Ponto de Vista

Angra III: o futuro em fonte energética?

Sofia Moutinho - AGN/Centro de Tecnologia

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A ativação da usina nuclear Angra III, com previsão de operação para maio de 2014, será um dos maiores investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento no Estado do Rio de Janeiro (PAC-Rio). O projeto tem causado diversas reações, entre elas protestos do movimento Greenpeace.

O grupo ambientalista divulgou, dia 17 de março, um relatório chamado "Elefante branco: os verdadeiros custos da energia nuclear", no qual critica a retomada da usina alegando ser economicamente inviável. O documento revela que Angra III custará, além dos R$ 7,2 bilhões oficialmente divulgados pelo governo, pelo menos mais R$ 2,372 bilhões por conta dos juros sobre o capital imobilizado para a obra.

Já a Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan) afirma que o retorno do investimento será aceitável e reforça que o maior benefício é a garantia do fornecimento de energia e o fim do risco de um apagão de conseqüências muito maiores para toda a sociedade.

Para comentar esta questão, o Olhar Virtual entrevistou o professor Paulo Fernando Ferreira Frutuoso e Melo, vice-coordenador do Programa de Engenharia Nuclear do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE-UFRJ).

 

Olhar Virtual: Quais são os pontos positivos e negativos na ativação de Angra III?

Na situação atual vejo somente pontos positivos, não vejo pontos negativos. A melhor decisão é concluir Angra III em função de nossa realidade de diversificação de matriz energética e também de oportunidade de formar pessoas para o futuro, quando a energia nuclear será realmente necessária.

Olhar Virtual: O governo pretende terminar as obras em um prazo de 6 anos, você acha isso possível?

O prazo de construção normal para este tipo de projeto é de 5 a 6 anos. Então, se a gente pensa em começar em 2009, é bem razoável em 2014 ela começar a operar. Levando em conta a experiência com Angra II, um projeto parecido, não é absurdo estimar esse prazo. É bem provável até o prazo ser um pouco menor que 6 anos.

Olhar Virtual: O movimento Greenpeace, professores e alguns movimentos sociais acreditam que o custo real do empreendimento será muito maior do que o orçamento inicial de 7,2 bilhões de reais proposto pelo governo, de modo que o prejuízo recairá sobre os cofres públicos e, portanto, sobre a população. Você concorda?

Um dos fundadores do Greenpeace hoje é favorável à energia nuclear. Muitas pessoas que, em outras épocas, eram contrárias à energia nuclear, agora são favoráveis. No contexto de aquecimento global, buscamos fontes de energia que não acumulem carbono na atmosfera; a energia nuclear é uma delas. Há o problema de tratamento de reagentes, mas já existem tecnologias que permitem tratar estes rejeitos.

Quanto ao investimento, o grande problema foi a política adotada em épocas anteriores para a energia nuclear. Hoje a gente ainda está pagando por erros e decisões erradas do passado. Não é argumento para deixar inconclusa Angra III. Devemos pensar no futuro.

Olhar Virtual: A possível demora na construção da usina pode comprometer o estado dos equipamentos já adquiridos?

Se você levar em conta que parte destes equipamentos está acomodado há décadas, um pequeno atraso adicional não vai fazer diferença.

Olhar Virtual: Esses equipamentos ainda se mantêm atuais ou estão defasados?
 
Há equipamentos mecânicos ainda funcionais. Quando se fala que os equipamentos já estão estocados, não quer dizer que todo equipamento necessário já está estocado. Os equipamentos mecânicos estocados estão sofrendo inspeção periódica para manter seu estado de conservação. Teremos equipamentos mais modernos que não estão estocados, como a instrumentação digital, um grande avanço para a área nuclear do Brasil; será a primeira vez que se usa este aparato.

Olhar Virtual: O fato de o Brasil ter uma considerável reserva de urânio deve ser levado em conta quando se fala de Angra III?

Hoje, aproximadamente um terço do nosso território foi prospectado e nós temos a 6ª maior reserva de urânio do mundo. Existem indícios de que se os dois terços restantes forem analisados, esta reserva crescerá consideravelmente. Do ponto de vista estratégico, significa que o combustível necessário para as usinas nós temos aqui, sem dependência externa.

Olhar Virtual: O Brasil tem condições, atualmente, de fazer seus próprios reatores e conseguir autonomia na área de energia nuclear?

Apesar de não ser uma tradição no Brasil, nós temos competência para chegar lá, sim. Não digo que seja possível em curtíssimo prazo mas, se nós tomarmos como exemplo os avanços tecnológicos que o Brasil tem feito em diversas áreas, como, por exemplo, na área de enriquecimento de urânio, o que falta fazer é perfeitamente possível com esforço totalmente brasileiro.

