Entrelinhas

A Igreja Católica e o mundo do trabalho no Brasil

 

Júlia de Marins

Divulgação

 Lançado em 2002 pela Editora UFRJ, o livro Círculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do trabalho no Brasil apresenta uma abordagem diferente sobre o a política social do catolicismo na consolidação do trabalho urbano no país entre os anos de 1930 e 1964. Diferente da maioria dos estudos anteriormente publicados, a obra aborda a relação entre sociedade civil, Estado e Igreja, considerando a importância da última como uma das mais importantes formas institucionais de disciplinamento social da época. Em entrevista ao Olhar Virtual, Jessie Jane Vieira de Sousa, professora do Instituto de História da UFRJ e autora da obra, falou um pouco mais sobre o assunto de sua tese de doutorado, que deu origem à publicação.

O livro pode ser encontrado nas livrarias da UFRJ pelo preço médio de R$30.

Olhar Virtual: Qual é a ideia principal do livro?

Jessie Jane: O objetivo do meu estudo era pensar a presença da Igreja Católica no mundo do trabalho no Brasil, com a base na questão social. O livro traduz as práticas sociais que ela adotou na época: os Circulismos. Essas medidas, surgidas na Alemanha do século XIX e trazidas para o Brasil nos anos 1930, foram o meio encontrado pelo clero para interferir nas organizações de sindicatos em busca da hegemonia no mundo do trabalho, indo contra as ideias comunistas e trabalhistas.

Olhar Virtual: De acordo com a sinopse da publicação, “o tema da complexa relação entre a sociedade civil, o Estado e a Igreja é bastante ignorado”. Por que isso ocorre?

Jessie Jane: A historiografia, quando fala do mundo do trabalho, subestima o poder da Igreja Católica. Em geral, as pesquisas não abordam com profundidade os segmentos conservadores da história. Normalmente, o que se vê são inúmeras análises sobre partidos políticos esquerdistas, sindicatos e movimentos grevistas, enquanto as organizações de direita, como a Igreja Católica, são raramente estudadas a fundo. No entanto, atualmente, as instituições brasileiras têm apresentado trabalhos sobre o tema, com caráter, inclusive, mais específico do que o do meu, que trata do Brasil de maneira geral.

Olhar Virtual: Um termo bastante destacado ao longo do texto é “Catolicismo Social”. Poderia falar um pouco mais sobre seu significado?

Jessie Jane: O conceito nasceu no século XIX, com a Encíclica Rerum Novarum, lançada em 1891 pelo Papa Leão XIII, e foi o primeiro pronunciamento da Igreja em relação às novas condições de vida do operariado. A iniciativa foi o primeiro ”alerta profético” - depois seguido por outras Encíclicas sobre o assunto - que representou a preocupação com o novo campo de lutas no espaço do trabalho. A partir do Rerum Novarum, surgiram trabalhos pastorais voltados para a questão social, com o objetivo de recompor a relação da Igreja Católica com o mundo do trabalho, até então ignorado pela entidade.

Olhar Virtual: A obra apresenta a Igreja Católica como uma das mais importantes formas institucionais de disciplinamento social da época. Como acontecia esse processo?

Jessie Jane: Os ideias transmitidos pela Igreja estavam ligados à confirmação da estrutura de trabalho existente naquele período. Em conjunto com o Estado, o clero era responsável por difundir a paz social, que pretendia estabelecer a harmonia entre o capital e o trabalho. Desta forma, a instituição procurava atuar junto aos sindicatos para, ideologicamente, acabar com a luta de classes e naturalizar a organização social que estava se fixando. Usando seu poder de influência sobre as pessoas, a Igreja Católica ajudava o Estado a garantir o “bom funcionamento” do sistema mais vantajoso para a elite capitalista.