lança calendário sobre 40 anos de 1968

Aline Durães

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Em 1968, o mundo vivenciou uma eclosão de movimentos libertários, promovidos, principalmente, por jovens. Seja defendendo bandeiras no campo político ou cultural, os jovens saíram às ruas para contestar valores e práticas e entraram para a História como a geração que abalou as estruturas conservadoras da época. Diante da importância desse ano no contexto do século XX, a Coordenadoria de Comunicação da UFRJ (CoordCOM/UFRJ) idealizou um calendário 2008 comemorativo dos 40 anos de 68.

Desde 2005, o planejamento da CoordCOM/UFRJ contemplava a produção de publicações e outros itens de divulgação institucional alusivos a 1968. O calendário busca não só resgatar os principais acontecimentos daquele ano, mas dá ênfase especial à ação dos estudantes da UFRJ, que desempenharam função de protagonistas dos principais fatos que marcaram as lutas sociais contra o regime militar brasileiro à época.

Foram necessários quatro meses de pesquisas, realizadas por seis profissionais e bolsistas de graduação da universidade em estágio no setor, para a coleta e tratamento das informações veiculadas no calendário. “O interessante é que, nos jornais da época, quase que diariamente aparecia o nome da UFRJ, seja com os seus estudantes envolvidos nos movimentos sociais, seja com os professores ou o reitor”, afirma Gabriela D’Araújo, coordenadora da iniciativa.

O calendário, patrocinado pelo convênio firmado entre a UFRJ e Banco do Brasil, tem textos dos professores Carlos Vainer, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR), Ronaldo Lima Lins, Diretor da Faculdade de Letras e Franklin Trein, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), todos com participação ativa nos acontecimentos do 68 brasileiro. Além de textos que rememoram a efervescência cultural, política e comportamental da época, o calendário traz 67 imagens dos acervos do CPDoc JB, em maioria, da Agência O Globo e do Arquivo Nacional. O processo de escolha das fotografias priorizou as imagens que transmitem àqueles que não viveram o período a atmosfera contestatória de 1968 e revelam o envolvimento dos estudantes da UFRJ nas manifestações.

Os oito mil exemplares do calendário estão sendo distribuídos internamente na UFRJ, para decanias, unidades e administração, e para instituições de Ensino, Pesquisa e Extensão, e congêneres, assim como para órgãos públicos e empresas parceiras da UFRJ em projetos e ações institucionais. A receptividade da comunidade universitária tem sido satisfatória e gratificante para a equipe responsável pelo produto. “De modo geral, dos que abertamente se emocionam aos que pouco comentam, há o reconhecimento da naturalidade e da obrigatoriedade de a universidade, institucionalmente, rememorar, celebrar, debater os múltiplos significados dos acontecimentos de 1968; seja como registro e recuperação de sua memória seja como iniciativa voltada para a reflexão crítica dos públicos interno e externo”, avalia João Eduardo Fonseca, chefe de Gabinete do reitor e supervisor geral do projeto.


Entendendo 1968

Em meados do século XX, o sistema produtivo internacional passou por um intenso processo de modernização. O Brasil viu a chegada crescente de empresas multinacionais, o setor de serviços se sofisticou e as demandas do mercado de trabalho tornaram-se mais seletivas. As exigências por profissionais de nível superior cresceram e encontraram o sistema universitário brasileiro despreparado para atender a esse novo padrão de desenvolvimento. No plano político, o país foi sacudido pelo golpe militar de 1964, que impôs um estado repressivo, uma ordem social autoritária e fixou diretrizes de caráter privatizante para a política de educação superior.

Foi nesse contexto que, sobretudo, os estudantes, realizaram uma série de manifestações que exigia do governo a expansão do número de vagas nas universidades públicas. “Os estudantes envolvidos naquele processo sabiam até certo ponto o que queriam, mas não sabiam tudo o que queriam. Protestavam por aumento de vagas, contra o autoritarismo dentro da universidade. Mas, como não havia uma clara linha ideológica, até porque não começou a partir de um partido político, era difícil precisar o que estava acontecendo”, elucida Ronaldo Lima Lins.

