Olho no Olho

Qual o destino do neoliberalismo?

Camilla Muniz

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Criado num contexto de recessão econômica, o neoliberalismo surgiu, no final da década de 1970, como alternativa estratégica para recuperação do capitalismo. Depois de atravessar, desde os anos 40, um longo período de crescimento e expansão industrial sob o forte controle do Estado na economia, o mundo deparou-se com a crise do petróleo e sentiu seus efeitos, o que provocou uma mudança de rumos que permitissem a retomada do desenvolvimento. Assim, o neoliberalismo tornou-se hegemônico, caracterizando-se pela auto-regulação dos mercados.

Entretanto, o modelo vem sendo descreditado nas últimas semanas. Com a crise vivida pelos Estados Unidos, a intervenção do governo Bush nas questões financeiras está suscitando dúvidas sobre a validade e a eficiência das práticas neoliberais, sobretudo em momentos de retração econômica. Diante deste panorama, alguns especialistas chegaram a declarar que a situação atual é o marco do fim do neoliberalismo.

Para discutir o assunto e entender quais serão os possíveis rumos do neoliberalismo, o Olhar Virtual conversou com Antônio Licha, professor do Instituto de Economia (IE), e Valter Duarte, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS).

 

Antônio Licha
Professor do Instituto de Economia da UFRJ

Se o termo neoliberalismo se refere à desregulação de mercados e à pouca intervenção do Estado na economia, sem dúvida os próximos anos serão menos neoliberais. Em especial, se as conseqüências econômicas desta crise são elevadas, os mercados financeiros serão mais regulados e o governo vai intervir mais neles.

Existem “ondas” ideológicas relativas à relação mercado e estado. No final dos anos 70 e começo dos 80, as idéias neoliberais começaram a dominar o debate devido à expansão dos mercados financeiros que solicitavam remover as “amarras” para se desenvolver. Na medida em que a liberalização não é mais funcional — por causa da crise financeira —, idéias estatizantes começam a ocupar o debate econômico: agora o Estado deve salvar os bancos!

Na área do comércio internacional de mercadorias sempre houve algum grau de intervenção estatal e de protecionismo. Entretanto, na área financeira, os países desenvolvidos liberalizaram seus mercados a partir dos anos 70. Essa desregulação é uma das causas da crise atual.

O estado cumpre vários papéis nos processos de desenvolvimento econômico, supervisionando, regulando e produzindo em setores onde as empresas privadas não o fazem — como em alguns setores de infra-estrutura. Esses papéis variam de país para país e dependem do momento histórico de que se trata.

Os próximos anos serão mais intervencionistas, como foi o período que vai da década dos 30 até a década dos 70. Nesse período, as idéias neoliberais tiveram pouca força política. Mas ao longo dos 60 foram ganhando força e se tornaram hegemônicas a partir dos 80 (como tinham sido até 1930). Desta forma, o pêndulo ideológico se agita numa direção ou outra. A meu ver, isso está associado a necessidades históricas diferentes do capitalismo, em especial do financeiro.

 

Valter Duarte
Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ

Não acredito que se possa falar em sistema neoliberal. Penso que com neoliberalismo nos referimos ao renascimento de um ideal e da sua influência. Em resumo, seria o ideal de minimização do papel interventor dos governos nas sociedades, em especial, nas atividades em que se deve ter iniciativa financeira, iniciativa monetária. Assim, não cabe dizer que esse ideal acabou e sim que sua influência diminuiu consideravelmente.

Os problemas sociais que podem levar à perda dessa influência são, em geral, os que dependem de iniciativas financeiras, como produção de empregos e produção de bens. Se diminuírem a ponto de agravarem o desemprego, provocarem inflação e diminuírem o consumo, acarretarão intervenções governamentais, o que menos querem os liberais, possam ou não ser chamados de neoliberais.

A não-intervenção governamental diante de um colapso das atividades financeiras só levaria ao agravamento. Diante desse caso, não se conhece nada que não venha de iniciativas governamentais para que o capitalismo volte a recuperar seus níveis de funcionamento que não sejam considerados críticos. É um dos papéis próprios dos governos esse de intervir nessas atividades.

O neoliberalismo, como ideal, leva a um pluralismo anárquico das atividades financeiras sem qualquer preocupação social, porque é portador da crença de que essa liberdade anárquica teria resultados sociais ótimos, mesmo os não planejados.

A queda da influência neoliberal não diz respeito à democracia e não tem relação necessária com a diminuição das desigualdades; apenas com a volta de maior responsabilidade governamental nas questões financeiras, na ordem financeira, e, por isso, nas questões sociais geradas ou agravadas pela crise à qual a forte influência do neoliberalismo levou.