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Edição 191      12 de fevereiro de 2008


Olho no Olho

Desvendando mentes criminosas

Julia Vieira

imagem olho no olho

A formação das mentes criminosas sempre despertou grande curiosidade na comunidade científica e o enigma está prestes a ser desvendado. Ou não. Pesquisadores do Rio Grande do Sul anunciaram, estudarão cérebros de jovens que cometeram crimes para tentar encontrar respostas, mas estão sendo altamente criticados por diversos setores da sociedade científica e acadêmica, numa tentativa de proibir a pesquisa.

O estudo será feito com 50 jovens, voluntários, da antiga Febem de Porto Alegre, onde estão instalados menores detidos por tráfico, roubo e homicídio. Os jovens passarão por exames em uma máquina de ressonância magnética funcional, para mostrar o cérebro em funcionamento e serão submetidos a seqüências de imagens e sons violentos. Os neurocientistas esperam comprovar a suspeita de os homicidas terem partes cerebrais atrofiadas, de tamanho reduzido, como o lobo-frontal, por exemplo, controlador dos impulsos humanos.

Sociólogos, educadores e advogados contrários à pesquisa alegam que o estudo mascara o que chamam de “velhas práticas de extermínio e exclusão”. Criticam o uso de seres humanos como cobaias e pedem esclarecimentos sobre as implicações éticas da realização do estudo.

Será que nascemos predispostos ou não à violência? Esta pesquisa poderia responder à questão, mas, devido a grande polêmica, ainda não se sabe se poderá acontecer. Para falar sobre o assunto, o Olhar Virtual traz as opiniões do psiquiatra forense Miguel Chalub, professor associado do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Faculdade de Medicina da UFRJ e do professor do Instituto de Psicologia, Pedro Paulo Bicalho.

Pedro Paulo Bicalho
Psicólogo

“As pesquisas - como quaisquer outras práticas sociais - estão circunscritas a contextos e visões de mundo e, desta forma, produzem efeitos e, assim, novas práticas sociais.

A ciência do século XIX, comprometida com a então chamada visão positivista, que buscava determinantes como explicações, reduzindo saberes a relações de causa e efeito, tinha como prática reduzir o campo da complexidade a um único determinante.

No campo da Criminologia, vimos algumas idéias surgirem, como a dos italianos Lombroso e Ferri, constituindo o que hoje chamamos "Positivismo Criminológico". Enquanto o primeiro reduzia os estudos criminológicos a explicações antropométricas, baseadas em uma biologia de cunho positivista, o segundo explicava e comportamento a partir de uma sociologia também positivista.

A questão é que o positivismo criminológico ainda está presente em muitas de nossas concepções acerca do crime e, o mais preocupante, em muitas políticas públicas do campo sócio-jurídico, criminal e de segurança pública. Este mesmo positivismo aparece na pesquisa que pretende descobrir o gen da criminalidade, corroborando com práticas como o exame criminológico que procura desvelar o nível de psicopatia dos sujeitos apenados para, assim, classificá-los a partir de seu "grau de periculosidade".

A nota assinada coletivamente, geradora de toda a discussão, coloca em questão a pertinência ética de pesquisas. A nota circulou acompanhada de um texto esclarecendo que não se tratava de um repúdio às universidades nem a seus professores, funcionários e alunos. Tampouco contra a pesquisa, em geral, sendo seu objetivo suscitar o debate - o que é salutar numa democracia e deve ser um nosso exercício cotidiano. Mas, certamente, lamentamos a iniciativa deste projeto, por reforçar, mediante a escolha dos adolescentes a serem pesquisados, as discriminações e estereótipos que já marcam certos sujeitos. É sabido que os adolescentes que se encontram em unidades de privação de liberdade fazem parte das camadas mais pobres da sociedade, condição demonstrada em inúmeras pesquisas. Nesse sentido, cumpre lembrar que nenhuma pesquisa se limita a seus resultados: qualquer pergunta - e pesquisas formulam perguntas - pressupõe uma afirmação. E a afirmação da pesquisa em pauta admite a existência de cérebros "criminosos" em oposição a "não-criminosos", ignorando a rede de poderes que se articula com tal suposição, mesmo que pretenda investigá-la cientificamente.

Não creio ser possível fazer pesquisa sem a devida reflexão sobre as condições e efeitos políticos da mesma, sobre as implicações de seus temas e métodos, sobre o papel de cada ator na construção do que, com demasiada facilidade, se diz ser "o real". Pois, no nosso entendimento, não é algo a ser constatado ou desvelado, mas uma construção cotidiana forjada em meio a lutas e conflitos. 

Fui um dos que assinou, sim, a nota de repúdio. Repúdio por ainda entendermos que nossas práticas são insípidas, incolores e inodoras e de que a suposta neutralidade científica está desvinculada de uma concepção política do que é ciência e do lugar que ocupamos, enquanto universidade, na formulação de práticas e políticas sociais.”

Miguel Chalub
Psiquiatra Forense

Em princípio, sou a favor de toda e qualquer investigação científica, desde que sejam obedecidos todos os postulados éticos. Além do mais, é preciso que seja utilizada uma metodologia rigorosa, idônea e adequada, para que sejam evitados vieses e “serendipity” (termo usado por cientistas alguma descoberta positiva surge de um experimento cujo objetivo tinha, originalmente, outro fim).

Quanto à pesquisa em questão, sou a favor de sua realização – e isto é uma opinião baseada em uma longa experiência clínica e não em pesquisas próprias. Acredito, porém, que ela concluirá aquilo que já se sabe: há pessoas com lesões e disfunções cerebrais que nunca cometeram crimes e, provavelmente, nunca cometerão; por outro lado, existem pessoas com cérebros normais e que são capazes de praticar crimes hediondos.

A exclusão social e o extermínio não dependem das descobertas e avanços científicos, mas sim dos preconceitos, da injustiça e dos atos anti-humanos.

Lembremos as bombas atômicas lançadas no Japão no final da Segunda Guerra Mundial e a descoberta do vírus da AIDS. Os cientistas do átomo e os pesquisadores da doença, que inicialmente parecia apenas atingir homossexuais, são os grandes responsáveis por tudo o que aconteceu depois?

Apesar de ser favorável a sua realização, acredito que as conclusões desta pesquisa em nada contribuirão para a criminologia, particularmente, em seus aspectos preventivos.

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