Olho no Olho

Dengue: uma questão de educação

Camilla Muniz e Lorena Ferraz

“A julgar pelas tendências e providências que até o momento foram tomadas, associadas às trocas de governo, quer no âmbito federal, quer no estadual, não seria pessimista, mas sim REALISTA, acreditar que a próxima epidemia já tem data marcada!” O trecho, extraído do livro Dengue: a próxima epidemia já tem data marcada!, de autoria de Edimilson Migowski, chefe do Serviço de Infectologia Pediátrica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG/UFRJ), é um alerta para a população, o governo e os profissionais envolvidos no combate à dengue não relaxarem diante da redução dos casos da doença em 2009.

Segundo o Ministério da Saúde, foram notificados 42,9 mil casos, nas seis primeiras semanas de 2009, contra 72,2 mil em 2008; 2,29 mil casos em janeiro de 2009, contra 22,3 mil em 2008. Os dados do ministério revelam que houve, de fato, queda nos casos de dengue no Rio de Janeiro. Esses números, no entanto, devem ser interpretados com muita cautela, pois constatam uma redução dos casos notificados, e não a erradicação da doença. A capital fluminense registrou, neste ano, o maior número de ocorrências de dengue, com 783 doentes, e tem duas suspeitas de óbito sendo investigadas pelo Ministério da Saúde.

Daí a importância dos estudos relacionados ao combate do Aedes Aegypti, à prevenção através da informação e da educação e ao tratamento da doença realizados por três conceituados especialistas da UFRJ: Maulori Cabral, Migowski e Roberto Medronho, conhecidos como “Os Três Mosquiteiros”. A fim de suscitar uma postura reflexiva diante das principais questões que envolvem a dengue, o Olhar Virtual conversou com Maulori Cabral, professor do departamento de Virologia do Instituto de Microbiologia da UFRJ, e Roberto Medronho, professor do departamento de Medicina Preventiva da UFRJ.

Maulori Cabral
Professor do Departamento de Virologia do Instituto de Microbiologia da UFRJ

Estamos vivendo um período pós-surto. É natural o decréscimo do número de casos da doença nesta época, devido ao estado de imunidade deixado na população que foi infectada. Porém, o risco de contaminação pelo vírus não desapareceu, pois temos a dengue como doença endêmica. A manutenção dessa virose no ambiente urbano se deve à falta de cidadania por parte da população, pois dengue é um problema de cunho essencialmente educacional. Continuando a presença do Aedes Aegypti como “animal de estimação” em muitas residências, as chances para a introdução do vírus do tipo 4 em nosso Estado aumentam.

O grande número de comunidades carentes no Rio de Janeiro — regiões onde não há saneamento básico, água potável e onde as habitações têm infraestrutura de péssima qualidade — favorece os surtos da doença. No entanto, o principal motivo é falta de noção de civilidade por parte da população. Povo educado é povo sem dengue.

Em vista da larga experiência adquirida nas epidemias e surtos anteriores, hospitais, postos de saúde e profissionais da área médica estão mais bem preparados para o caso de nova epidemia. A questão é que a necessidade hospitalar só se faz necessária quando as medidas preventivas falham. Ou seja, os surtos de dengue são, na verdade, expressão das falhas no sistema preventivo. É melhor gastar verba pública na prevenção do que no tratamento, pois este é muito mais caro e, geralmente, não evita os casos de morte.

Segundo balanço anunciado pela Secretaria de Saúde da Bahia, foram registrados 26.597 casos e 28 mortes causadas pela dengue este ano. Em comum com a situação enfrentada no Rio de Janeiro em 2008, o estado nordestino tem uma constelação de fatores que propiciam a ocorrência dos casos de dengue: os imagos de mosquitos contaminados, pessoas suscetíveis e a falta de noção de cidadania por parte da população.

