Ponto de Vista

Mais uma vitória para o CAp

Aline Durães

imagem ponto de vista

O Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp/UFRJ) surpreendeu mais uma vez. Com 79,63 pontos de média total (prova objetiva e redação), o CAp obteve a melhor colocação entre as escolas da rede pública de todo o país na edição de 2007 do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). No ranking geral, que inclui também as instituições particulares, o colégio ficou em 7º lugar.

Com uma proposta diferenciada de ensino, que contempla disciplinas já banidas da grade curricular da maior parte das escolas do país, o CAp já se acostumou aos bons resultados. O desempenho satisfatório de seus alunos nos diversos vestibulares do estado confirma a excelência das atividades acadêmicas lá desenvolvidas.

Nos últimos anos, a escola, que completa seis décadas em 2008, inovou ao modificar o sistema de acesso dos alunos. Atualmente, os estudantes ingressam na escola mediante sorteio público, o que contribuiu para diversificar o perfil do alunado do CAp.

O Olhar Virtual conversou com Marcelo Bueno, professor de Desenho Geométrico e atual diretor adjunto de Ensino do CAp. Na entrevista, Marcelo enumera os fatores responsáveis pelo desempenho dos discentes nos diferentes exames de qualificação e comenta as mudanças impressas pela substituição do mecanismo de entrada de alunos. O professor fala também dos principais desafios que se descortinam no horizonte da escola. Confira.

Olhar Virtual: Como o resultado do ENEM 2007 foi recebido pelos corpos discente e docente do CAp?

Com muita alegria, naturalmente. Os resultados obtidos pelo CAp nos últimos anos, tanto na Prova Brasil como no ENEM e nos principais vestibulares, refletem o empenho e a seriedade do trabalho desenvolvido pelos professores e pelos alunos do colégio, apoiados pelo profissionalismo do corpo de funcionários técnico-administrativos.

Olhar Virtual: Qual a importância desse ranking para o desenvolvimento das atividades do CAp?

As atividades acadêmicas do CAp não são planejadas com o objetivo de preparar os alunos para as provas que originam os rankings. A boa colocação do colégio é uma conseqüência natural do trabalho desenvolvido com os alunos, ao longo de muitos anos, pelo corpo docente da instituição. Portanto, a maior importância das boas colocações nos rankings é o reconhecimento da qualidade do ensino do CAp, demonstrando que, com os elementos adequados – em especial um corpo docente qualificado e comprometido - é possível, sim, ter um ensino público e gratuito de alto nível.

Olhar Virtual: No ranking geral, o CAp ficou em sétimo lugar. O colégio tem condições de encabeçar essa lista?

Isso não é uma preocupação para o CAp, mas, eventualmente, é possível que venhamos a ocupar a primeira posição.  Cabe observar, no entanto, que os recursos do CAp – em termos financeiros e de infra-estrutura –, se comparados aos das escolas que ocupam as primeiras posições, revelam-se bastante modestos. Portanto, não se pode dizer que “concorremos” em condições de igualdade.

Olhar Virtual: Que aspectos do ensino do CAp podem ser considerados responsáveis por essa boa colocação? Existe algum item que seja um diferencial do ensino da escola em relação às demais? 

O primeiro diferencial do CAp é o fato de ter sido criado para constituir o principal campo de estágio das licenciaturas da UFRJ, função que exige dos professores do colégio uma busca permanente por atualização e qualificação. Além disso, o corpo docente do CAp é composto, em sua maioria absoluta, por professores com Pós-graduação (mais de 50% mestres ou doutores) trabalhando em regime de Dedicação Exclusiva, o que garante a possibilidade de desenvolver, além das atividades regulares em sala de aula, projetos de Pesquisa e Extensão. Outro diferencial que deve ser mencionado é que os alunos do CAp têm acesso, na grade curricular, ao ensino de disciplinas que muitas escolas particulares aboliram, por questões pecuniárias: duas línguas estrangeiras (obrigatórias para os alunos do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental), várias linguagens artísticas – Artes visuais, Música e Artes Cênicas - e Desenho Geométrico.

Olhar Virtual: Embora seja um colégio público e disponha de um sistema de seleção pautado em sorteio, o aluno do CAp, em geral, tem perfil de classe média. Esse é um fator que poderia explicar o bom desempenho dos discentes do colégio mesmo quando comparados a alunos de escolas particulares?

Não se pode afirmar isso, mesmo porque, após a mudança no sistema de acesso, o corpo discente tem sido formado por um público cada vez mais heterogêneo. Ao contrário do que ocorria antes do sorteio, quando a maioria dos alunos era oriunda da classe média e vivia na zona sul, atualmente, uma parcela significativa dos alunos vem da zona norte da cidade, e alguns vêm de outros municípios, como Duque de Caxias e Nova Iguaçu. Muitas dessas crianças vêm das classes mais empobrecidas, tendo inclusive, em alguns casos, dificuldade para adquirir o material escolar. Além disso, o empobrecimento da classe média tem dificultado muito seu acesso a bens artísticos e culturais, o que diminuiu as referências que os alunos trazem para a escola. 

Olhar Virtual: Apesar da excelência no ensino, o CAp é um colégio que sobrevive com recursos federais. Quais as principais dificuldades enfrentadas pelo colégio? E, nesse sentido, que desafios se apresentam no horizonte da escola?

Talvez a maior dificuldade enfrentada pelo CAp atualmente seja a limitação de seu espaço físico, que tem interferido, cada vez mais, nas atividades acadêmicas do colégio. A despeito de todo o investimento realizado pela Reitoria nos últimos três anos, que melhorou sensivelmente as condições físicas das instalações ocupadas pelo colégio, estas não são mais suficientes para abrigar a atual estrutura pedagógica do CAp.

Olhar Virtual: Como a UFRJ e o CAp se articulam? Os professores da universidade atuam junto ao colégio, seja definindo conteúdos programáticos ou orientando didaticamente alunos e professores?

Os conteúdos programáticos e todo o restante do planejamento acadêmico do Ensino Básico são definidos pelo corpo docente do CAp, que também orienta parte das atividades envolvendo os licenciandos. Os professores das Práticas de Ensino atuam, diretamente, apenas com os alunos do Ensino Superior.

Olhar Virtual: O índice de aprovação de alunos do CAp nos diversos vestibulares do estado é alto. Nesse momento, marcado por intensas discussões acerca da validade do Vestibular, entendido por muitos como uma mera chancela da desigualdade social brasileira, como o senhor encara esse concurso? O ENEM deve substituí-lo?

Substituir, pura e simplesmente, os vestibulares pelo ENEM não traria, a meu ver, diferenças significativas no que diz respeito à democratização do acesso ao Ensino Superior público. Os dois tipos de exame constituem avaliações pontuais, embora ambas possuam modelos distintos, acabam se equivalendo ao estabelecer uma escala de notas que classifica os alunos. Ao utilizar esta classificação como critério de acesso aos cursos superiores, o ENEM não estaria oferecendo possibilidades muito diferentes daquelas oferecidas pelos vestibulares. Acredito firmemente que o único caminho para reduzir a desigualdade de condições de acesso ao Ensino Superior é o investimento maciço na Educação Básica pública e na formação de professores, bem como na remuneração digna dos profissionais da Educação no estímulo permanente à sua qualificação.