De Olho na Mídia

Fazedores de vela

Taysa Coelho


No texto "A Petição dos Fazedores de Vela", do francês Fredéric Bastiat, datado de meados do século XIX, fabricantes de vela criam uma petição fictícia pedindo auxílio aos deputados franceses. No documento, os artesãos justificam o pedido pela necessidade de concorrer contra um competidor estrangeiro que oferecia luz a custo zero: o Sol. A solução dada pelos fazedores de velas seria obrigar as pessoas a vedar as janelas com tábuas, para fazer a indústria crescer e desenvolver o país.

Assim como no conto de Bastiat, os grandes proprietários de veículos de comunicação, no Brasil e no mundo, se uniram contra um poderoso difusor de informações em escala global: a internet. No dia 26 de junho, editoras associadas à Associação Mundial de Jornais (ANJ), ao Conselho Europeu de Editores e à Associação Mundial de Jornais e Editoras de Notícias (WAN, em inglês) assinaram a "Declaração de Hamburgo", em convenção realizada em Berlim, Alemanha. Juntaram-se a essas, outras seis assinaturas de empresas de comunicação de Hamburgo, feitas algumas semanas antes, totalizando cerca de 170 signatários. Alegou-se que, apesar de a internet ser uma grande oportunidade para o jornalismo profissional, são necessárias medidas urgentes para a proteção dos direitos autorais, tornando viável, de alguma forma, o equilíbrio econômico-financeiro para as empresas jornalísticas.

Livre acesso não significa acesso livre de custos

Segundo Joaquim Martins, professor da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO), não há nada específico em relação ao direito autoral de textos jornalísticos. Entretanto, a legislação de direito autoral brasileira (Lei 9.610/98) protege qualquer criação literária, artística e científica que seja disponibilizada em um suporte material ou imaterial conhecido ou que se invente no futuro. “A internet é um bem imaterial. A partir do momento em que um texto nela é publicado, ele passa a ter a proteção autoral”, afirma.

A Declaração de Hamburgo também toca no ponto do conteúdo gratuito disponibilizado pelos sites, através do seguinte trecho: "Acesso livre à web não significa, necessariamente, acesso livre de custos". Martins argumenta que esta pode não ser a melhor forma de defender a propriedade dos textos. “Acredito que a cobrança pura e simples não protege a propriedade intelectual, além de não garantir que o conteúdo não se expandirá de forma exponencial e até de maneira aleatória à vontade das editoras e dos autores; assim como não assegura a possibilidade de prejuízo ou lucro. A questão é criar condições de controle, e a cobrança não se enquadra nisto”, opina.

Brasil adere à Declaração

A ação, que teve início em nível local, atingiu um cunho internacional ao atravessar as fronteiras alemãs e continuar arrecadando assinaturas ao redor do mundo.  No último dia 7, a Associação Nacional de Jornais (ANJ), juntamente com os jornais O Globo eFolha de S. Paulo, assinou o documento com outras entidades sul-americanas, durante 65ª edição da Assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que ocorreu em Buenos Aires. Passados alguns dias, o Grupo Estado publicou nota anunciando também ter aderido. A ANJ - que representa 90% dos proprietários de jornais do país – prometeu que estimulará os 145 periódicos associados a se alinharem ao movimento.

As empresas de comunicação ameaçam reduzir o seu quadro funcional no caso de uma possível perda de receita advinda da distribuição de conteúdo gratuito. Segundo os proprietários de empresas de comunicação, isso poderia resultar em redações mais vulneráveis a usar conteúdos produzidos por empresas e governos sem a devida apuração. Deste modo, alegam, poriam-se em risco a liberdade e a independência da imprensa.

Joaquim Martins discorda. “Este é um argumento pífio das empresas de comunicação, porque sempre há necessidade de jornalistas. Esses profissionais são praticamente massacrados para trabalhar muito mais, já que as próprias empresas, para reduzir custos, em vez de procurarem outras formas de cortes, atacam no pessoal. A matéria escrita para os jornais impressos ou produzida para rádio ou televisão, muitas vezes, é disponibilizada na internet e a empresa não paga nada a mais para o funcionário, nenhuma mais-valia”, argumenta.

Google News: o grande vilão

Antes procurado para a divulgação de endereços eletrônicos, o site de buscas Google agora virou o vilão da história. A ferramenta de busca Google News – em que a pesquisa é feita entre matérias disponibilizadas na rede - é a mais atacada, com alegações de que a empresa norte-americana lucra com os acessos, sem investir na produção de conteúdo. Os empresários da mídia também afirmam que determinados conteúdos bloqueados para não-assinantes podem ser acessados por qualquer um quando se entra por um link da ferramenta.

Em resposta à Declaração de Hamburgo, o porta-voz do Google alega não ser necessário tanto barulho para a retirada de domínios do site. Segundo nota divulgada na imprensa, para isso, é necessário apenas escrever duas linhas de um código de domínio dos webmasters e os links das publicações serão excluídos de seu sistema de buscas.

“Ninguém está obrigado a publicar nada na internet. A partir do momento em que alguém cria algo em um computador e o envia a outrem, há a possibilidade de que aquilo que foi produzido vá parar na web. A publicação do conteúdo na rede é uma opção, não uma obrigação”, afirma o professor. “Uma das soluções para este problema seria a criação de sistemas de chaveamentos, em que o material disponibilizado na internet não possa ser acessado pelos agregadores, que o mostrariam, mas não dariam acesso a ele”, completa.

Assim como os fabricantes de vela da obra de Bastiat, segundo Martins, o real interesse por parte das editoras e empresas de comunicação é, na realidade, econômico. “O que ocorre neste momento é que estão percebendo que o direito autoral pode envolver um grande montante de dinheiro. É esta a questão – e nem tanto pela utilização em si. Por exemplo, se um livro ou revista é copiado em sua totalidade e colocado na rede, quantas pessoas não deixariam de comprá-lo? Então, a questão que estamos discutindo é eminentemente de direito de propriedade: o que você ganha ou o que você pode deixar de ganhar devido à disponibilização do conteúdo”, conclui.