Entrelinhas

Falatório: Participação e Democracia na Escola

 

 

Elisa Ferreira e Paula Ferreira

 

 Fruto do esforço de um grupo de pesquisadores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia e ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para Infância e Adolescência Contemporânea (Nipiac-UFRJ) , sob a coordenação da professora Lucia Rabello de Castro, o livro Falatório:Participação e Democracia na Escola aborda a temática da inserção participativa das crianças e dos jovens na sociedade. A fim de saber um pouco mais a respeito do novo livro, o Olhar Virtual entrevistou a professora Lucia Rabello.

Olhar Virtual: Qual o objetivo do livro?

Lúcia de Castro: Este livro trata da participação de crianças e jovens. Hoje, mais do que em outros momentos da história, considera-se relevante a participação deles.  Como parte da sociedade, entende-se que crianças e jovens devam também participar.  No entanto, ainda que muitas mudanças tenham sido realizadas no sentido de reforçar a ideia da participação de crianças e jovens, como, por exemplo, a promulgação de novas leis nas convenções internacionais e nas constituições nacionais dos países, ainda é bastante nebulosa a forma que esses devem participar. Existe, talvez, mais retórica sobre a participação de crianças e jovens do que direções efetivas sobre como elas devam participar e que mudanças nas práticas sociais devam ser feitas de modo a implementar essas direções.  Preocupações a respeito do futuro das democracias, ou da formação do indivíduo politizado e possuidor de valores cívicos têm frequentemente conduzido questionamentos sobre a educação das crianças: o que se tem feito e como, para formar cidadãos não somente concernidos com sua própria sobrevivência, mas interessados e participativos em relação aos problemas coletivos? Essas são perguntas difíceis que necessitam de um trabalho de construção, de novas amarras conceituais e evidências empíricas.  O presente livro está animado por esses desafios. 

Olhar Virtual: Como foi o estudo realizado para elaboração do livro?

Lúcia de Castro: O livro é resultado de um longo processo de investigação, entre 2006 a 2009, que pretendeu abordar a participação de crianças e jovens na escola.  É fruto do esforço coletivo de um grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Pós-graduação em Psicologia, e ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas da UFRJ (Nipiac), de sistematizar e discutir os resultados do projeto de pesquisa intitulado “Subjetivação Política na Infância e Juventude e Contextos Institucionais – a Democracia nas Escolas”, apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Ao longo dos anos em que durou a investigação, várias etapas do projeto foram sendo realizadas, com o objetivo não só de ampliar o número de participantes, como também o de aprofundar resultados obtidos que mereciam maior compreensão. Em suas várias etapas, o projeto de pesquisa envolveu a participação de cerca de 2.600 crianças e jovens, 180 adultos educadores e 96 escolas (42 municipais, 29 particulares, 23 estaduais e 2 federais), dos municípios do Rio de Janeiro,  Caxias, Niterói, Nova Iguaçu e Teresópolis.

Olhar Virtual: Qual foi a faixa etária estudada? Como se deu esse processo?

Lúcia de Castro: Neste livro utilizamos os termos crianças e jovens para aludir a experiências psicológicas, sociais e culturais distintas, mais possíveis e presentes em determinados momentos de vida do que em outros. O projeto de pesquisa abarcou participantes de idades que variaram entre 8 a 21 anos. Sem dúvida, o modo de inserção social de alguém com seus 8 anos é bem diferente do de 21 anos, ainda que no contexto da presente investigação, crianças com 8, e jovens com 21 anos, tenham sido casos limites, com pouquíssima frequência.

Procuramos abarcar sob a noção de crianças, os participantes com idades que variaram entre 8 a 12 anos, por entender que, grosso modo, este momento do percurso biográfico está estruturado por condições de maior tutela e controle dos pais,  com modos específicos de circulação pela cidade, práticas específicas de lazer e de relacionamento social, que circunstanciam a vida dos indivíduos nessa faixa de idade. Do mesmo modo, por jovens, abarcamos os participantes com idades entre 13 e 21 anos, sendo que 90% deste grupo estavam na faixa entre 13 e 17 anos, considerando a possível diversidade dentro dessa ampla faixa etária. 

Olhar Virtual: Como o livro foi organizado?

Lúcia de Castro: O livro está dividido em duas partes. Na primeira parte, com três capítulos, discutimos de modo mais conceitual o papel crianças e jovens no cenário atual e suas implicações no tornar-se sujeito, em nossa cultura. Discutimos também como a noção de participação se remete ao conceito de liberdade, o qual, na escola, tem que ser considerado junto ao de autoridade. Autoridade e liberdade andam juntas nesse ambiente, pois uma escola sem liberdade se torna uma prisão, e sem autoridade, o lugar da discórdia, onde todos estarão contra todos. Tratamos de compreender a relevância de se falar de participação na escola hoje.

