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Edição 261      04 de julho de 2009


Olho no Olho

Privatização das teles: 11 anos depois

Aline Durães e Vanessa Sol

 

Até seis anos de espera para obter uma linha de telefone fixo; preços que, no mercado negro, chegavam a 10 mil dólares por assinatura; celulares restritos aos poucos consumidores que podiam pagar as taxas exorbitantes cobradas pelo aparelho móvel. Para os mais jovens, fica difícil conceber essa realidade, mas, até 1998, era assim que a rede de telefonia funcionava no Brasil.
Controlado pelo Sistema Telebrás, que reunia, entre outras, a Telerj, a Telesp, a Telebrasília e a Embratel, o setor público de telefonia não conseguia atender os milhares de brasileiros que utilizavam telefones. Para melhorar e modernizar os serviços, o então presidente Fernando Henrique Cardoso promoveu a maior privatização da história do país e levou a leilão o controle de três holdings de telefonia fixa, uma de longa distância (a Embratel) e oito de telefonia celular, arrecadando cerca de 22 bilhões de reais para os cofres públicos.

De lá para cá, os serviços passaram por um processo de popularização. Hoje, as operadoras oferecem mais de 10 milhões de linhas fixas. No que se refere à telefonia móvel, as mudanças foram mais evidentes: no final de década de 1990, havia cerca de 7 milhões de assinantes desse serviço. Atualmente, mais de 100 milhões de aparelhos circulam pelo país.

Apesar disso, o setor enfrenta dificuldades. Se, por um lado, o preço das linhas telefônicas caiu, as tarifas cobradas pelo serviço verificaram altas significativas. A qualidade do serviço prestado também ainda é questionável. Tanto é que as operadoras de telefonia são as campeãs de reclamações junto aos órgãos de proteção ao consumidor. Uma delas, a Telefônica, lidera há três anos consecutivos o ranking de queixas do Procon de São Paulo.

Dados como esses levam muitos especialistas a crer que a privatização, na verdade, foi apenas um mecanismo utilizado pelo governo federal para passar adiante a responsabilidade de solucionar os problemas da telefonia no Brasil. Para discutir essa questão, o Olhar Virtual conversou com Luiz Carlos Prado, professor do Instituto de Economia da UFRJ, e Marcello Luiz Rodrigues de Campos, professor do Programa de Engenharia Elétrica do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe).

“Podemos enumerar algumas oportunidades perdidas com a privatização. O Brasil poderia ter feito uma grande empresa nacional de telefonia, mas não fez.”

Luiz Carlos Prado
Professor do Instituto de Economia da UFRJ

“A discussão da privatização deve ser vista a partir do contexto do período em que foi realizada. Na época, a avaliação foi a de que não havia recursos por parte do Estado para a ampliação do setor de telefonia. A privatização seria, então, um caminho de investimentos. Seria uma forma também de obter recursos em dólar, que contribuiriam para equalizar a balança brasileira de pagamentos. A decisão foi menos pautada nas falhas do sistema público de telefonia e mais na necessidade de uma reforma do Estado, de modificação do papel do Estado dentro da Economia brasileira.

É claro que houve mudanças, já que a oferta de serviços telefônicos foi ampliada. Isso tem um papel social importante na medida em que levou telefone para setores da população sem qualquer acesso a ele. Mas não temos como comparar o modelo atual com o anterior. Me parece que esse tipo de comparação é um pouco restrita. As mudanças tecnológicas verificadas nos últimos onze anos foram muito grandes. A discussão não pode girar em torno do que a telefonia seria se a privatização não tivesse sido promovida.

A grande crítica que eu tenho em relação à privatização é ela integrar uma visão simplista que defendia o desenvolvimento econômico como uma consequência da transferência da telefonia do setor público para o privado sem refletir a respeito de uma interação maior entre Estado e sociedade. A opção não é Estado ou mercado. Existem várias formas possíveis de participação do mercado que envolvem também a presença do Estado.

Podemos enumerar algumas oportunidades perdidas com a privatização. O Brasil poderia ter feito uma grande empresa nacional de telefonia, mas não fez. Poderia também ter usado esse processo de mudanças para alcançar objetivos em determinadas áreas, como a internet, por exemplo.

Os direitos e obrigações das empresas ainda não estão bem definidos. Embora a Anatel seja uma agência reguladora importante com grandes avanços ao longo dos anos, ela tem suas limitações. Para que o controle desse setor funcione, é necessário estar mais definido o que se espera das operadoras, bem como as penalidades a que serão submetidas caso não cumpram seus deveres. Deve haver um grande planejamento e avanços no marco regulatório desse setor. Por exemplo: a área de telefonia é rentável em regiões de renda elevada, mas em regiões de periferia não. Se não houver regulação estrita, as empresas vão prestar serviços de forma diferenciada. Regular, no entanto, não é fácil.

Não adianta discutir agora se a privatização foi boa ou ruim. Temos que dizer quais os desafios e os caminhos alternativos desse processo. Importante destacar que, hoje em dia, não se tem como discutir apenas a telefonia. Ela está dentro de um sistema de convergência de novas tecnologias. Nesse sentido, o principal desafio hoje das operadoras é ampliar o acesso e aumentar a velocidade da banda larga no Brasil, em especial nas regiões mais afastadas. O telefone é importante, mas era agenda do século XX. A agenda do século XXI é a internet.”

 

“Ainda que os avanços no setor sejam marcados, em muitos casos, por baixa qualidade de serviço e pela concentração nos centros urbanos, a distância tecnológica entre o Brasil e os países do primeiro mundo diminuiu nestes últimos anos.”

Marcello Luiz Rodrigues de Campos
Professor do Programa de Engenharia Elétrica da Coppe

“As privatizações introduziram dinamismo no setor, que agora consegue acompanhar mais de perto a evolução da tecnologia e prover o serviço com maior rapidez. O setor de telecomunicações é caracterizado por um mercado forte e que tem capacidade de estabelecer padrões e, de certo modo, se autorregular. Os avanços tecnológicos surgem rapidamente e não há espaço para estratégias engessadas de investimento e operação.

Em pouco mais de uma década vimos a introdução da segunda e da terceira gerações de comunicações móveis, acesso com banda larga à rede internet, televisão de alta definição etc. Ainda que os avanços no setor sejam marcados, em muitos casos, por baixa qualidade de serviço e pela concentração nos centros urbanos, a distância tecnológica entre o Brasil e os países do primeiro mundo diminuiu nestes últimos anos. As principais conquistas foram no acesso à informação, seja via computador, televisão ou telefone.

Para democratizar o acesso às telecomunicações, como, por exemplo, a banda larga, é necessário haver maior investimento por parte das operadoras dos serviços e o controle mais eficiente por parte das agências reguladoras. Uma das grandes reclamações da população é a falta de qualidade dos serviços prestados pelas empresas dessa área que, em muitos casos, têm um alto custo.

Infelizmente o alcance dos serviços ainda é bastante restrito no Brasil, e mesmo nos centros urbanos a qualidade ainda é baixa. A infraestrutura existente é muito ruim, basta olhar para os postes por onde passam os cabos de televisão e telefonia. Mesmo nos edifícios mais novos, não há previsão adequada para a passagem de cabos, e as instalações são muito malfeitas e improvisadas. De todo modo, a competição entre as várias alternativas de acesso tem feito com que as empresas se mobilizem para melhorar a qualidade do serviço. Cabe à população exigir serviços de mais alta qualidade e cabe ao poder público fiscalizar e fazer valer os direitos dos cidadãos.”

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