Além de reivindicarem aumento das vagas, os jovens criticavam os limites estabelecidos para o financiamento das Instituições de Ensino Superior (IES) públicas. A Reforma Universitária de 1968, que vinha sendo concebida pelo governo militar em parceria com a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (US. Agency for International Development), se por um lado modernizava o ensino por suprimir a figura da cátedra vitalícia e por introduzir a estrutura departamental, por outro reduzia os investimentos públicos na Graduação e atrelava a universidade brasileira aos padrões e modelos institucionais estadunidenses, o que acirrou o clima de revolta que se acumulava entre os universitários desde o golpe militar de1964.

Mas as manifestações estudantis não se limitaram às questões internas da Academia. Todas as esferas da vida social foram sendo, gradativamente, questionadas. “Foi um ano surpreendente. Dessas surpresas que só a História reserva. Era surpreendente em vários níveis; era uma revolução feita essencialmente por jovens, cuja ação girava em torno da palavra liberdade. O movimento foi adotando uma linha de questionamento muito além da política, mas também da moral, de como as pessoas tinham de se comportar, como as pessoas tratavam o amor, a relação entre homem e mulher. Em 1968, as pessoas tinham um projeto, um projeto de preocupação social, de mudança das estruturas do país, de revolução nas artes e na cultura”, observa Ronaldo Lins.

No Brasil, a principal luta era contra a ditadura militar. Perpetrado quatro anos antes, o golpe obteve apoio das camadas médias e conservadoras da sociedade. Com o agravamento da crise política e à medida em que segmentos desses estratos viam frustradas suas aspirações de ascensão social e, em certa medida, de restabelecimento do Estado democrático de direito, o regime ditatorial vê-se diante do risco de perda considerável da base social que lhe dava sustentação.

Contemporâneos dos movimentos libertários franceses, que conseguiram enfraquecer e levar à renúncia o então presidente Charles de Gaulle, os jovens brasileiros passaram a reivindicar o fim da ditadura: “ficou aquela atmosfera de esperança de uma alternativa que o mundo não conhecia, que não era restrita ao bloco soviético nem ao norte-americano. A História não tem certo ou errado. Os homens vão buscando seus caminhos, aprendendo ali, errando aqui. Quem viveu aquilo, viveu uma experiência intensa”, afirma Ronaldo Lima Lins.


Por que rememorar?

A UFRJ está envolvida da variadas formas em projetos e iniciativas voltadas para a rememoração reflexiva dos eventos de 1968.

Além da produção do Calendário de 2008, a CoordCOM/UFRJ está programando uma exposição itinerante e a edição de um livro para e registrar e difundir o protagonismo da universidade, especialmente de seus estudantes, nos acontecimentos de 1968. O professor Carlos Vainer representa a UFRJ em comissão interinstitucional criada para, em cooperação, organizar e promover, ao longo deste ano, uma ampla programação rememorativa e de reflexão sobre 1968.

Sob a coordenação do professor Carlos Fico, o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais programou a realização de seminário sobre o tema. Também a Faculdade de Letras, apesar de ainda não ter eventos confirmados, almeja trazer convidados à universidade para discutir, entre outros temas, o teatro. Para Ronaldo Lima Lins, a importância de rememorar 1968 reside no fato de resgatar a memória dos episódios desse ano: “Pode-se recuperar aquele instante de sonho de liberdade, a coragem dos jovens em sair às ruas se manifestando e defendendo posições. Por isso acho importante que a universidade esteja participando desse processo de reviver a memória de 1968. Afinal de contas, a universidade é uma instituição de jovens e eles podem ter esse referencial. Eles podem saber que, há 40 anos, os jovens estavam fazendo coisas inacreditáveis. Podem não ter chegado tão longe quanto pretendiam, mas marcaram a sua passagem naquele instante”, pontua o diretor.