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Edição 204      20 de maio de 2008


De Olho na Mídia

O racismo e a ambigüidade midiática

Julia Vieira

imagem ponto de vista

O Brasil não é um país racista, mas é, sim, um país onde existe racismo. Esta é a definição dada por uma recente pesquisa realizada na Universidade de São Paulo (USP), cujos números indicam que 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito, mas 98% dos participantes da pesquisa disseram conhecer pessoas que manifestam discriminação racial.

Em fevereiro deste ano, foi anunciada pela imprensa do mundo inteiro a conclusão de uma pesquisa detalhada da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos humanos no Brasil. As conclusões são vexatórias. Dentre diversos parâmetros negativos a serem resolvidos, a ONU afirma que o governo brasileiro precisa tomar medidas urgentes contra o racismo existente no país.

A questão racial é um tema delicado no Brasil, último país da América a abolir o sistema escravista, há 120 anos. O debate sobre racismo é sempre atual, com seus paradoxos e mitos, como o da democracia racial.

Para Marcelo Paixão, professor e diretor do Instituto de Economia da UFRJ (IE - UFRJ), para falarmos de como o racismo vem sendo representado na mídia é necessário que, primeiro, sejam estabelecidas definições para como este termo é utilizado no Brasil.

Se dissermos que racismo são discursos agressivos e que instigam ódio a determinadas etnias, segundo Marcelo, a mídia se mantém em um mesmo padrão, o padrão do politicamente correto e se mostra contrária a qualquer grupo ou manifestação deste racismo.

Mas o racismo que aqui existe não é este. Paixão classifica o racismo no Brasil como “um congelamento de posições sociais que depende da aparência do indivíduo, especialmente, da cor da sua pele”. E em relação a este tipo de racismo a mídia tem um papel relevante.

A indústria do entretenimento

Há 20 anos, na televisão brasileira, os programas humorísticos tinham um tom mais ácido que os atuais e as piadas contra negros revelavam um humor mais pesado, de diminuição da figura do negro na sociedade. Apesar deste perfil, não se aproximavam dos padrões de racismo americano, de ojeriza aos negros, disseminação de ódio aos afro-descendentes e estímulo a perseguições e massacres étnicos, comuns nos Estados Unidos desta mesma época.

Atualmente, afirma Marcelo Paixão, é raro que se encontre na mídia este tipo de programação ou este tipo de discurso, mas “a mídia tem um papel decisivo de reforço de imagens e estereótipos circulantes na sociedade”.

O professor cita como exemplo o documentário A negação do Brasil, de Joel Zito Araújo, que analisa os papéis atribuídos aos negros nas telenovelas brasileiras. Porteiros, empregadas domésticas, babás e escravos; estes são os personagens que os negros mais representam na televisão. “Estes personagens subordinados representados pelos negros reafirmam a sua subordinação social. E assim, a mídia é usada como reforço do papel do negro na sociedade”, analisa Marcelo.

Existe, além do problema do reforço de imagens pré-concebidas, a questão da invisibilidade. “Quando o negro não existe, desaparece também o papel do discriminador. Se pensarmos na quantidade de séries, novelas, filmes e peças teatrais que não têm nenhum negro no elenco, perceberemos que essa invisibilidade é real e também uma forma de mostrar preconceito”, critica o professor.

Ao ler esta matéria algumas pessoas, preconceituosas ou não, devem estar se perguntando: é preciso ter um negro em cada filme? Em muitos círculos sociais não vemos nenhum negro e isso não é ficção, é a realidade. E o diretor do Instituto de Economia exemplifica esta invisibilidade do negro com um caso absurdo: “A questão da invisibilidade é tão real que já houve casos como o de Dolores Duran, cantora sabidamente negra, ser representada no teatro por uma atriz branca, descaracterizando completamente a personagem”.

Falta à mídia como um todo e, especialmente, à indústria do lazer um maior amadurecimento do seu papel, ainda deficitário, na mudança desta imagem negativa e de pouco valor social do negro.

A imprensa como formadora de opinião

Falar de mídia não é apenas abordar a mídia da diversão. Em uma abordagem mais completa, é importante falar dos jornais e telejornais na questão do racismo. Em seu discurso, a mídia informativa é contrária a quaisquer tipos de preconceito racial, mas, contraditoriamente, é contrária também às políticas e ações afirmativas, como as cotas raciais, por exemplo. Marcelo Paixão salienta que esse posicionamento não é explícito, mas “fica claro ao observarmos um debate, por exemplo, onde grande parte dos debatedores é contrária a estas políticas”.

A grande mídia informativa contribui fortemente para a formação da opinião pública. Algumas disparidades que presenciamos podem influenciar a formação de opiniões com base em pouca informação ou informações incompletas, que levam em conta apenas um lado da moeda, apenas um ponto de vista. Os telejornais mantêm uma posição ambígua em relação ao racismo, ora apoiam a imagem existente do negro, ora assumem posição contrária. “A mídia ainda está longe de ser uma mídia isenta e justa com a questão racial”, finaliza Marcelo Paixão.

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