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Edição 215      05 de agosto de 2008


De Olho na Mídia

No encalço do álcool

Camilla Muniz

imagem ponto de vista

Desde que entrou em vigor, em todo o território nacional, no último dia 20, a Lei 11.705, publicada no Diário Oficial da União em 19 de junho de 2008, tem sido destaque na mídia diariamente. A Lei Seca, como é mais conhecida, determinou que dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência constitui infração gravíssima, submetendo o motorista infrator a uma punição que pode variar entre a suspensão do direito de dirigir por doze meses até a retenção do veículo e o recolhimento da carteira de habilitação do condutor.

Para aplicar a medida, a Polícia Militar e o Detro realizam, no Rio de Janeiro, a Operação Pressão Total nos bairros de Ipanema e da Barra da Tijuca com o objetivo de coibir o uso de bebidas alcoólicas principalmente entre os jovens que freqüentam as boates da região. Segundo dados divulgados pelo jornal EXTRA, entre a noite do dia 19 e a madrugada do dia 20 de julho, os policiais efetuaram 138 abordagens, sem registrar nenhuma infração. Contudo, não só os saldos positivos da operação ganham as manchetes da imprensa, como também os registros da diminuição de atendimentos nas emergências dos hospitais em decorrência de acidentes de trânsito e da queda do número de vítimas fatais encaminhadas ao Instituto Médico Legal (IML).

Para José Mauro Braz de Lima, neurologista e professor da Faculdade de Medicina da UFRJ, a imprensa vem cumprindo sua função de registrar e divulgar para a população as implicações e os principais resultados das ações relacionadas à Lei Seca. “Naturalmente, há o valor positivo dessas ações, medido através da diminuição da violência no trânsito e, conseqüentemente, da redução da mortalidade e do número de atendimentos aos feridos. Isso é diretamente refletido no movimento no IML, nas emergências dos principais hospitais da rede pública de saúde e nas delegacias. Não há a menor dúvida que os efeitos da Lei Seca são positivos”, analisa.

Entretanto, o médico acredita que a mídia assumiria uma postura mais ética se promovesse uma discussão sobre o tema a partir da perspectiva do bem-social, abordando de forma mais intensa os benefícios que a Lei Seca traz para a sociedade. Visando demonstrar as conseqüências já provocadas pela norma, pesquisadores da UFRJ estão fazendo um levantamento, comparando o mês de julho de 2007 com o mesmo período de 2008 em relação à quantidade de vítimas de acidentes de trânsito que chegam ao IML. José Mauro, que participa da pesquisa, afirma que os resultados prévios ratificam o caráter positivo da medida, pois o número de mortes no trânsito ocorridas neste ano foi consideravelmente inferior devido à aplicação da Lei Seca.

— Talvez a medida tenha vindo com um pouco de radicalismo. Não precisava ser tolerância zero, porque a França também conseguiu resultados bastante satisfatórios mantendo a alcoolemia em 0,5g/L de sangue do motorista. Porém, o mais importante é a mudança de postura dos motoristas e a adoção de mais seriedade e responsabilidade no que tange à convivência no trânsito. Um motorista não pode simplesmente se embriagar, pegar o carro, entrar na estrada e provocar acidentes. Atualmente (antes de a Lei Seca entrar em vigor), o Brasil registra 40 mil mortes por ano no trânsito, o que corresponde a 20 óbitos a cada 100 mil habitantes. Do ponto de vista da saúde pública, trata-se de uma calamidade, que, no entanto, é evitável — observa o professor.

Por isso, José Mauro defende a abertura de mais espaço nos meios de comunicação para o debate de temas de grande impacto social, como os problemas relacionados ao álcool e a outros tipos de drogas. “Obviamente, a imprensa é livre, mas existe um consenso sobre qual deve ser seu papel ético e responsável na sociedade. Devido à responsabilidade social, a mídia tem a obrigação de divulgar informações que tragam algum benefício para a população. Mais do que uma função a ser exercida, essa é uma questão de valor. Assim, acredito que a imprensa como um todo deveria fomentar o debate sobre esse assunto, porque uma discussão mais ampla se faz necessária. A Lei Seca foi discutida, mas não como deveria ser, de forma mais aberta. Isso não tira o mérito da lei, mas ressalta que temas de grande impacto social — como o alcoolismo, as drogas e a violência no trânsito — precisam ser debatidos mais vezes”, pondera o neurologista, que apóia uma discussão sistemática sobre o assunto na mídia: “Como cidadão, acho que os dirigentes das grandes redes de televisão poderiam inserir nos programas de auditório dominicais, por exemplo, um espaço para esse tipo de informação através de especialistas nas áreas de saúde e educação. Tenho certeza que grande parte da população aprenderia e melhoraria sua qualidade de vida desta maneira”, sugere.

