De Olho na Mídia

O preço das especulações

Raquel Gonzalez

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O Brasil está sensibilizado com a morte da menina Isabella de Oliveira Nardoni, arremessada do apartamento do pai, Alexandre Nardoni, e da madrasta, Anna Carolina Jatobá, na noite de 29 de março. O casal é suspeito do crime nas investigações policiais, porém já está sendo tratado, por alguns veículos de Comunicação, como culpado, mesmo antes da apuração das provas.

O caso de Isabella causou comoção nacional: os brasileiros cobram por informações e respostas urgentes, e os veículos midiáticos, muitas vezes interessados em atrair a atenção do leitor e espectador, vendem especulações como verdadeiras. Já houve, contudo, casos semelhantes e com desfechos ainda mais lamentáveis.

Foi o que aconteceu com Daniele Toledo, de 21 anos, acusada de matar a filha de 1 ano e 3 meses, em novembro de 2006. A polícia encontrou pó branco na mamadeira da criança e, inicialmente, julgou ser cocaína. Após esta acusação e a condenação por toda a mídia, sem nenhuma prova, Daniele ficou presa por 37 dias e era espancada diariamente pelas companheiras de cela. Após laudo definitivo do Instituto de Criminalista, ela foi liberada, já que se constatou que o pó branco era remédio amassado, medida recomendada pelo médico à mãe.

Nelson Massini, professor da área de Direito Criminal da Faculdade de Direito (FD/UFRJ), repreende a veiculação irresponsável de informações, mas salientou a importância dos veículos midiáticos e do acesso à informação: “Defendo sempre o sagrado direito à informação e à imprensa livre, no entanto, é preciso ter em mente o poder da mídia de formar opinião, de repassar informações supostas e de atingir um público sem o devido preparo emocional para determinados assuntos”.

O professor ressaltou a influência da mídia sobre a opinião pública. Para ele, essa influência pode ser negativa ou positiva e vai depender da forma como os fatos são transmitidos e da verdade contida na informação.

Ele destaca que, quando existem crimes desse tipo, relacionados a paixões e a mistérios, há uma corrida por parte da imprensa por informações privilegiadas. Esse anseio por novos dados e os fatos publicados não prejudicam as investigações, desde que a polícia seja eficiente e centrada na verdade científica. Para o professor, no entanto, no Brasil, a ineficiência da polícia somada ao despreparo de alguns jornalistas, que publicam as informações sem apurá-las anteriormente, produzem “um caldo do próprio erro, da saturação, da especulação, das vaidades”.

Para evitar as especulações e a produção de inverdades, muitas vezes, recorre-se ao segredo de justiça. Essa alternativa, porém, pode ser encarada como um cerceamento ao direito da sociedade de fiscalizar o andamento dos casos policiais. Massini explica que “o segredo de justiça não impede a fiscalização da sociedade, mas facilita o trabalho pericial e investigativo, na medida em que restringe as informações processuais apenas às partes interessadas e diretamente envolvidas no caso. Estas continuam a ter livre acesso aos dados, mas não podem torná-los públicos”.

Ainda no âmbito dos conceitos jurídicos que envolvem os casos criminais, o professor diferencia prisão temporária, que foi decretada ao pai e à madrasta de Isabella, e prisão preventiva: “Durante a investigação e até para que ela ocorra sem qualquer influência, pode ser pedida a detenção temporária do investigado. Formalizado o indiciamento e com a conclusão de que aquele investigado foi o responsável pelo delito, é expedida a prisão preventiva, para evitar que, antes da condenação final, ele fuja ou se ausente dos atos processuais”.

Massini conclui constatando que um dos preços das especulações midiáticas é gerar na população uma opinião condenatória que nem sempre corresponde à verdade. No caso específico de Isabella Nardoni, declara que a população captou pelas imagens e informações repassadas a presença do silêncio do culpado e a falta de indignação de um inocente no casal, o que ocasionou a acusação precoce, que pôde ser verificada na chegada do pai e da madrasta à delegacia, recebidos aos gritos de “assassinos”, antes mesmo da apuração final dos fatos.