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Edição 191      12 de fevereiro de 2008


De Olho na Mídia

As FARC perderam o objetivo ou a mídia perdeu o rumo?

Monique Pereira – AGN/Praia Vermelha

imagem ponto de vista

Recentemente, a mídia tem veiculado inúmeras notícias sobre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) abordando somente questões específicas, como a libertação da advogada Clara Rojas, refém há seis anos, e a busca por seu filho, Emmanuel, nascido em cativeiro. Enfoques como este, nas redações em todo o mundo, podem descaracterizar o movimento e desestimular a reflexão sobre a suposta crise em que a insurgência está inserida. Para analisar os efeitos das notícias midiáticas no plano sócio-político da América Latina o Olhar Virtual entrevistou Franklin Trein, diretor do Núcleo de Estudos Internacionais do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ; ele também falou sobre a história dos movimentos de esquerda na Colômbia e em que conjuntura eles estão, atualmente.

Segundo o especialista, é inevitável a mídia concentrar as informações em torno do drama vivido pelos reféns das FARC. Trein afirma, o apelo emotivo é forte devido ao grande número de seqüestros (aproximadamente 800 reféns), às negociações de libertação praticamente impossíveis, aos massacres de povoados e à sensação de insegurança da população em geral. Logo, de acordo com o diretor, é natural os veículos de comunicação “esquecerem-se” um pouco dos motivos que originaram as ações desse grupo e se apegarem a notícias de cunho trágico.

Por outro lado, Franklin Trein lembra, o impacto causado pelas manchetes é intencional: “O próprio governo colombiano e seus aliados detêm todo o aparato político e publicitário para desqualificar as FARC, a tal ponto que a insurgência não seja legitimada”, revelou o especialista. Para ele, as notícias tendenciosas publicadas em território colombiano contaminam as demais agências de comunicação internacionais.

Segundo Trein, a Colômbia é mais um caso de país latino-americano extremamente rico em recursos naturais, importante como território estratégico e dominado por uma elite oligárquica latifundiária e abastada.

O diretor conta, a questão da reforma agrária levou aos primeiros conflitos de movimentos insurgentes na década de 1930, época em que os grandes capitais norte-americanos, saídos da crise de 1929, começavam a chegar à Colômbia para explorar o subsolo.

Na década de 1950, de acordo com o especialista, surgiram os principais conflitos inspirados na Revolução Cubana em 1959. Segundo ele, a causa comunista ganhava força e enfraqueceu automaticamente a propaganda mundial no auge da Guerra Fria, a mesma que classificava todo e qualquer movimento mais popular como subversivo: “Na verdade, apesar de todo o respaldo dos EUA, a Colômbia não conseguiu impedir o crescimento e a coligação de alguns movimentos, o que ampliou o âmbito do conflito”, declarou Trein.

De acordo com o diretor, o fenômeno decisivo para a dinâmica do conflito são as chamadas “áreas liberadas”. Atualmente, um terço do território do país está em poder dos movimentos insurgentes, principalmente das FARC. Segundo o especialista, essas áreas foram escolhidas pelo narcotráfico como as mais seguras para o cultivo e o transporte da coca — planta que dá origem à cocaína. Inicialmente, os traficantes eram parceiros do governo colombiano de forma indireta. Franklin Trein afirma que o próprio governo da Colômbia criou um exército paramilitar de extrema direita e recrutou jovens para serem mercenários guerrilheiros a favor do Estado. Para o diretor, esse fato jamais poderia ter sido abandonado pela cobertura midiática. O grupo paramilitar estava envolvido com os narcotraficantes em troca de financiamento para as ações contra os movimentos insurgentes, contudo não poderia oferecer proteção em caso de combate ao tráfico de drogas ordenado pelo governo, seu aliado. As FARC, segundo Trein, tornaram-se reféns do capital dos narcotraficantes, o que acabou desvirtuando os ideais originários do movimento.

Houve momentos no passado, de acordo com o especialista, em que seria possível uma negociação, no entanto, as pressões externas as dificultaram sempre. As tentativas de resolução do caso deram lugar à perda de oportunidades, ao mesmo tempo em que houve desgaste de ambos os lados. Em contrapartida, o diretor garante que as FARC não são mais tão admiradas pela população colombiana como o eram antigamente: “Hoje as FARC estão debilitadas, porém com isso elas reagem de maneira mais hostil e imprevisível”, apontou Trein. Segundo ele, o governo aposta exatamente no cansaço do movimento.

A grande contradição, de acordo com o especialista, é que o maior mercado consumidor de cocaína proveniente da Colômbia corresponde à grande parte da sociedade norte-americana, ou seja, é a principal fonte de recursos que mantém as guerrilhas na Colômbia: “Há muita gente ganhado dinheiro com isso, logo os valores da sociedade colombiana acabam ficando em último plano. Disso a imprensa não fala ou, pelo menos, não fala mais”, lamentou Franklin Trein.

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