Ponto de Vista

Brasil pode aumentar exploração de urânio

Igor Costa Gomes


O Brasil possui uma das maiores concentrações de urânio do planeta em seu território. De acordo com dados das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), empresa estatal responsável pela extração e tratamento do metal, as reservas ultrapassam 300 mil toneladas. Porém, desse total, apenas 25% são exploradas. Esse cenário está próximo de ser modificado. Caso o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) autorize, a INB começará a explorar em 2012 a jazida de Santa Quitéria, no Ceará.

O aumento na exploração gerará um excedente de urânio, uma vez que o Brasil só possui duas usinas nucleares de energia em funcionamento. Mas será que a exportação é o melhor destino para ele? E quais seriam os impactos no meio ambiente causados por esse aumento? Para responder a essas e outras perguntas, o Olhar Virtual convidou o professor Aquilino Senra, vice-diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) e professor titular do Programa de Engenharia Nuclear da UFRJ.

Olhar Virtual: A produção atual de urânio é suficiente para as necessidades brasileiras ou essa ampliação vem atender uma demanda externa?

Aquilino Senra: A extração de urânio é suficiente para atender a demanda das usinas nucleares Angra 1 e Angra 2. A mina de Caetité, na Bahia, única de onde se extrai urânio na América Latina, poderá produzir 1.200 toneladas de urânio por ano, a partir de 2017. Mesmo com a garantia de mais de três décadas de produção na mina de Caetité, outra mina está em preparação em Santa Quitéria, no Ceará. Com isso, a produção nacional de urânio poderá ser de 2.800 toneladas de urânio por ano, em 2017. Isso corresponderá a um aumento de 600% em oito anos.

Olhar Virtual: Esse urânio deve ser comercializado sob forma de minério ou enriquecido?

Aquilino Senra: Seria uma burrice exportar o urânio na forma de minério, uma vez que o país possui tecnologia para o seu beneficiamento até a fabricação de elementos combustíveis, que são a forma final de utilização do urânio nos reatores nucleares. Esse beneficiamento, que inclui o enriquecimento de urânio, é uma técnica que foi dominada autonomamente pelo país. É bom destacar que o Brasil, junto com os Estados Unidos e a Rússia, é um dos três países que domina a tecnologia do ciclo do combustível nuclear, tem reserva de urânio e faz uso dessa tecnologia para geração de eletricidade.

Embora vários países já tenham manifestado interesse de comprar urânio do Brasil, até onde eu saiba não há interesse do governo brasileiro, no momento, de comercializar o urânio para o exterior, o que considero uma posição estratégica correta. Se vendermos o metal na forma de minério, é bem possível que ele se esgote e fiquemos com poucos recursos financeiros, que provavelmente seriam usados para garantir o superávit primário.

Olhar Virtual: Como é o método de enriquecimento utilizado no Brasil? Com a tecnologia utilizada atualmente é possível enriquecer essa quantidade?

Aquilino Senra: O país domina a técnica do enriquecimento de urânio pela via das ultracentrifugação desde a década de 1990. Na realidade, a maneira brasileira é a mais moderna e mais eficiente. Permitirá, caso sejam feitos os investimentos necessários, atender a demanda futura de urânio enriquecido para as usinas nucleares em operação e aquelas que ainda serão construídas no país.

O enriquecimento do urânio via ultracentrifugação segue o mesmo princípio das centrífugas domésticas, usadas para preparar alimentos, o que possibilita a separação do material mais pesado, que é lançado para a parede do recipiente, daquele de menor peso, que fica mais concentrado no centro.

Olhar Virtual: O urânio pode ser utilizado para outros fins, além da geração de energia?

Aquilino Senra: Sim, o urânio pode ser utilizado em reatores nucleares para a produção de radioisótopos, os quais podem ser usados em diferentes aplicações da medicina, indústria e agricultura, entre outras. Também pode ser usado para fins bélicos, como no caso da fabricação de bombas nucleares. No entanto, para essa aplicação, o urânio teria que ser enriquecido para taxas altíssimas se comparado à sua composição natural. Por essa razão que seu uso para fins bélicos é limitado, tanto que a maior parte do arsenal de bombas nucleares no mundo utiliza o plutônio.

Olhar Virtual: Que tipo de malefícios à natureza pode ser causado por esse aumento da extração?

Aquilino Senra: A extração do urânio envolve o desmonte e a remoção de grandes quantidades de terra, podendo causar impactos nos mananciais hídricos. No processo de extração do urânio, as vias de contaminação do meio ambiente são a atmosfera e as águas. No entanto, o monitoramento ambiental contínuo garante que os impactos sejam adequadamente controlados dentro dos limites autorizados pelas normas emitidas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que também é responsável pela fiscalização.