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Edição 231      25 de novembro de 2008


Olho no Olho

Novas diretrizes para cursos de Jornalismo: maior qualidade ou fim da profissão?

 

Sofia Moutinho – AgN/Praia Vermelha

imagem olho no olho

Alegando atingir maior qualidade nos cursos de Comunicação, o ministro da Educação, Fernando Haddad anunciou mês passado a criação de uma comissão de especialistas que tem por objetivo rever as diretrizes curriculares nacionais que orientam o currículo das faculdades de jornalismo.

Presidida por José Marques de Melo, fundador da Escola de Comunicação e Artes (ECA/USP), a comissão discutirá, dentre outras questões, a possibilidade de que qualquer profissional com diploma de nível superior tornar-se jornalista após completar uma habilitação adicional de dois anos, equivalente à metade da duração atual, em que serão lecionadas disciplinas como redação jornalística, ética e técnica de reportagem.

Esta proposta tem sido a causa de muitos debates entre aqueles que a vêem como um modo de diminuir o valor da profissão e aqueles que acreditam que ela possa garantir a qualidade do ensino de Jornalismo.

Para fomentar a questão, o Olhar Virtual entrevistou Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, e contrapôs os argumentos da professora à opinião de Norma Couri, jornalista que, em 26 de setembro de 2008, escreveu o artigo O que é o jornalista no site Observatório da Imprensa.

 

Ivana Bentes
Diretora da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ

A decisão de qualquer pessoa formada ter possibilidade de ser jornalista, de produzir notícias, é uma exigência social importante. É restringir o direito de comunicação restringir a expressão de um profissional de qualquer área. Inclusive, existem excelentes historiadores, biólogos, economistas, que escrevem melhor que muitos jornalistas. Então essa decisão do MEC é muito importante e acertada.

O MEC está expandindo o direito de alguém que tem uma formação humanística a fazer uma habilitação de dois anos. Acho isso ótimo. É importante dar chance a outros profissionais de conquistarem essa habilitação. A formação específica em jornalismo não vai ser alterada, o profissional desta formação vai ter o diferencial de dois anos de conhecimento em filosofia, antropologia, sociologia, enfim das muitas disciplinas que formam o ciclo básico. A formação não específica não vai, de maneira alguma, prejudicar a qualidade da específica.

A gente tem é que cuidar para que a qualidade dos cursos já existentes esteja lá, mas não impedir que um biólogo, historiador, cientista, economista, físico, por exemplo, se tornem jornalistas e possam escrever em um jornal. Essa atitude soa um tanto obscurantista, é uma tentativa de reserva de mercado para especialistas em jornalismo coorporativo. A formação em jornalismo não é necessária para que um profissional possa escrever de maneira fluida. Muito pelo contrário, vemos hoje, na internet e em blogs, profissionais das mais diferentes áreas aptos a se expressar de maneira tão boa, ou melhor, que um jornalista profissional. O que precisamos fazer é qualificar e melhorar ainda mais o nosso curso para que ele tenha um diferencial em relação às outras formações. Não impedir que profissionais de outros campos exerçam seu direito à comunicação.

O mercado geralmente prefere quem é formado na área. Parece que esta é uma decisão de expansão, para incluir mais pessoas aptas a exercer uma profissão que deveria ser universalizada. O jornalismo é uma profissão que necessita da mobilização de diversas áreas do conhecimento, por isso é uma proposta extremamente bem-vinda.

O direito à comunicação tem que ser universal. A expressão escrita e audiovisual é exigência para qualquer formação, não diz respeito a uma habilitação específica. Todos nós somos convocados a estar habilitados nessa área. Não é o caso de outras áreas hiper-específicas, como a medicina, que demanda uma especialização e uma habilitação regular. Áreas como a medicina e engenharia necessitam de uma regulamentação, pois elas podem pôr em risco a população, mas em jornalismo isto não acontece. Eu entendo a função jornalística como direito de qualquer cidadão. A expressão é necessária para o exercício da cidadania.

Na prática já é assim, todos os grandes jornais têm antropólogos, sociólogos, historiadores. É importante para a diversidade do pensamento que isso ocorra. O jornalismo é importante demais para ficar restrito a uma especialização, a uma corporação. Ele já deixou de ser uma profissão de especialistas. Nós temos que qualificar cada vez mais pessoas para exercer essa profissão que se modificou no contexto atual de pós-tecnologia, difusão da internet e globalização.

A restrição do exercício da profissão às corporações foi uma exigência da ditadura militar, para controlar quem produzia a informação. Parece que o pensamento ultra-coorporativo, de defesa de mercado, que circula entre os alunos de jornalismo é totalmente equivocado. É um raciocínio mesquinho de temor. A meu ver qualquer um pode escrever e não faltarão empregos por isso. Ao contrário, o mercado sempre vai preferir quem passou por um curso de formação com algum diferencial. E com isso os cursos ruins, que vendem diplomas, vão acabar. Será o fim da demanda artificial coorporativa por diplomas. Vão ficar só os cursos bons que realmente fazem a diferença, como o curso da ECO.

Os discursos do sindicato, das corporações e até mesmo de alguns alunos e professores da ECO que falam que a medida vai diminuir a importância da profissão, que vai acabar com as vagas de emprego, é um ato mesquinho baseado no medo mercadológico. A comunicação é um direito individual que não pode ser transformado em privilégio de alguns profissionais.