No que diz respeito à eliminação dos focos de reprodução do Aedes, os pesquisadores da UFRJ desenvolveram a mosquitérica ou mosquitoeira, armadilha letal para os mosquitos que está sendo disseminada pelo território nacional, principalmente através de atividades iniciadas nas escolas. O próprio site do Ministério da Saúde diz reconhecer que as medidas adotadas até então (fumacê e colocação de larvicidas nas casas) não surtiram efeito nos últimos 20 anos e aponta que o caminho para a solução envolve educação e a participação de toda a população. Esta última sempre foi a tônica adotada pela equipe do Fuzuê da Dengue da UFRJ.

O Fuzuê da Dengue é fruto de uma parceria feita entre a UFRJ, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Universidade Federal Fluminense (UFF) que tem como objetivo conscientizar a população para a mudança de atitude destinada ao combate à dengue e a outras doenças de caráter infeccioso. O Fuzuê consiste em: palestra – “Dengue: mitos e verdades” (45 min.); filme O mundo macro e micro do Aedes Aegypti (15 min.); debate com o diretor e produtor do filme , Genilton José Vieira, da Fiocruz (20 min.); show dos “Mosquitos adestrados – Uma maneira lúdica para identificar larvas de A. Aegypti” (10 min.); intervalo; apresentação da história em quadrinhos Os mosquitos e a necessidade de participação integrada da comunidade para eliminá-los (20 min.); apresentação das vantagens de utilização de uma Mosquitoeira (patente UFRJ) como armadilha letal para mosquitos (20 min.); dança – Diversão para todas as idades: O Xote do Aedes, com letra e música especialmente produzidas para o Fuzuê (10 min.); teatro de fantoche para crianças: Kiko e Adriana Galileu na luta contra a dengue (20 min.); atividade lúdica destinada ao público infantil pela utilização de jogos que enaltecem os conceitos sobre a dengue e as ações de cidadania (30 min.) e culto à cidadania, com o tema "Faça seu vizinho feliz. Tome providências para que ele não pegue dengue – Aprenda como utilizar garrafa pet para confeccionar uma mosquitoeira genérica e usá-la, como armadilha, para eliminar os mosquitos da vizinhança” (30 min.).

Devido à postura combativa frente à dengue, os professores Medronho, Migowski e eu ficamos conhecidos como “Os Três Mosquiteiros” da UFRJ. Defino essa parceria como exemplo de uma associação profícua envolvendo as equipes por nós representadas, que, juntas, formam o alicerce das atividades vigentes na UFRJ em prol do combate à dengue e do bem-estar da população. Desta maneira, mostramos o papel social da universidade. É uma das formas adotada para retribuir à população o investimento público alocado na UFRJ.

Roberto Medronho
Chefe do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da UFRJ

Combater a dengue num país de dimensões continentais como o Brasil é uma tarefa extremamente complexa, ainda mais quando se tem grandes regiões metropolitanas com urbanização desordenada, falta ou ineficiência de abastecimento de água e coleta de lixo irregular. Esses diversos macrofatores atuam favoravelmente na ocorrência da doença, já que a dengue tem como vetor o mosquito Aedes aegypti, que se prolifera de forma bastante intensa em tais condições ambientais, associadas aos períodos de chuva seguidos por períodos de temperaturas elevadas, típicos de nosso clima tropical.

O grande problema é que, a esses fatores externos socioambientais, soma-se uma política de controle da proliferação do Aedes aegypti muito ineficiente. Com isso, as epidemias se sucedem e cada vez mais graves, deixando um número maior de vítimas fatais e agora migrando para a infância, porque as crianças estão apresentando maior risco de adoecer do que nas últimas epidemias. As políticas de combate ao vetor da dengue são, na maioria dos municípios brasileiros, pouco eficazes porque não envolvem a comunidade, e a capacitação dos agentes de saúde (que estão em número aquém do necessário) é inadequada, o que gera diversos problemas no processo de visitação domiciliar. Assim, todos os procedimentos recomendados para o efetivo controle do mosquito caem por terra, uma vez que nós não temos os recursos humanos e operacionais adequados.

