Ponto de Vista

Lei antidrogas X superlotação de presídios

 

 

Júlia de Marins

 

No ano em que completa cinco anos, a Lei antidrogas (n. 11.343/06), aprovada em 2006 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vem sendo alvo de discussões acerca de seus efeitos. A medida, que tem como principal objetivo acabar com a pena de reclusão para os usuários de substâncias ilícitas, é apontada por especialistas como um dos principais motivos do aumento de mais de 100% no número de presos por tráfico de drogas, nos últimos cinco anos. De acordo com dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), o crescimento de 118% da quantidade de condenados por tráfico entre os anos de 2006 e 2010 impulsionou a superlotação dos presídios brasileiros, que sofreram com o crescimento de 37% da população carcerária, no mesmo período.

Para Luciana Boiteux, professora e pesquisadora da Faculdade Nacional de Direito (FND/UFRJ), o aumento pode ser atribuído a dois aspectos: a mudança da pena mínima por tráfico de drogas de três para cinco anos e a punição de usuários como traficantes. Segundo a professora, pesquisa realizada pela UFRJ, em parceria com a UnB entre 2007 e 2009, mostra que a lei brasileira não determina parâmentros seguros de diferenciação entre as figuras do usuário e do pequeno, médio e grande traficante.

Para ela, “a lei permite uma interpretação muito ampla por parte de juízes e policiais, sem especificar a diferença entre usuários e traficantes. Com isso, pessoas que são abordadas portando quantidades pequenas de entorpecentes para uso próprio são julgadas e condenadas como traficantes, eu seja, elas não recebem as penas previstas na lei – prestação de serviços comunitários e comparecimento a programas educativos, por exemplo – e vão para as cadeias, aumentando em grande escala o número de presos”.

De acordo com a especialista, o aumento da pena mínima por tráfico também teve grande impacto na formação da situação atual das penitenciárias brasileiras, pois “ainda que deva ser reconhecido o avanço da lei em relação à descriminalização do usuário, o aumento da pena mínima por tráfico representa o lado ruim da medida”. Para Luciana, esse aspecto aliado à deficiência na aplicação nas punições, causa ilusão de resolução do problema das drogas, já que a parte mais importante do sistema de tráfico não é abalada. “Os pequenos [traficantes] são mais vulneráveis à intervenção judiciária, então são presos”, afirmou a pesquisadora.

Como possíveis soluções para as falhas de aplicação da lei, Luciana Boiteux diz que a criação de uma tabela com valores e quantidades para cada tipo de droga pode ajudar na diferenciação de punições. “Poderia ser feita uma regulamentação mais específica em relação à quantidade de entorpecentes que o usuário pode possuir, levando em consideração os efeitos de cada substância e o quanto uma pessoa pode ter para consumo próprio”, disse a professora.

Além disso, Luciana também destaca o exemplo de países como a Alemanha, que delimita uma “quantidade insignificante” para determinar a pena – de até cinco anos de reclusão - para um réu acusado de “condutas básicas de tráfico”, e aponta a legislação portuguesa como possível modelo a ser seguido pelo Brasil. “Assim como acontece em Portugal, creio que o Brasil deveria descriminalizar o uso de qualquer tipo de droga. Desta maneira, o usuário deveria ser tirado da esfera judiciária e incluído na esfera administrativa, cujo responsável é o Estado”, ressaltou a especialista. Para ela, é importante o investimento em polítias públicas de saúde. “O gasto com a manutenção dos presos é muito alto e poderia ser revertido em medidas de prevenção ao uso de drogas, assim como na recuperação de usuários”, afirmou.

Luciana Boiteux acredita que a Lei n. 11.343/06 ainda pode ser aprimorada para que o combate às drogas no Brasil se torne mais eficiente. “A Lei Antidrogas é divida em duas partes: as medidas positivas, representadas pelas políticas públicas de prevenção e saúde, e as negativas, referentes à punição. O foco da repressão, além de estar nos elos mais frágeis da cadeia do tráfico de drogas, têm sido responsável pela condenação de réus primários com bons antecedentes, pessoas que poderiam cumprir penas alternativas e ser recuperadas”, disse a pesquisadora.

 

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