Na segunda parte do livro, apresentamos e discutimos os resultados da investigação nas escolas do Rio de Janeiro. Cada capítulo trata de uma temática que ajuda a compor uma perspectiva multifacetada e complexa sobre a participação de crianças e jovens na escola. Iniciamos com o capítulo que apresenta todo o projeto de pesquisa em suas diversas etapas. Discutimos, em seguida, como se qualifica a experiência de ser estudante atualmente: os maiores sofrimentos e as melhores alegrias.  Analisamos as dificuldades apontadas pelos estudantes de encontrar um lugar onde sua opinião e sua ação sejam reconhecidas e acolhidas, mas, também, como veem suas possibilidades de ação. Discutimos a visão que os estudantes apresentam de uma escola que possa acolher melhor seus interesses e seus desejos. Uma vez que a posição dos jovens e crianças também inclui o mundo além dos muros da escola e da casa, apresentamos e analisamos o que pensam sobre os problemas da realidade brasileira em que vivem, sobre a classe política, e suas possíveis opções políticas, caso pudessem votar. Enfim, trazemos a visão dos educadores sobre o que pensam da participação de crianças e jovens na escola e na sociedade, assim como suas próprias vivências de participação nesses dois ambientes, suas visões sobre a política institucionalizada e sobre os políticos. 

Olhar Virtual: Como surgiu a ideia do título "Falatório: Participação e Democracia na Escola"?

Lúcia de Castro: Este livro, intitulado Falatório, alude à ideia de que a “fala”, direcionada ao próximo e construída no seio da vida coletiva, cria realidades ou transforma aquelas que já existem. A subjetivação se enraíza na criação de mundos de fala e sentido, possíveis quando interagimos com os outros e compartilhamos sentimentos, ideias e projetos. A fala constitui-se, portanto, o elemento que delineia o traçado da história dos homens, mulheres e crianças e que, portanto, pode destiná-los a convivências mais democráticas ou mais autoritárias. A democracia demanda o esforço de ampliar os espaços públicos nos quais alguns indivíduos são relegados pela lei à vida privada como seres inferiores, ou então, tornar públicos questões e espaços, que, pelo poder dos grandes interesses, permanecem privatizados (Rancière, 2006:55). Então, democracia na escola significa a luta para ampliar os espaços públicos de quem pode falar sobre educação e escola.  Significa, também, que a discussão pública assim ampliada com outros falantes, antes invisibilizados, possa alcançar outro estatuto na sociedade brasileira, um estatuto real de coisa pública, isto é, coisa de todos, que nos concerne a todos e ao destino que queremos traçar para nossa convivência comum.

Olhar Virtual: Durante as pesquisas que distinção vocês puderam fazer entre a participação de crianças e jovens e a participação de adultos?

Lúcia de Castro: Há dificuldades tanto pelo fato de não se ter clareza sobre qual a participação de crianças e jovens se quer, como também de haver resistências sobre a pertinência de aumentar o espaço de sua participação.  Acredita-se que crianças e jovens não devam participar como os adultos, porque ainda não estão preparadas. Participar está frequentemente relacionado a possuir determinadas capacidades como, pensar com juízo crítico, saber expressar suas opiniões frente ao próximo, agir de modo independente, entre outras.  Mesmo para os adultos, a participação parece ser uma noção que traz problemas.  A vida em sociedade que deveria, em princípio, requerer um tanto de participação de cada um, se vê cada vez mais atrofiada e circunscrita ao âmbito familiar, e às lidas da sobrevivência.  As demandas colocadas pelas questões coletivas, oriundas do trabalho ou do lugar onde moramos, parecem sempre deixadas para depois, para quando se tiver mais tempo, mais disponibilidade, menos correria.  Enfim, para os adultos, a participação, embora um direito adquirido, na prática, encontra problemas para ser exercida efetivamente, sobretudo em relação às questões da vida em comum.  Portanto, mesmo quando ela é uma prerrogativa, ela não pode não acontecer, o que sugere que este processo de busca, ação e pertencimento que caracteriza a participação parece estar sofrendo de imensas dificuldades atualmente. Curiosamente, na esteira de um suposto encolhimento da vida participativa, vai se avolumando a importância da participação de crianças e jovens.

Editora: Contracapa
350 páginas                               
Valor Aproximado: R$40,00