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Edição 261      04 de julho de 2009


Ponto de Vista

O fracasso da política sobre drogas no Brasil

Bruno Franco


Qual a solução para o problema das drogas em nossa sociedade? Devemos continuar a encarar a questão como caso de polícia? O usuário deve continuar a ser criminalizado? Perguntas tão antigas, mas que ainda não foram debatidas em profundidade em nossas instâncias governamentais. Um debate mais sério a respeito do tema é o que propõe a pesquisa “Tráfico e Constituição: um estudo jurídico-social do artigo 33 da Lei de drogas”, coordenada por Luciana Boiteux, professora de Direito Penal da Faculdade de Direito da UFRJ, em conjunto com a Universidade de Brasília (UnB).

O estudo expõe o fracasso da política militarista de combate às drogas e indica alternativas para a superação de um paradigma que não deu certo. A pesquisa teve origem em um edital lançado pelo Ministério da Justiça para o aprofundamento da temática do tráfico de drogas. “Dentro das operações da nova Lei 11.343/2006, houve uma diferenciação muito grande entre a figura do usuário, despenalizado, para o qual não cabe mais a aplicação de pena de prisão, e a figura do traficante, cuja pena aumentou de três para cinco anos”, explica Boiteux.

A professora conta que, em meados de 2008, foi formado um grupo composto por estudantes de graduação e pós-graduação para a pesquisa em política de drogas e direitos humanos. Luciana também convidou professores de outras áreas da Faculdade de Direito, como Geraldo Prado, de Processo Penal;  Vanessa Oliveira Batista, de Direito Constitucional; e Carlos Japiassu, de Direito Penal Internacional. “Surgiu também a ideia de fazer essa investigação junto à UnB. Tínhamos um bom contato com a professora Ela Wiecko, cujo grupo de trabalho tem bom acesso a esse tipo de pesquisa”, elogia.

Segundo Boiteux, o enfoque da pesquisa foram os acórdãos e pesquisas do Rio de Janeiro e de Brasília, a partir da entrada em vigor da nova lei sobre Drogas, em vigor a partir de outubro de 2006, e teve como data-limite 31 de maio de 2008. “Coletamos todas as sentenças condenatórias com base no artigo 33 (da Lei 11.343), referente ao crime de tráfico de drogas”, relata Boiteux.

Ao contrário do que o senso comum costuma levar a crer, as estatísticas demonstram que a maior parte dos encarceramentos ligados ao tráfico de drogas não atinge quadrilhas ou grandes facções criminosas, e sim varejistas. Os pesquisadores chegaram ao perfil do que seria o arquétipo do traficante comumente preso pela polícia e encarcerado pelos tribunais carioca e brasiliense. O perfil do condenado é do sexo masculino (83,9% dos casos), sem antecedentes criminais (66%), tendo sido preso em flagrante (91%) e sozinho (60%). Em apenas 14,5% dos casos há posse de arma no momento da prisão; e em 71% apreende-se cocaína – a droga é apreendida sozinha, sem demais narcóticos em 37% das prisões.

Também segundo a pesquisa, essa modalidade de crime envolve cada vez mais mulheres. Entre os estrangeiros mais envolvidos estão angolanos e colombianos. Também constatou-se que, no Rio, as drogas mais encontradas foram maconha e cocaína. Em Brasília foi identificada a presença da merla, um derivado da cocaína. “O varejista está na linha de frente, portanto é mais fácil de ser identificado e preso. Isso não acontece somente aqui, mas em todo o mundo. No Rio, eles respondem por mais de 90% dos presos em flagrante. O que isso quer dizer? Que não se faz investigação. Nossos policiais prendem aqueles varejistas nos quais ‘tropeçam’. Não há trabalho de inteligência e essa realidade já é aceita”, diz.

Como explica a docente, “em qualquer lugar do mundo, o varejista é mais fácil de prender”. Além disso, “a repressão serve como pretexto para a maior intervenção e o aumento da letalidade das operações policiais. As operações no Rio são contraproducentes. Não inibem o mercado ilícito, poucos são presos e muitos são mortos”, avalia a professora.

Para Luciana Boiteux, o Brasil é um país de proibicionismo moderado, que se vale da incriminação e punição da posse e do tráfico de drogas, tendo como foco o controle penal. Mas em relação ao usuário, utiliza um paradigma médico-sanitário, de tratamento e despenalização. Boiteux explica ainda que houve  grande dificuldade, inicialmente, pois o Poder Judiciário não é aberto à pesquisa. “Tivemos apoio do presidente do Tribunal de Justiça. Aqui no Rio conseguimos o apoio de todos os juízes. Não fizemos amostragem, e sim, conseguimos todas as sentenças. Somando Rio e Brasília, conseguimos acesso a 730 sentenças de primeira instância”. As equipes pesquisaram também na Justiça Federal, tribunais de segunda instância, Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No entendimento da especialista, a segurança pública deveria ser sinônimo de segurança humana. Como propostas para a mudança de paradigma nas políticas públicas sobre as drogas, Boiteux recomenda, entre outras medidas, a busca de alternativas para os varejistas se reinserirem na sociedade formal e o aumento de investimentos na política de reparação de danos ao usuário; descriminalização do uso não-problemático de drogas; diferenciação entre usuário e traficantes estabelecida através da quantidade de droga apreendida e distinção no enquadramento penal para o comércio de drogas leves e pesadas.

A conclusão da pesquisa, de acordo com a professora, é de que o paradigma de política de guerra às drogas deve ser superado, pois prevê o uso da violência e a eliminação física, como uma estratégia militar. Esse discurso de enfrentamento, combate, guerra se incorpora ao vocabulário da sociedade. “Essas políticas são irracionais, imediatistas e não refletem uma visão humanista. É uma concepção militarista no seu pior sentido. Há necessidade de inclusão social, para não sermos a ‘Cidade Partida’ de que fala (o escritor e jornalista) Zuenir Ventura”, conclui Boiteux, em referência ao livro “Cidade Partida”, do autor citado.

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