Essa medida não tirará o emprego de ninguém ou diminuirá o piso salarial da profissão, mesmo porque já há uma massa muito grande de gente que exerce a profissão sem diploma. O piso salarial tem que ser uma exigência do profissional, através de uma organização coletiva. Não é restringindo a entrada de novos profissionais na área que a categoria terá mais força política. Pelo contrário, quanto mais pessoas estiverem trabalhando em um jornal, mais pessoas vão exigir um piso salarial melhor. Na verdade, o que falta é uma organização. Este raciocínio, de que o aumento da quantidade de pessoas que escreve vai diminuir a qualidade, é um raciocínio aristocrata escravista. Na verdade, quanto mais jornalistas bons no mercado, maiores são as possibilidades de se lutar por uma melhoria de salário.

O jornalismo hoje está em todos os campos sociais. Até em uma empresa de saúde precisa-se de um jornalista. Nunca houve antes uma demanda tão grande por profissionais do campo da comunicação, de tal forma que se precisa de mais profissionais ainda. Nunca vai ser demais a formação de pessoas capacitadas a escrever e se expressar. Se o jornalismo corporativo estiver fadado a desaparecer porque todos vão se tornar jornalistas, parece muito simples. As profissões nascem, crescem, atingem o apogeu e morrem. Há muitos campos do conhecimento que hoje não são tão valorizados em relação a outros, isso é muito natural.

Não dá para ficar travando os avanços tecnológicos com artifícios regulatórios e corporativos. Temos que nos adaptar a estas mutações e estarmos preparados para mudar de campo, através de uma formação multimídia. Temos que estar preparados para lutar por nossos direitos, para nos organizar politicamente de novas maneiras. Não podemos lutar contra essas mudanças.

Essa discussão que o MEC propõe surgiu agora porque os sindicatos estão em campanha intransigente pelo diploma. Há mais de 30 países em que o jornalismo pode ser exercido por qualquer profissional liberal, desde que ele tenha uma formação suplementar. A medida vem pela exigência mundial de uma adequação dessa profissão que foi historicamente importante durante um tempo e que hoje não é mais. A exigência do diploma é, hoje, meramente corporativa e específica do sindicato dos jornalistas. Hoje há uma demanda social por esses novos profissionais em resposta às mudanças tecnológicas e à expansão do jornalismo no mundo.

Eu torço para que essa medida seja aprovada. Acho que ela vem como uma política pública acertada capaz de ir contra o pensamento inercial e catastrófico que está enraizado em várias instâncias da cultura universitária e estudantil.

 

Norma Couri
Jornalista*

O ministro da Educação Fernando Haddad não respondeu à pergunta do título, como queriam os jornalistas da Associação de Correspondentes Estrangeiros de São Paulo que o entrevistaram na segunda-feira (15/9). "Se eu respondesse, anularia a discussão que vai definir este ponto básico, identificar o núcleo duro do jornalista, e esse é um debate que vale a pena", disse Haddad.

Quando o ministério decifrar a pedra fundamental do jornalista, e o que permite a um profissional ostentar o título, a intenção é oferecer, por meio de um mestrado, o exercício da profissão a graduados de outras áreas. Todos terão de apresentar a qualidade básica fundamental, necessária à sua formação.

A inclusão já acontece em alguns países. A conceituada Faculdade de Jornalismo da Universidade Columbia, em Nova York, única integrante do seleto grupo de universidades da Ivy League que forma jornalistas e oferece um dos melhores mestrados do mundo, abre os braços para médicos, engenheiros, psicólogos e o resto, e aguarda serena a chegada dos poucos à reta final.

O esforço compensa. Provas duríssimas e aulas extenuantes permitirão ao candidato ostentar o mesmo título concedido a estrelas do rádio, TV, internet e imprensa escrita, e eles nem sempre exibiram na entrada o diploma de Jornalismo que a lei brasileira exige.

"Mas vai valer a pena? Jornalistas ganham tão pouco no Brasil...", argumentou um colega. O ministro riu: "Pode ser que depois a coisa mude", disse.

Qualidade da profissão

O que desvalorizou a profissão e fez despencar os salários foi a esquizofrenia das universidades. Expelem todos os anos jornalistas em escala crescente para um mercado minguante. É o inverso do que acontece com a formação tecnológica.

O ministro insinuou: "Mas podemos induzir a procura para uma ou outra área, através de financiamentos educacionais mais ou menos atraentes". O que pode conter em parte a enxurrada de profissionais de faculdades públicas, mas não das particulares.

Uma proposta que valerá a pena se ficar comprovada a qualidade primordial que faz um jornalista um profissional distinto. A aposta para alguns é a cultura; para outros, a curiosidade; para terceiros, o espírito comunitário; para muitos, o dom para a investigação, a qualidade de não desistir, como a que levou o repórter Tim Lopes até o fim; para a maioria, o desprendimento de abrir mão da vida pessoal em favor da informação ao público.

São características que podem caber na Saúde e na Lei, em qualquer profissão. Mas a pergunta vai mais a fundo, e por isso os sindicatos insistem no diploma. A essência é aquela fibra que não permite ao engenheiro escapar da culpa pelo prédio que ruiu. É a ética do jornalista, o compromisso único e direto com a verdade. Uma qualidade que não se aprende em banco de escola, mas se não constar do DNA do profissional é motivo suficiente para expulsá-lo do time.

Como medir essa fina característica antes de testá-la no dia a dia? E até que ponto a abertura vai apurar a qualidade da profissão?

Isso só será avaliado depois da discussão proposta pelo ministro, da qual todo jornalista adoraria fazer parte. Para saber, afinal, se é ou não é jornalista.


*Artigo publicado no site Observatório da Imprensa em 16/9/2008.

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