Segundo o professor, essa é a uma das diferenças entre a imprensa brasileira e a estrangeira, mais receptível a temas de grande impacto. “A imprensa brasileira é boa, mas carece desse espaço. A questão do álcool e das drogas é muito relevante e transversal para ser discutida apenas de forma pontual na mídia”, compara.

Parceria entre imprensa e universidade

Outra questão levantada por José Mauro é o porquê de as universidades formarem profissionais de saúde e educação especializados no tema e não promoverem a inclusão consistente dessa problemática na grade curricular. Para ele, até mesmo a divulgação dos resultados das pesquisas científicas realizadas é deficiente. “Muitas vezes, a universidade produz os conhecimentos, mas não os leva para fora do ambiente acadêmico. Nesse sentido, a imprensa tem um papel fundamental de auxiliar na divulgação dessas informações. Além disso, tem que haver uma cobrança dessa divulgação por parte da sociedade. A academia não pode deixar de discutir mais abertamente um tema tão importante como este no seu dia-a-dia. A universidade tem muito a acrescentar nesse debate”, ressalta.

Há cinco anos, a UFRJ implementou uma disciplina eletiva chamada “Problemas relacionados ao álcool e outras drogas” para os cursos de Medicina e Psicologia. Embora a demanda insuficiente entre os futuros médicos tenha obrigado o cancelamento da disciplina, o sucesso no Instituto de Psicologia forçou a limitação do número de vagas. Além disso, a Escola de Enfermagem Anna Nery já aprovou a disciplina e deve passar a oferecê-la a seus alunos a partir do primeiro semestre do próximo ano.

— A UFRJ já deu alguns passos em relação à ampliação dessa discussão. Com a disciplina eletiva, ficamos à frente de outras universidades federais ao disponibilizar regularmente para cursos de graduação uma disciplina especializada no tocante a problemas relacionados ao álcool e outras drogas — sinaliza o neurologista, que acredita que essa oferta feita aos estudantes simboliza um avanço e um motivo de orgulho para a UFRJ, já que esse tema é discutido apenas esporadicamente nas outras comunidades acadêmicas brasileiras.

UFRJ oferece tratamento a vítimas do álcool

Além disso, José Mauro ressalta o valor de programas desenvolvidos na UFRJ com o objetivo de trazer para a realidade brasileira um olhar diferenciado sobre o álcool. “Não é só o tratamento dado pela imprensa que é diferente. A Comunidade Européia produziu, recentemente, um relatório sobre o álcool abordando o assunto como um problema de saúde pública. No Brasil, falta uma abordagem como esta, porque a visão acerca da alcoologia perpassa a perspectiva da saúde mental”, observa.

Buscando compreender o problema a partir do ponto de vista da saúde pública, a UFRJ criou o Núcleo de Atenção Integrada a Síndrome Alcoólica Fetal, o Centro de Ensino, Pesquisa e Referência em Alcoologia (CEPRAL) — programa acadêmico que integra ensino, pesquisa e extensão na graduação e pós-graduação, além de prestar assistência a pacientes — e o Núcleo de Atenção ao Acidentado de Trânsito (NAIAT), que conta com uma equipe formada por médicos, enfermeiros e psicólogos para atender os feridos em acidentes ocorridos no trânsito. “A mídia, além do compromisso de informar, educar e trazer o tema para o debate, também tem a responsabilidade de dar orientações práticas às pessoas para que elas possam recorrer à ajuda especializada quando for necessário, criando assim a consciência de atendimento, que é uma conseqüência do debate e da divulgação da doença”, conclui o médico.

Livros abordam problemas relacionados ao álcool

Com o objetivo de oferecer mais informações à população sobre tão importante assunto, José Mauro lançou os livros Alcoologia – o alcoolismo na perspectiva da Saúde Pública e Álcool e gravidez – Síndrome Alcoólica Fetal, no qual aborda os problemas decorrentes do uso de bebidas alcoólicas por gestantes. Através de uma linguagem acessível, o neurologista traça um panorama completo das doenças relacionadas ao álcool e das políticas públicas interligadas ao tema.

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