Olho no Olho

Governo pretende legalizar imóveis em favelas do Rio de Janeiro

 

Vanessa Sol

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No início desta semana, o governo federal anunciou que fará o cadastramento das famílias que residem em favelas, no Rio de Janeiro, visando à legalização fundiária das áreas. As primeiras a serem submetidas a tal medida serão a Rocinha e o Vidigal. O governo alega que esta é uma forma de conter a expansão das favelas.

Para saber qual a importância da legalização, os interesses que estão por trás dela e se estas ações serão realmente eficazes na contenção do crescimento das favelas, a equipe do Olhar Virtual entrevistou os professores Sérgio Magalhães, do Departamento de Projeto de Arquitetura, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), e o Carlos Bernardo Vainer, diretor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR).

 

 

Carlos Bernardo Vainer
Diretor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR)

"O processo é complexo porque, por um lado, identificamos e achamos importante que seja reconhecido a essas pessoas o direito de exercerem a propriedade sobre terras que ocupam há tantos anos. E achamos fundamental entender que a favela é parte da cidade e que, portanto, sobre ela deve vigir regras de reconhecimento de sua legalidade e legitimidade urbana.

Por outro lado, temos mais de um milhão de favelados na cidade, onde o principal problema não está nas áreas mais valorizadas, pelo contrário, está localizado nas áreas mais empobrecidas. Se quiserem fazer um programa extensivo é necessário que se comece pelas áreas mais necessitadas, que abrigam uma população com maior quantitativo de pobres. Por que isso não acontece? Não acontece porque, na verdade, o que move a pretensão de se fazer a regularização fundiária destes locais, não é enfrentar a questão de urbanização das favelas nem resolver os problemas dos favelados.

Trata-se de uma questão fundiária, legal e institucional, que favoreçam à expansão do capital imobiliário nas áreas mais valorizadas da cidade, que estão ocupadas pela população carente. O que queremos é que essas pessoas tenham direito de permanecer onde estão e não serem expulsas, vítimas do que se chama de “expulsão branca”. Ela não é um ato aberto. Ela é o aburguesamento de áreas; é a expulsão pelo mercado. Para que o mercado possa operar e “expulsar” as pessoas carentes desses locais, é necessário que a propriedade privada esteja instalada e legalizada. O mercado quer incorporar um mercado paralelo de imóveis, que existe hoje nas favelas.

Nós queremos uma cidade onde as diferentes classes possam conviver sem a segregação.

O governo deve investir em políticas que forneçam crédito à população para que elas possam ter acesso à moradia. O governo deve investir também na urbanização das favelas. Se você quer, de fato, reconhecer o direito universal da propriedade a essas populações, tem que mudar a legislação de imóveis, pelo menos nas zonas especiais de interesse social. Nessas áreas o registro deve ser feito de maneira simplificada em função dos custos."

Sérgio Magalhães
Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU)

"A legalização dos imóveis é importante, mas não pela questão da contenção do crescimento das favelas. A importância de legalizá-los, decorre, em primeiro lugar, do fato de acarretar maior segurança para as famílias que construíram suas casas nestes locais. Depois, porque ajuda trazer para a legalidade uma parte expressiva dos imóveis que estão na irregularidade urbanística ou fundiária. Isso é bom para a cidade, que precisa ampliar sua base legal.

Mas como efeito para reduzir a expansão das favelas ou impedir que elas se ampliem, a medida não funciona. Se houver alguma virtude, será pouco expressiva neste sentido.

O que vai permitir que as favelas não cresçam é a existência de política habitacional que ofereça crédito universalizado às famílias de modo que elas possam ter acesso a uma moradia, do ponto de vista legal, segundo suas condições e interesses de lugar, de tipologia e de acordo com suas possibilidades.

Em termos de infra-estrutura, a legalização proposta pelo governo é desvinculada disso. O que faz a infra-estrutura é um projeto de urbanização.

Os projetos de favela bairro fizeram a urbanização destes locais, portanto, criaram a infra-estrutura, que, de um modo paralelo, se tratou da regularização da propriedade, que tem uma complexidade enorme por questões burocráticas e cartoriais. É extremamente complicado regularizar. Em alguns casos, há inúmeros impedimentos, praticamente, intransponíveis. O fato de o governo se preocupar com a regularização é uma demonstração de que o assunto pode entrar na pauta, mas de modo muito marginal. O governo programou R$ 4 milhões para o cadastramento das famílias e só liberou pouco mais de R$ 1 milhão e mesmo assim uma parte deste montante estão disponibilizados como verbas para a segurança dos jogos Pan-americanos. Há uma mistura de assuntos, que demonstra como o governo está perdido nas questões urbanas, das favelas e de cidade."