Olhar Virtual: O desempenho esperado e a tecnologia de Angra III correspondem à fase que o comércio atual de energia nuclear vive?

Não. O projeto de Angra III é bastante parecido com o de Angra II, ainda é um resquício da época do acordo nuclear com a Alemanha da década de 1970, do século passado. Hoje já existem concepções mais atualizadas de reatores.

Olhar Virtual: Qual investimento energético é mais eficaz no Brasil, hidrelétricas ou usinas?

A grande contribuinte para a geração de energia no país é a hidrelétrica, sem dúvida. Mas temos que pensar que, cada vez mais, existem dificuldades de várias naturezas para se implantar uma usina hidrelétrica, operá-la, gerar energia e transmitir essa energia. A energia hidrelétrica tem prós e contras. Há de se pensar nas áreas inundadas, nas apropriações de terras e uma série de outras questões. Mas é uma energia que, bem como a nuclear, é limpa. Temos que pensar no futuro. Este país, hoje, não tem condições de ofertar energia correspondente às necessidades. Como gerar renda e ter novas atividades econômicas se não temos energia disponível para isso? A nossa sorte é nossa taxa de crescimento ser baixa; no futuro, as demandas de energia vão ser maiores e, ao menos que a gente descubra alternativas energéticas, o problema não se resolverá. As indústrias precisam de energia, a nação precisa de energia. Indústrias como a Votorantin têm centrais de energia próprias. A Vale está comprando minas de urânio. Já comprou na Austrália e tem todo o interesse de comprar no Brasil. Se a gente pensar em desenvolvimento e no impacto econômico como um todo, temos que pensar em outras fontes de energia. Fica cada vez mais difícil imaginar a construção de hidrelétricas, são cada vez mais afastadas, o custo é cada vez maior e impacto ambiental é grande. A energia nuclear está longe disso. Há grandes ambientalistas favoráveis à energia nuclear. Se pesarmos prós e contras, considerando aspectos de relevância econômica e ambiental, a perspectiva de atendimento de uma demanda energética no futuro é mais favorável à energia nuclear, sem dúvidas.

Olhar Virtual: É possível que, em um futuro relativamente próximo, a fonte energética predominante no Brasil seja a nuclear?

Não. Isto não vai ser necessário em curto prazo, só em longo prazo. Se a gente usar uma forma de geração de energia sem dominar a técnica totalmente, significa ficar na dependência externa. Temos que dominar o ciclo todo.

Olhar Virtual: O Brasil tem profissionais capacitados na área de energia nuclear?

Houve um plano, lançado há pouco tempo, do Ministério de Ciência & Tecnologia, que prevê investimentos em várias áreas tecnológicas, inclusive na energia nuclear. Uma das questões deste plano é justamente a formação de pessoal para utilização futura. É preciso dominar a tecnologia, mas ao mesmo tempo é preciso pessoal capacitado para isso. Não é à toa que estamos trabalhando para criar um curso de Graduação em Engenharia Nuclear aqui na UFRJ. A demanda deste profissional é grande, não só para o profissional de geração de energia, mas também para o profissional de aplicações de radiação nuclear. Hoje não temos um engenheiro que faça isso; temos pessoas com outra formação básica, como físicos com especialização em engenharia nuclear. Queremos formar um profissional já na Graduação com um conhecimento mínimo necessário para trabalhar em uma empresa do setor. Esse profissional hoje não existe. Na verdade há, atualmente, uma massa de pessoas de formação heterogênea e inadequada para atender ao mercado. Este curso é uma inovação na UFRJ. A universidade precisa se preocupar em formar estes profissionais. O curso, se tudo correr bem, começa em 2009 e, em 2014, a primeira turma já estará formada.

Olhar Virtual: Segundo dados do governo, o custo de produção de um megawatt em Angra III sairá por até 138 reais, este valor está de acordo com a realidade do mercado?

Esta é uma questão complexa. Acho que hoje no Brasil ainda não se deve olhar a energia nuclear do ponto de vista de competitividade, em termos do custo de megawatt por hora. Quando houve, em 2001, o apagão no Brasil, a crise de abastecimento de energia no Rio de Janeiro só não foi pior porque as usinas estavam em funcionamento. As usinas representam, no estado, cerca de um terço da energia gerada. A gente deve enxergar a necessidade de capacitação para operar usinas. Temos que nos preparar para o futuro, quando a energia nuclear vai ser indispensável. O Brasil tem tudo para ter uma independência energética neste sentido. O futuro vai ser energia nuclear.