Ponto de Vista

A importância de lembrar 1968

Seiji Nomura - AGN/ Praia Vermelha

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1968 foi um ano marcado pela eclosão de revoltas a favor da liberdade e pelas reações agressivas dos governos, em repressão. Sua memória continua a ecoar hoje, viva no coração de quem já sentiu em brasa os grilhões do autoritarismo a prender seus pulsos.

Na Europa, as revoltas estudantis fervilhavam em paralelo à Primavera de Praga, movimento a favor de um socialismo mais humano na Tchecoslováquia, e manifestações em prol das liberdades civis.

Nos Estados Unidos, os movimentos a favor do fim da guerra do Vietnã e em solidariedade com a morte de Martin Luther King Jr. se uniram aos movimentos de liberdade sexual, à causa hippie e ao feminismo.

No Brasil, os protestos da União Nacional dos Estudantes e a Marcha dos 100 mil foram ícones da oposição ao regime ditatorial militar, que decretou o Ato Institucional 5 (AI-5), marca do período mais duro da repressão por parte do governo militar.

Aproveitando os 40 anos de 1968, a UFRJ realiza o seminário “Saúde Mental e 1968”. Organizado pelo Instituto de Psiquiatria (IPUB), o evento acontece na próxima sexta-feira, 16 de maio, das 9h30 às 13h30, no salão Dourado – avenida Pasteur, 250, Praia Vermelha.

Uma das mesas redondas do evento terá como tema Tragédia e drama nos discursos revolucionários de 1968 e a moral da culpa, na qual a professora Marci Dória Passos enfoca teorias e a vida de um dos intelectuais mais proeminentes da época, Louis Althusser, que teve sua importância eclipsada pelo evento trágico que o conduziu a matar sua esposa. O Olhar Virtual conversou com a palestrante, procurando saber mais sobre o seu tema.

Olhar Virtual: Por que ocorreu a idéia do seminário? Qual é a importância de relembrar os eventos de 1968?

O professor João Ferreira aproveitou a comemoração dos 40 anos de maio de 1968, para organizar o evento com outras pessoas que, de alguma forma, foram marcadas pelos acontecimentos ocorridos na data. Eu estava na PUC (Pontifícia Universidade Católica), acompanhando os acontecimentos políticos. Os jovens demandavam mais voz para si e não queriam reproduzir a sociedade autoritária com valores muito rígidos na qual viviam. Os jovens não estavam mais só engolindo valores, mas criando os seus e questionando os já estabelecidos.

Em Paris, foram às ruas. Diversos intelectuais, como Foucault, questionavam o poder e o uso da diferença como excludente. E também tínhamos Louis Althusser, marxista que trouxe contribuições importantes e era um dos ícones desse movimento revolucionário no sentido de transformação social. O caso dele é o principal de que vou tratar.

Olhar Virtual: Você pode falar um pouco mais sobre ele e suas idéias?

Ele tinha idéias significativas, propôs o retorno à Marx, contestando o poder autoritário do partido comunista; questionava o poder estabelecido da sociedade psicanalítica, intencionado retornar a Freud. Para Althusser, é importante retornar ao terço fundador para retomar as idéias mais revolucionárias.

Em Marx, a sociedade não era uma ou só o era na base da força autoritária do poder exercido. Ele começa a mostrar que a sociedade é divida, de modo a gerar conflitos ou lutas de classe. E Freud era importante para o filósofo ao mostrar que o “eu”, baseado na razão iluminista, também não era a verdade absoluta. É uma estrutura dividida. Algumas vezes, ele agia sem muito se dar conta do que o estava conduzindo.

Althusser dá também voz ao psicólogo Lacan – que é banido da instituição oficial – e o acolhe no meio acadêmico. A força de Lacan se manteve vigorosa graças a isso.

A análise era considerada instrumento burguês, mas passou a ser vista como algo quase necessário, como parte de um ideal revolucionário. Alguém mais bem resolvido teria a possibilidade de uma ação política mais convincente. Muitas pessoas passaram a fazer análise como prescrição do partido.

Mas ele perdeu muita influência após assassinar sua esposa. Foi um final trágico que levou a quem o tinha como ícone a contestar sua figura. Ele escreveu um livro sobre o ato de matar a mulher, publicado após sua morte, na qual presta contas à sociedade, já que não o pudera fazer antes porque fora considerado impronunciável. Ele nunca mais conseguiu voltar à vida pública.

Olhar Virtual: Você pode esclarecer sobre o que você trata no evento?

A mesa tem essa força simbólica de não deixar traços daquela época passaram como excesso utópico ou coisa de momento. Se não houver certa força de enfrentamento, acaba-se só reproduzindo os modelos sociais já estabelecidos e não construindo valores e ideais. Minha idéia é de falar que não há sociedade se não falarmos de padrões morais que impõem certas restrições a funções, agressividade, mas também devemos saber nos contrapor a isso. 

Também procuro não deixar que o lugar ocupado por Althusser, nesse tempo, seja perdido pelo seu fim trágico. Ele tenta prestar contas à sociedade em seu livro. Ele não conseguia passar pelo júri porque ele foi considerado impronunciável. Se ele tivesse passado por um julgamento, teria se defendido, seria acusado, ele pagaria sua dívida com a sociedade. Em L'avenir dure longtemps, ele assume a responsabilidade embora explique que não era uma deliberação. Havia algum pacto entre eles, já que a mulher não esboçou reação. A própria importância de suas idéias foi considerada menor perto desse acontecimento. Mas há valores em sua filosofia que precisam ser retomados e não jogados fora como água suja. O que valeu tem que prosseguir e perseverar.

Olhar Virtual: Por que usar Tragédia e drama nos discursos revolucionários de 1968 e a moral da culpa como título da apresentação?

Culpa – o que se deixa de fazer pelas exigências. A comunidade impõe certas regras e você tem que pagar ao descumpri-las. Althusser passa da mera culpa como sentimento autopunitivo para a responsabilidade conseqüente. Em seu processo, o ser humano civilizado cria regras e leis com as quais nós, de certa maneira, precisamos conviver e às quais nos submetemos.

O trágico está ligado à visão mortal de si, a ser incapaz de dominar aquilo que o impele a agir. No momento em que Althusser se dá conta daquilo, ele paga um preço enorme. Embora ele faça algo sem consciência, ele sente responsabilidade subjetiva sobre isso.

O dramático está ligado aos conflitos cotidianos que sofremos. É inevitável que todo ser humano passe perto da loucura, também é inevitável a morte. É comum para o ser humano lidar com essas barreiras com muito sofrimento. 

Olhar Virtual: Nos dias de hoje, há razões em especial para rememorar 1968?

O momento de hoje apresenta risco de perder certos ideais, tudo se torna meio descartável. Temos que resgatar um lado de renovação, mas também é preciso resgatar valores, utopias, ideais. Vivemos um tempo de quedas - do muro, perda das utopias, fim disso e daquilo –, mas precisamos agora construir.

Temos fatos novos como um operário no poder, mas que também trouxeram à tona várias complicações do ser humano. Fidel está morrendo e várias conquistas importantes parecem estar acabando. Devemos retomar o que valeu para tornar isso mais forte. Acho que essa idéia de retomar valores é importante hoje.