Ponto de Vista

Criação de Universidade Virtual pela ONU desperta polêmica sobre ensino a distância



Isabela Pimentel


A Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou, no dia 19 de maio, a criação da University of the People (Universidade dos Povos), considerada a primeira universidade on-line gratuita com atuação em nível global. Fundada por Shai Reshef, a instituição tem como objetivo estimular o acesso de jovens das regiões menos desenvolvidas a cursos de Graduação, a fim de reduzir as desigualdades nos níveis educacionais entre as nações. A iniciativa, que tem pretensões de atingir os cantos mais remotos do mapa-múndi, se insere no quadro das ações desenvolvidas pela Aliança Global da ONU sobre Tecnologia de Comunicação e Desenvolvimento.

Para ingressar na instituição, os alunos devem pagar uma taxa entre US$ 15 e US$ 50, e outra entre US$ 10 e US$ 100 por cada teste. A universidade oferece, até o momento, apenas os cursos de Administração de Empresas e Ciências da Computação, e ainda não é uma instituição creditada pelas agências e autoridades, o que a impossibilita de aceitar a transferência de créditos de disciplinas já cursadas pelos alunos anteriormente.

As condições mínimas de acesso exigidas são: chance de utilização de computador conectado à rede, diploma de ensino médio e noções da língua inglesa. A proposta é que haja classes virtuais com vinte pessoas, nas quais os alunos discutirão semanalmente o material de estudos para depois realizarem testes on-line.

Tais possibilidades oferecidas pela revolução tecnológica têm suscitado debates em todo o mundo sobre a eficácia e validade do ensino não presencial, como é o caso da educação a distância (EAD) via internet. Para compreender os impactos que a criação de polos de ensino “virtuais” como a Universidade dos Povos trará para o futuro da educação no Brasil e no mundo, o Olhar Virtual conversou com Ana Maria Monteiro, diretora da Faculdade de Educação da UFRJ.

Olhar Virtual: Como garantir a qualidade dos cursos nesta universidade virtual, por exemplo?

É muito importante que haja momentos presenciais, seminários, discussões, corpo a corpo do professor com o grupo. Em uma aula há essa troca... Por mais que a videoconferência possa possibilitar que várias pessoas se vejam e se comuniquem, há o momento da discussão presencial que é muito importante para a construção do conhecimento.

Creio na necessidade de se ter momentos presenciais e de estar junto, não só com os alunos, mas os próprios tutores que estão ali acompanhando o trabalho proposto.

Vejo essa notícia como a possibilidade de ampliação da oferta da educação superior a um maior número de jovens, principalmente em áreas de países em desenvolvimento que não têm instituições com número de vagas suficiente para atender às demandas. Mas, também tenho muita preocupação e acho que a gente não deve cair no entusiasmo ingênuo em relação às possibilidades das novas tecnologias.

Olhar Virtual: Como realizar o controle eficaz do ensino nestas condições?

É certo que com o uso da internet e a interatividade entre professores e alunos através das várias mídias e canais temos condições de fazer um trabalho a distância muito mais eficaz e eficiente do que se fazia antes, mas é preciso que isso seja feito com muito critério e cuidado, porque deve, efetivamente, haver controle e uma equipe de apoio que criem condições para que os estudantes tenham acesso aos microcomputadores, às ferramentas disponíveis e que saibam usar tais equipamentos.

Olhar Virtual: Quais as formas de manter a qualidade dos cursos no ensino não presencial?

O controle da qualidade dos cursos deve passar pelos processos de avaliação e os organizadores devem pensar em uma equipe de supervisão que viaje às áreas, mesmo sendo em outros países, onde deve haver polos de formação. São fundamentais a supervisão e a avaliação não apenas do aluno, mas do processo de implementação do trabalho.

Olhar Virtual: A senhora pode citar algum exemplo?

A Faculdade de Educação está desenvolvendo no Estado do Rio o projeto Escola de Gestores, que é para diretores e vice-diretores de escolas públicas, municipais e estaduais, e que focaliza escolas que têm baixo rendimento. O curso é semipresencial, é a distância, mas há reuniões de polo em que os professores se encontram. Está sendo, para nós, uma experiência muito interessante, mas veja bem: ele não é um curso superior, é um curso de formação continuada, uma especialização lato sensu; então, é para quem já possui uma formação e vai fazer especialização. A duração é de um ano e meio.

Olhar virtual: Quais as fragilidades deste sistema?

O que me preocupa são os cursos que precisam do momento do estágio, o que tem sido até hoje o grande calcanhar de Aquiles, pois exigem a imersão do aluno no ambiente de trabalho, seja em uma escola, um escritório de advocacia, hospital... Então, como organizar um estágio? Não há como fazer um estágio virtual. E como fazer uma supervisão a distância? Vai haver um momento em que os supervisores terão que ir às regiões e um tempo de estágio, que é a hora da troca, do retorno – a supervisão e discussão dos problemas que foram enfrentados.

Outra questão que vejo aí é o reconhecimento do diploma que será dado por essa instituição. Isso vai ser uma questão mais à frente, pensar em como os currículos dos vários cursos da Universidade dos Povos vão ser reconhecidos aqui no Brasil e em outros países.