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Pré-vestibular comunitário: muito além da aprovação

Priscilla Bastos

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O modelo de Vestibular da maior parte das universidades brasileiras é considerado injusto e desigual, prejudicando os segmentos menos abastados da sociedade, que não têm condições de pagar cursos preparatórios para seus filhos. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também tem seu concurso de acesso aos cursos de graduação no modelo tradicional, mas conta com projetos que possibilitam a inserção de alunos de comunidades carentes: os pré-vestibulares comunitários. Não é só a UFRJ que conta com esse tipo de projeto, mas, na universidade, três deles apresentam maior destaque: o pré-vestibular Samora Machel, o de Nova Iguaçu e o do Caju.

Nascido em 2002, quando a Fundação Ford abriu um programa nacional de apoio à pré-vestibulares comunitários, o Samora Machel aprovou cinco alunos no Vestibular 2007 da UFRJ. O coordenador e responsável pelo projeto, professor João Massena, do Instituto de Química, trabalhou em Moçambique durante oito anos e, quando retornou ao Brasil e entrou para a UFRJ, decidiu atuar nessa área. O nome do curso homenageia o primeiro presidente de Moçambique após a independência política da ex-colônia portuguesa, morto em outubro de 1986.

Em 2007, o Samora Machel trabalhará com 200 alunos, o que é um novo passo para o curso, que, até o ano passado, tinha 50 estudantes. "Geralmente começamos com 50 alunos e terminamos com 30, 35. Por já termos adquirido certa experiência, decidimos abrir mais vagas", explicou João Massena. As aulas do pré-vestibular começaram ao mesmo tempo que as da universidade, no mês de março. Agora, com o aumento no número de estudantes, o curso será realizado no bloco F do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN), na Ilha do Fundão, sempre no período noturno.

Alunos da UFRJ contribuem com os projetos

O pré-vestibular tem seu trabalho focado nas pessoas que morar no entorno da Ilha do Fundão, mas o professor conta que há estudantes de regiões mais distantes: "a maioria é de alunos da rede pública de ensino, cuja renda per capita familiar não ultrapasse um salário mínimo". O trabalho do curso tem ênfase na UFRJ, mas também prepara para os outros vestibulares. Segundo Massena, além da inclusão social que o pré faz, o que mais o impressiona é o trabalho desenvolvido com os próprios alunos da universidade, que dão aulas no projeto.

No Samora Machel, alunos de graduação e pós-graduação, principalmente dos cursos de licenciatura, dão aulas para os vestibulandos. "Atualmente, trabalhamos com 21 alunos de graduação e dois de pós da Faculdade de Educação. Ao todo, temos 10 bolsistas, que dão aulas em três ou quatro turmas, e 11 voluntários, que ficam, geralmente, com uma turma", explicou o coordenador. Para ele, esse processo é uma experiência ímpar para os estudantes da UFRJ, valendo muito mais que a disciplina de prática de ensino que eles aprendem nas salas: "Já passaram por aqui mais de 100 alunos da universidade. Muitos não se achavam capazes de dar aulas e hoje são professores de alto nível".

Os pré-vestibulares comunitários do Caju (CPV-Caju) e de Nova Iguaçu também trabalham com alunos da UFRJ. No primeiro, são 18 alunos de graduação, três de mestrado e um de doutorado. Mas se engana quem acha que esses cursos realizam apenas aulas focadas na aprovação no vestibular. O trabalho deles vai muito além, pois buscam formar uma consciência crítica e passar noções de cidadania aos estudantes. “No CPV de Nova Iguaçu é realizado um plano de atividades - seminários, oficinas, aulões, palestras, encontros, aulas-campo, grupos de trabalho- relacionado ao âmbito do ensino/aprendizagem das diferentes disciplinas que compõem a grade do CPV, enfocando tanto a didática e a metodologia do ensino como o conhecimento do conteúdo programático, sem esquecer de priorizar o acesso a capital cultural simbólico, em seus aspectos cultural e histórico”, explicou o Ary Pimentel, professor da Faculdade de Letras e coordenador do projeto.

O CPV-Caju foi concebido a partir de uma pesquisa do Instituto de Economia da UFRJ, que localizou como uma grande demanda nas nove comunidades que hoje formam o bairro do Caju a presença de um pré-vestibular. “O contato com a Light, que apoiou o projeto, surgiu desta pesquisa e, desta forma, em 2004, as Associações de Moradores do Caju procurou a Pró-Reitoria de Extensão para solicitar o apoio visando a implantação do pré-vestibular nas comunidades do Caju. Foi, então, estabelecida uma parceria entre a UFRJ, a FIRJAN e as Associações de Moradores do Caju”, explicou o coordenador do CPV-Caju, Pedro Paulo Gastalho de Bicalho.

Integração universidade/comunidades

Em 2005, a Divisão de Integração Universidade Comunidade, da Pró-Reitoria de Extensão (PR-5), inaugurou o projeto piloto do pré-vestibular comunitário, com a abertura de duas turmas. Um ano depois, o projeto chegou à Nova Iguaçu, onde funcionam nove turmas, em uma parceria da universidade com a prefeitura. A estrutura física e de pessoal dos cursos é muito boa, o que ajuda àqueles que, na maioria das vezes, só imaginavam alcançar, no máximo, a conclusão do Ensino Médio. “Entendemos que tal questão não deve ser individualizada ou percebida como 'falta de motivação', mas como resultado de uma política que 'ensina' que, a estes jovens, não cabe a universidade”, afirmou o coordenador do CPV-Caju. Os benefícios dos projetos não se restringem aos vestibulandos, mas à ambas as partes, pois quem dá aula aprende muito com os alunos, conhecendo, também, a realidade das comunidades carentes.

Muitas dificuldades giram entorno dos cursos. Além das limitações financeiras dos alunos, há outros fatores que contribuem para sua evasão. Muitos alunos têm de abandonar as aulas porque conseguiram um emprego e não têm como conciliar; há também pessoas que desistem, pois tiveram um Ensino Médio muito ruim e não se acham capazes de prestar vestibular, e até mulheres que deixam o curso porque precisam cuidar dos afazeres domésticos.

“Em 2006 o CPV-Caju atendeu 115 jovens. Destes, 20 permaneceram até o fim do curso e, dos 20, 12 são hoje universitários da UFRJ, UERJ, UFF, Uni-Rio e PUC (este último com bolsa integral)”, relatou Pedro Paulo. Por isso, os pré-vestibulares comunitários vão muito além da aprovação no Vestibular, como elucidou o coordenador Ary: “o objetivo principal que norteia as práticas didático-pedagógicas do CPV de Nova Iguaçu é proporcionar aos alunos uma formação suplementar, de modo a preencher as lacunas deixadas no Ensino Médio com conteúdos essenciais para o desenvolvimento geral do estudante de origem popular. Visa também fomentar a sedimentação de atitudes e valores voltados para a transformação da realidade social, estimulando cada integrante do projeto a (re)pensar criticamente a sociedade brasileira e o mundo”.