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Edição 306      3 de agosto de 2010


Ponto de Vista

Os desafios das UPPs

Daniel Barros

Foto: Marco Fernandes
Misse: ausência de outras políticas públicas nas favelas

Com a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), a Tijuca, um dos mais tradicionais bairros do Rio de Janeiro, começa a perder a imagem negativa adquirida por conta da violência do tráfico nas favelas que cercam o local. Na última sexta-feira (30/07), a polícia ocupou o Morro do Salgueiro para a construção da 11ª UPP. A iniciativa é reconhecidamente louvável do ponto de vista da segurança pública, mas o sociólogo Michel Misse, professor associado do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs-UFRJ), lembra que a UPP não foi responsável pela diminuição do tráfico nos morros que vêm sendo ocupados. “O número de traficantes nessas regiões diminuiu após uma política repressiva e violenta que levou à morte uma média de 10 mil pessoas oficialmente, sendo cerca de quatro mil crianças e adolescentes”, comenta o professor, que dirige o Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana (NECVU).

Segundo Misse, o tráfico de drogas no Rio de Janeiro não deixará de existir. Afinal, enquanto houver demanda, haverá oferta. O que diminuiu foi o tráfico associado ao poder ostensivo sobre os moradores das comunidades e conflitos intermitentes entre os traficantes pelo domínio desses territórios. “Tem gente vendendo drogas no Santa Marta (morro de Botafogo, primeiro a receber a UPP), só não tem mais aquele controle de território, ostensivo, armado”, esclarece o professor do Ifcs. Ele afirma que a diminuição desse estilo tem origem no crescimento do tráfico de drogas na classe média, assim como maior consumo de drogas sintéticas, em detrimento da cocaína.

O sociólogo frisa que há três comunidades no Rio de Janeiro plenamente dominadas por traficantes, onde a implantação de UPPs será muito mais difícil: Jacarezinho, Complexo da Maré e do Alemão. Misse diz que, nessas comunidades, o tráfico não parece estar em declínio como nos morros que já foram ocupados para a instalação das UPPs. Mas ele também lembra que o Governo do Estado promete levar a UPP até mesmo às comunidades em situação mais complexa.

Favela ou asfalto?

Na entrevista ao Olhar Virtual, Misse questiona se o Estado, através das UPPs, está chegando para proteger os moradores das favelas ou os do asfalto. Dentre as dez UPPs já instaladas, quatro delas estão na Zona Sul, região nobre da cidade. Para Misse, o benefício para as populações próximas deveria ser consequência de políticas públicas visando ao bem-estar dos moradores da comunidade. Portanto, as favelas deveriam receber também iniciativas na área de educação, saúde e saneamento básico, como qualquer outro bairro. E ele é taxativo ao dizer que isso não está acontecendo.

Para o sociólogo, o relacionamento entre os moradores e o efetivo policial destinado a proteger o morro também pode ser um indício de uma política mais voltada para o asfalto do que para a favela propriamente dita. “Se a polícia consegue se tornar confiável para os moradores da favela, o projeto será bem sucedido. Se não, estará fadado a se desfazer em uma ou duas gestões de governo”, afirma ele. A proposta inicial do Governo do Estado de levar policiais recém-treinados às UPPs agrada o professor, mas ele teme que a truculência usual não seja extirpada da relação entre a polícia e a comunidade.

Observatório de Conflitos

A preocupação com essa relação conturbada acha amparo no Observatório Permanente de Conflitos Urbanos da Cidade do Rio de Janeiro, sob coordenação dos professores Carlos Vainer e Henri Acselrad, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur-UFRJ).

A partir de uma pesquisa no website do projeto, no dia 03/08/2010, foram localizados na área de segurança pública, sob o termo “UPP”, quatro conflitos, sendo três deles protestos de moradores contra  ações específicas de policiais da UPP em Ipanema, Botafogo e Copacabana. Vale lembrar que o Ippur, nesse projeto, parte do princípio de que conflito é uma manifestação coletiva.

Carlos Vainer, um dos coordenadores do Observatório no Rio de Janeiro, afirma que o banco de dados é um bom ponto de partida para a articulação de políticas públicas para a cidade, mas lamenta que não haja fundos para a expansão do programa para toda a Região Metropolitana. A iniciativa já existe em diversas outras cidades brasileiras. O Observatório, no Rio de Janeiro, é financiado pela Câmara de Vereadores.

 


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