De Olho na Mídia

O ativismo ocidental no caso Sakineh Ashtiani

 

Daniele Belmiro

Ilustração: João Rezende

Dois jornalistas alemães foram presos na cidade de Tabriz, no Irã, no último dia 10, enquanto entrevistavam Sajad Ghaderzadeh, filho de Sakineh Mohammadi Ashtiani. A iraniana foi sentenciada à morte por lapidação, em 2006, por suposto adultério, e recentemente teve sua pena alterada para enforcamento, devido à acusação de cumplicidade no assassinato do marido. Sajad e Houtan Kian, advogado de Sakineh, que estava presente à entrevista, também foram detidos.

Segundo o porta-voz do Poder Judiciário do Irã, Gholam Ejedi, os jornalistas haviam ingressado no país portando visto de turista e não tinham o direito de atuar como repórteres. Um dia após a prisão, a chanceler alemã Angela Merkel e a Associação de Jornalistas Alemães vieram a público exigir a libertação do repórter e do fotógrafo.

Segundo o britânico The Guardian, em dezembro passado, dois diplomatas alemães foram detidos em Teerã pelo que o governo iraniano descreveu como “participação em protesto antigovernamental”. Ainda de acordo com o periódico, desde a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, em 2009, o governo tem reprimido a mídia estrangeira e local: oito jornais foram fechados, mais de cem jornalistas e blogueiros foram presos e, pelo menos, 65 continuam na prisão.

Atuação do jornalista nesse contexto

Segundo o professor Mohammed Elhajji, da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, a cobertura dos eventos relativos à condenação de Sakineh não é uma tarefa simples para os jornalistas que se propõem a realizá-la. De acordo com o docente, o direito de informar deveria ser garantido ao profissional, mas, na prática, não é o que acontece. “Mesmo em contextos formalmente democráticos, nos quais a liberdade de expressão é consolidada na teoria, sempre há jogos de interesses e pressões exercidas, aberta ou veladamente, sobre as atividades dos jornalistas”, diz.

Em termos práticos, o professor aponta o “risco” como inerente à própria atividade jornalística. Portanto, o profissional deve ter consciência desse risco e avaliar em que medida poderia minimizá-lo, de modo a não prejudicar o resultado de sua investigação. Elhajji aponta, ainda, o uso de táticas e estratégias - pela utilização, inclusive, das novas tecnologias - que preservem a integridade do jornalista e otimizem a coleta de informações.

Direitos Humanos e Relativismo Cultural

O caso Sakineh Mohammadi Ashtiani ganhou repercussão internacional. A  campanha pela libertação da condenada recebeu amplo apoio por parte dos governos ocidentais. O site freesakineh.org exibe petição pública, que já conta com 350 mil assinaturas, como apelo às autoridades iranianas pela libertação imediata de Sakineh Ashtiani, bem como pela eliminação do apedrejamento e de outras formas de pena de morte.

Nesse sentido, Elhajji acredita que se deve desconfiar tanto do relativismo cultural quanto do suposto universalismo dos direitos humanos. “Os supostos direitos humanos são calcados numa perspectiva ocidental e individualista do direito e ignora, quase que por completo, o direito dos grupos e das comunidades. Já o relativismo cultural, muitas vezes, esconde atitudes racistas e inegociáveis”, analisa o professor que considera, ainda, o discurso culturalista falho. Para o docente, isto acontece, pois “a opressão da mulher na maior parte do mundo islâmico não pode ser explicada ou justificada em nome da cultura ou da religião, mas, sim, abordada enquanto sistema político de opressão em relação ao outro”.

A pena de morte na imprensa ocidental

De acordo com o site O Globo Online, no dia 21 de setembro, o presidente Mahmoud Ahmadinejad disse publicamente estar havendo uma “campanha midiática contra o Irã”. Segundo Ahmadinejad, ao mesmo tempo em que a imprensa ocidental se mostra indignada contra a execução da iraniana, cala-se sobre Teresa Lewis, americana deficiente mental que seria, então, executada, justamente por ter participado no assassinato de seu marido. O presidente assegurou, ainda, que nos EUA 53 mulheres condenadas aguardavam execução.

Em relação à abordagem da pena de morte que é institucionalizada em alguns estados norte-americanos, pela imprensa no Brasil, Elhajji acredita que “infelizmente não há como não se ter a impressão de que a grande mídia brasileira é pautada pela agenda norte-americana”, e diz que “não se trata de um alinhamento oportunista, interessado ou calculista, mas, sim, muitas vezes, o reflexo pavloviano de uma subintelectualidade colonial”.

O docente acredita que “as sociedades e governos ocidentais se mobilizaram contra o apedrejamento - que certamente é condenável - pelo fato de sua cenografia macabra incomodar a estética moderna, e não por ser um assassinato”. Desse modo, ele levanta a reflexão: “ou será que o fato de a condenação à morte de Sakineh por apedrejamento ser comutada para enforcamento já a torna menos condenável?”. E conclui: “portanto, a mobilização e indignação de nossas sociedades devem ser semelhantes a essa quando se tratar da prática desses assassinatos legais na maior ‘democracia’ do Ocidente, que é a norte-americana”.