Ponto de Vista

Cultura, a “transnacional do bem”

Rodrigo Ricardo, Jornal da UFRJ

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A paz e o consenso entre as nações têm um aliado de peso: cultura. “Ela estreita relações”, pontua o embaixador Edgard Telles Ribeiro, autor de Diplomacia cultural, um instrumento a serviço da política externa brasileira. De 1979, a obra aborda o papel da cultura em um tripé que envolve política, comércio e cooperação técnica.

Defensor de longa data do poder cultural para diluir beligerâncias ou ampliar negócios, o embaixador atua há quatro décadas no Itamaraty. Atualmente, o diplomata representa o Brasil nas seguintes nações asiáticas: Tailândia, Laos, Camboja e Myanmar.

De passagem por terras brasileiras para lançar Um livro em fuga (Editora Record), o também romancista, Edgar Telles, conversou com o Olhar Virtual, minutos antes de palestrar no salão Dourado do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ para uma jovem e atenta platéia.

Olhar Virtual: Como o senhor classificaria cultura?

Há um enorme leque de definições. Segundo o Aurélio, um complexo de comportamentos, crenças e valores espirituais e materiais de uma civilização. Já para o escritor inglês T. S. Elliot seria “tudo aquilo que faz a vida valer a pena de ser vivida”. Temos tanto visões poéticas quanto concepções mais antropológicas para a cultura.

Olhar Virtual: De que maneira a cultura aproxima pessoas e países?

Ela é, antes de tudo, algo que enriquece e fertiliza o espaço social em que nos movemos. Mesmo que não tenhamos consciência, transitamos nesse espaço olhando a cultura do outro com curiosidade. Ela acaba por ser um canal de abertura para diferentes povos. Há uma vinculação muito grande entre cultura e arte, uma das expressões mais visíveis da cultura e que irriga as relações internacionais. Pode-se dizer que a cultura é uma espécie de transnacional do bem.

Olhar Virtual: Os chamados choques culturais podem provocar guerras?

Prefiro pensar em diferenças culturais a choque de civilizações. As diferenças existem e elas podem levar a grandes desentendimentos. É de origem cultural o ataque às torres gêmeas, em 2001, em Nova York, Estados Unidos,que nasce do desconhecimento de longas décadas de uma parte em relação à outra. Essa ignorância gera e alimenta as crises e a religião acaba sendo a face mais visível desses desencontros e conflitos.

Olhar Virtual: Em prol da paz, quais foram os exemplos das contribuições da cultura?

Na América Latina, após a Guerra das Malvinas (1982: conflito entre Argentina e Inglaterra), havia um enorme sentimento antibritânico. Então se organiza, na Venezuela, a exposição do escultor Henry Moore. Dias depois, os próprios ingleses relatam o sucesso da iniciativa. O evento não acabou com toda a antipatia, mas quebrou aquele gelo e mostrou um lado mais humano do inglês. Nos anos 1970, também houve uma infernal tensão entre EUA e China, que acabou amenizada com o envio de equipes de pingue-pongue para a América. Recentemente (fevereiro de 2008), houve a apresentação da orquestra filarmônica de Nova York na Coréia do Norte (apontado pelo presidente George W. Bush como integrante do eixo do mal). Estas ações repercutem, causando impacto no inconsciente coletivo e desfazendo tensões.   

Olhar Virtual: Na área econômica, qual é o efeito das ações culturais?

Os investimentos em cultura não costumam ser imediatos, mas abrem caminhos e às vezes nos surpreendem. O ano do Brasil na França (2005), que durou 10 meses, já teve para nós intenso retorno econômico, pois o número de turistas franceses simplesmente duplicou. Sem falar na maior procura por produtos brasileiros e do interesse pela Língua Portuguesa. Na verdade, o comércio vem na esteira da cultura.  A Itália não vende Alfa Romeu, mas os personagens de Fellini, a música de Verdi. Não é o perfume francês que se vende, mas o charme, a sofisticação, a literatura de Flaubert, o cinema de Truffaut. Isso prova que a difusão cultural tem grande poder de influência.

Olhar Virtual: A cultura ainda é pouco valorizada em relação à outras áreas?

Sim. As outras áreas predominam, mas isto vem mudando. A diplomacia cultural, inventada por Napoleão e seus liceus para espalhar a francofonia, é uma ferramenta que ganha cada vez mais destaque e espaço dentro das relações internacionais. Afinal, a política intimida, a economia maltrata e a cultura seduz.

Olhar Virtual: Estereótipos sobre o Brasil podem prejudicar a imagem do país?

Não, se estimularem a curiosidade pelo Brasil e abrirem portas para
curiosidades de outro tipo, que nos permitam então mostrar outras
facetas de nossas realidades.

Olhar Virtual: O cinema estadunidense é um exemplo do poder da cultura?

Com certeza, só que o protecionismo e o forte caráter mercantil acabam por isolá-los culturalmente. Nos Estados Unidos, exibe-se apenas 1% de filmes provenientes da indústria criativa de outros países. Isso empobrece a eles mesmos que se consideram auto-suficientes. O mercado da União Européia, que detém uma forte indústria cinematográfica, também é dominado pelos EUA. Eles fornecem 80% dos filmes consumidos pelos europeus.

Olhar Virtual: O número de cursos em Relações Internacionais vem crescendo no Brasil, em virtude do aumento do comércio exterior. Qual é a sua análise sobre este fato?

É um fato positivo, pois mostra o interesse para uma área que segue em expansão. Portanto, quanto mais gente preparada, melhor para o Brasil. Em relação à qualidade desses cursos não posso opinar, pois não vivo aqui e não os conheço.