Ponto de Vista

Dura realidade: o tempo passa para todo mundo

Kadu Cayres

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Correr na praia. Fazer bronzeamento artificial. Passar no shopping. Tingir os cabelos. Tudo isso para comemorar e disfarçar o 65º aniversário. Hoje em dia, essa talvez seja a realidade de muitos idosos, que não se conformam com a passagem do tempo, e resolvem aderir aos novos padrões sociais.

A terceira idade é um momento diferente na vida do ser humano. Atividades novas, desafios, mudanças drásticas no cotidiano e algumas limitações. Idosos que não se acostumam aos novos ajustes desta fase acabam enfrentando problemas de convívio e saúde. Numa breve reflexão há de se convir que, atualmente, admitir a velhice deve ser algo angustiante, pois cada vez mais a sociedade prestigia o novo e renega o velho.

Para falar sobre o assunto, a equipe do Olhar Virtual entrevistou a professora da Escola de Serviço Social da UFRJ, Sára Nigri Goldman.

 

Olhar Virtual: Hoje em dia está sendo mais difícil aceitar a velhice?

Sára Goldman: Entendemos que o envelhecimento, enquanto fenômeno social em toda a sua complexidade, há de ser compreendido de forma multidisciplinar, como resultante de um conjunto de determinantes biológicos, econômicos, sociais, políticos e ideológicos que ocorrem na correlação de forças e contradições engendradas pelo modo de produção capitalista.

Como fenômeno historicamente determinado, sofre as injunções da conjuntura que tende a valorizar a juventude, preterindo a velhice ao que Simone Beauvoir denominou de "conspiração do silêncio":

“Para a sociedade, a velhice aparece como uma espécie de segredo vergonhoso, do qual é indecente falar (...). Com relação às pessoas idosas, essa sociedade não é apenas culpada, mas criminosa. Abrigada por trás dos mitos da expansão e da abundância, trata os velhos como párias”. (1990:8).

Evidencia-se que, se as sociedades sob a lógica do capital tendem a transformar as pessoas em mercadorias, reduzem os velhos à condição de mercadorias descartáveis.

Olhar Virtual: Qual é a origem desta dificuldade? Pode-se dizer que a sociedade do consumo em que vivemos, é uma das responsáveis?

Sára Goldman: Falar do envelhecimento do outro é, certamente, muito mais fácil do que falar de nosso próprio envelhecimento. A velhice costuma estar associada a, pelo menos, duas questões difíceis: a fragilidade da saúde e a proximidade da morte.

As doenças que mais acometem os idosos são crônicas e degenerativas, como a diabetes e a hipertensão. Por outro lado, lidar com a proximidade da morte não é um dos temas mais agradáveis. A população que chega a alcançar idade mais elevada encontra dificuldades em se adaptar às condições de vida atual, pois, além das dificuldades físicas, psíquicas, sociais e culturais decorrentes do envelhecimento, sente-se relegada a plano secundário no mercado de trabalho, no seio da família e na sociedade em geral. Essa contradição é agravada por fatores culturais que idolatram o moderno, o novo, o jovem e ridicularizam o antigo e o velho. Assim, o idoso se depara com problemas de rejeição da auto-imagem e tende a assumir como verdadeiros os valores da sociedade que o marginaliza. Dessa forma, a marginalização do idoso se processa ao nível social e é muitas vezes assumida pelo próprio idoso que, não tendo condições de superar as dificuldades naturais do envelhecimento, se deixa conduzir por padrões preconceituosos que o coloca à margem da sociedade.

Olhar Virtual: De que maneira a mídia contribui para essa não aceitação da velhice?

Sára Goldman: A mídia assumiu um papel fundamental ao associar o jovem ao que é belo, dinâmico e criativo, e ao velho o que é decadente e ridículo. Mas como o contingente idoso está se revelando como uma faixa de consumo rentável, os meios de comunicação passaram a dar um enfoque mais respeitoso aos idosos.

Por outro lado, o movimento social do idoso tem se revelado como um grupo de resistência e luta contra o preconceito, e a favor da garantia dos direitos consignados no Estatuto do Idoso.

Olhar Virtual: Quem demora mais a aceitar a velhice: o homem ou a mulher?

Sára Goldman: Certamente, a questão de gênero traz diferenças na forma de viver e de aceitar a velhice. As mulheres que hoje estão na faixa dos sessenta anos, patamar inicial da terceira idade, viveram a chamada "revolução sexual". E muitas assumem ou assumiram funções no mercado de trabalho. Elas tendem a apresentar um comportamento diferenciado das mulheres que estão na casa dos oitenta anos.

Os homens costumam sofrer impactos mais fortes por ocasião da aposentadoria que coincide, muitas vezes, com a velhice.

As mulheres têm mais facilidade de formar novos grupos, o que torna a velhice mais solidária.

O cuidado com a saúde e com a estética tem sido mais cultivado entre as mulheres.

Talvez possamos dizer, que assumir a própria velhice seja um exercício difícil para homens e mulheres.

Olhar Virtual: Na sua opinião, vale tudo para driblar a velhice?

Sára Goldman: Na verdade, estou cansada da sociedade do vale tudo, do consumo desenfreado, do levar vantagem em tudo, do driblar o que quer que seja.

Entendo que temos a missão de nos cuidar, de cuidar do próximo, de cuidar do meio-ambiente, de cuidar de um mundo em que seja possível viver sem miséria, violência e desigualdade social.

Gostaria de me remeter, mais uma vez, à Simone Beauvoir que nos advertiu “ser impossível uma sociedade justa para os velhos numa sociedade permeada por injustiças sociais, como é a nossa”. Claro que uma nova forma de sociedade é um projeto distante, mas, quem sabe, possível.

Marcuse (1970) já nos dizia em suas Cinco Conferências: “hoje temos a capacidade de transformar o mundo em um inferno e estamos em caminho de fazê-lo. Mas também temos a capacidade de fazer exatamente o contrário”. É nessa segunda possibilidade, que, esperançosamente, apostamos todas as fichas.