Olho no Olho

Planeta Água: os desafios da sustentabilidade

Bruno Franco e Luciana Cortes

Ilustração: Caio Monteiro

Em meio às celebrações pelo Dia Mundial da Água, ocorrido em 22 de março, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou relatório do Programa de Meio Ambiente, intitulado “Água Doente”, abordando as consequências da indisponibilidade de água potável – seja por escassez ou por poluição – em nível mundial. Doenças decorrentes da contaminação de recursos hídricos matam, aproximadamente, 1,8 milhão de crianças com menos de 5 anos. Isso representa a morte de uma criança a cada 20 segundos. O relatório também revela que uma em cada seis pessoas não tem acesso à água potável. Cerca de dois milhões de toneladas de resíduos contaminam mais de dois bilhões de litros de água, em rios e mares. Não à toa, atualmente, mais da metade dos leitos de hospital no planeta é ocupada por pessoas com doenças ligadas à água contaminada. O documento traz outras previsões desalentadoras: até 2025, dois terços da população mundial vão sofrer com a escassez da água.

  Para debater o tema, o Olhar Virtual convidou os professores Isaac Volschan, do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente (DRHIMA) da Escola Politécnica da UFRJ e coordenador do Centro Experimental de Tratamento de Esgoto (Cete-UFRJ), e Ana Lucia Nogueira de Paiva Britto, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-UFRJ). O assunto ganha dimensão ainda maior pelo fato de o Brasil ser reconhecido internacionalmente por apresentar grande reserva de recursos hídricos.  

Isaac Volschan


O custo para resolver o problema do saneamento no Brasil é da ordem de R$ 180 bilhões. Com esse montante seria universalizado o abastecimento de água, do esgotamento sanitário, da drenagem.

“A indisponibilidade de água decorre de uma série de problemas: ambientais, de saúde pública. Caso falte água de qualidade, falamos então de indisponibilidade qualitativa e não quantitativa. Isso é ainda mais grave.

  À medida que a população cresce e o grau de urbanização também, mas sem diminuição dos déficits de habitação e saneamento, o problema da disponibilidade de recursos hídricos tende a piorar. Ainda que, na realidade brasileira, tenhamos uma interiorização do desenvolvimento econômico, isso se faz via urbanização, via crescimento de cidades pequenas e médias, que precisam ser dotadas de estrutura de abastecimento de água e de esgotamento sanitário eficiente. Não sendo dessa forma, os recursos hídricos serão poluídos e será cada vez mais difícil adequar a qualidade da água disponível à qualidade requerida para os diferentes usos, inclusive para o abastecimento público.

  O abastecimento de água da Região Metropolitana do Rio de Janeiro é feito pela Estação de Tratamento de Água do Guandu. Há dois tributários desse rio: o rio dos Poços e o rio Ipiranga, exatamente na cabeceira do Guandu, na tomada de água de captação que serve ao sistema de produção de água do Estado. Esses afluentes drenam parte dos municípios de Nova Iguaçu e Queimados, na qual não há um metro de rede coletora de esgoto. O meio de drenagem desses esgotos é através da calha dos cursos d´água. Isso faz com que, justamente na captação do Guandu, tenhamos enorme aporte de sedimentos, uma área bastante assoreada, sujeita à proliferação de algas, que podem conferir certo grau de toxicidade à água superficial.

  Os dados oficiais, que são questionáveis, mostram que temos de 45 a 50% dos domicílios brasileiros com esgoto coletado. Desses, 30% são tratados. Isso significa que alguma coisa da ordem de 16% dos domicílios brasileiros têm seus esgotos coletados e tratados. Isso não condiz com BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), não condiz com Olimpíada, com crescimento econômico de 6% ao ano, nem com qualquer outra megalomania. Nosso déficit é enorme e vencê-lo dará muito trabalho. Essas obras não são feitas da noite para o dia. E custam caro. Para resolver um problema que é enorme e custa demais, a solução tem de ser construída, elaborada de forma organizada, com uma política de Estado e não meramente de governo.

  O custo para resolver o problema do saneamento no Brasil é da ordem de R$ 180 bilhões. Com esse montante seria universalizado o abastecimento de água, do esgotamento sanitário, da drenagem.

  O governo federal tem agora o Programa Nacional de Saneamento Básico que busca estruturar isso tudo. Acho que os números vão melhorar. Há uma expectativa de investimentos. Há o problema habitacional, de cuja resolução dependemos. Sem resolvê-lo, não se controla a produção de esgoto sanitário. São questões indissociáveis”

Ana Lucia Nogueira de Paiva Britto


A poluição fluvial é bastante difícil de ser controlada, pois os rios ultrapassam fronteiras de municípios e arrastam a sujeira para outras regiões. (...) A parte difícil é fazer com que as regras sejam cumpridas

“A cidade do Rio de Janeiro teve, ao longo dos anos, várias leis e projetos de planejamento urbano. As cidades têm um plano diretor para pautar e regulamentar como deve ser implantada a infraestrutura necessária para seu crescimento. Contudo, o Rio de Janeiro encontra-se muito atrasado nesse aspecto. O último plano diretor foi desenvolvido em 1992 e deveria ter sido renovado em 2002. Logo, temos oito anos de atraso.

A poluição fluvial é bastante difícil de ser controlada, pois os rios ultrapassam fronteiras de municípios e arrastam a sujeira para outras regiões. Por isso, as legislações ambientais e de regulamentação do crescimento urbano da Região Metropolitana do Rio de Janeiro são feitas em conformidade umas com as outras. A parte difícil é fazer com que as regras sejam cumpridas. Fiscalizar é a parte mais complicada, pois a cada dia são abertas novas fábricas ou construídas novas moradias na área marginal aos rios, mesmo sem a permissão do governo.

Muitos lugares não possuem sistema de coleta e tratamento de água e esgoto, pois a região foi habitada sem permissão e, muitas vezes, sem conhecimento da prefeitura. Sendo assim, o processo é muito mais complexo, pois a solução encontrada pela prefeitura, na maioria dos casos, é reassentar essa população, o que causa sérios conflitos sociais.

A maioria dos rios que cortam a cidade deságua na Baía de Guanabara. Para recuperá-la foi planejada a construção de um cinturão de estações de tratamento, para que a baía estivesse despoluída para os Jogos Olímpicos de 2016. Porém, isso não vai ocorrer, pois somente uma estação de tratamento está concluída – a Estação de Tratamento de Esgotos de Alegria. E mesmo se todas estivessem prontas agora, no ano de 2010, seriam necessários 20 anos para a baía ficar totalmente despoluída”