Além disso, há ainda o problema da violência urbana em diversos locais. No Rio de Janeiro, por exemplo, o índice de pendência — número de casas que não puderam ser visitadas pelos agentes de saúde — gira em torno de 40%. Todos esses fatores contribuem para o insucesso do controle do Aedes aegypti, provocando, infelizmente, processos epidêmicos em várias cidades do país a cada verão.

A prioridade de investimento no combate ao vetor da dengue é fazer com que os órgãos públicos pensem políticas saudáveis, como políticas de urbanização que levem em conta moradias e bairros saudáveis, por exemplo. Hoje, casas e conjuntos de apartamentos não devem ser construídos de forma a privilegiar locais de criação do Aedes aegypti. Por outro lado, é preciso ressaltar que lugares como praças abandonadas, cemitérios e borracharias não inspecionados, chafarizes inoperantes e construções de edifícios não fiscalizadas com frequência são, mais do que os domicílios, os grandes criadouros do mosquito da dengue. Por isso, os órgãos públicos precisam cumprir sua função e vistoriar regularmente os espaços públicos para torná-los zonas livres do Aedes aegypti.

Além disso, é essencial investir em educação. Uma grande mobilização social é indispensável para conscientizar a população acerca da necessidade de cuidar, literalmente, do seu próprio quintal. A aliança entre setor público e o povo é o grande fator contra a dengue. Enquanto subestimarmos o poder transformador das pessoas e o poder público não cumprir seu papel, teremos sucessivas epidemias no Brasil, cada vez mais graves e intensas.

A pior epidemia de dengue no Rio de Janeiro, em termos de número, aconteceu em 2002. Entretanto, a mais grave ocorreu em 2007 e 2008, causando 250 óbitos já confirmados (outros 50 ainda estão sendo investigados). Com isso, houve um grande alerta na sociedade e na mídia, que começou a falar da doença antes de o processo epidêmico se instalar. Consequentemente, o cidadão passou a se preocupar mais com possíveis criadouros do mosquito em sua própria casa e a cobrar mais dos órgãos públicos. No entanto, temo que essa preocupação não seja permanente, porque a epidemia explode de tempos em tempos. Como não teremos processos epidêmicos durante os próximos quatro ou cinco anos no Rio de Janeiro, receio que a população se descuide e a doença volte de forma mais intensa. Precisamos incorporar no dia a dia, regularmente, hábitos de vigilância e educação sanitária de tal sorte que não haja focos do mosquito nos domicílios e que a população cobre dos governos atitudes mais enérgicas em relação ao combate ao Aedes aegypti em locais públicos. Se não estivermos unidos, esse mosquito, bem menor do que nós, continuará conseguindo nos vencer nesta batalha, como ele vem fazendo até agora.

Iniciativas como o “Dia D contra a Dengue” são importantes para conscientizar e mobilizar a população, mas um dia só não basta. O combate à dengue deve ser feito todos os dias. Gestos como cobrir caixas d’água e emborcar garrafas precisam estar incorporados no cotidiano das pessoas. Se todos agissem dessa maneira, nem haveria necessidade da visitação de agentes de saúde aos domicílios.

Tanto no Rio de Janeiro como na Bahia, que apresentou aumento significativo do número de casos de dengue este ano, há carência de políticas públicas de saúde de combate à doença. No nosso estado, não estamos tendo epidemia porque o número foi tão grande em 2008 que as pessoas estão imunizadas pelo tipo 2 do vírus. Só adoecemos por causa de um mesmo sorotipo uma única vez. Porém, se um novo sorotipo começar a circular, haverá nova epidemia. Felizmente, o Rio de Janeiro não vive um processo epidêmico atualmente, mas, infelizmente, não é pelo combate ao Aedes aegypti.

A política de prevenção à dengue precisa ser revista e discutida, porque, da forma como está elaborada, não apresenta resultados positivos. Toda vez que há a possibilidade de ocorrer uma epidemia, ela ocorre. Se o objetivo da política é evitar a epidemia, algo está errado. É preciso haver um grande debate na sociedade, inclusive com especialistas. Nesse sentido, o papel da universidade é central — através dos pesquisadores — para redefinir a política de combate à dengue no nosso país, porque, atualmente, ela está falida.