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A conta alta do Neoliberalismo

Rodrigo Ricardo

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“Não é possível retroceder os ponteiros da História, mas precisamos restaurar alguma linguagem utópica, mesmo que ela seja tão antiga quanto à Revolução Francesa”, destacou o professor emérito da UFRJ, Carlos Lessa, durante a abertura do seminário “Alternativas ao Neoliberalismo na América Latina II”, na última quinta-feira (12/7). Proferida às vésperas do conhecido 14 de Julho — data que marca a queda da Bastilha —, a declaração aponta que a busca por liberdade, igualdade e fraternidade ainda pode ser um antídoto frente à inserção passiva das pessoas ao reinante sistema econômico. A abertura do evento, organizado pelo Centro de Ciência Jurídicas e Econômicas da universidade (CCJE/UFRJ), contou ainda com o economista chileno Oswaldo Sunkel, que frisou a necessidade de se ressuscitar o pensamento crítico, mas renovado.

Ex-presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Social (Bndes), Lessa centrou sua análise nos negativos impactos sociais da atual política econômica brasileira. Através de dados recém-divulgados pelo Ministério da Justiça para o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), traçou um paralelo entre criminalidade e desemprego. “Todos os anos, 25 mil jovens, entre 18 e 29 anos, incorporam-se à população carcerária. Estes, quando libertos, em 70% dos casos cometem reincidência. Resultado, o governo irá gastar R$ 1 bilhão na construção de 187 prisões. Não é à toa que o PCC (Primeiro Comando da Capital) paralisou a maior metrópole latino-america (São Paulo) por quatro dias”, constatou o economista, frisando que não há a menor hipótese desse contingente juvenil ser absorvido pelo mercado de trabalho com a taxa de crescimento do país, oscilando entre 3,5% e 4%. Hoje, há cerca de 4,5 milhões pobres, desempregados e sem estudo numa faixa de risco, onde a falta de perspectivas conduz ao banditismo.

Integrante da Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal), Sunkel classificou o prosseguimento do neo-liberalismo como um crime e que o controle da inflação acabou se tornando um mito prejudicial. “Há enormes argumentos contrários a esse paradigma: a persistente pobreza, a precarização do emprego e a dramática deterioração do serviço público”, disparou o economista chileno, elencando a explosão midiática consumista como outra nefasta conseqüência, assim como a violência, drogas e emigração. “Isto está levando o ser humano a um alto grau de desespero”.

Pilares do Estado

O antiestatismo pregado pelo Consenso de Washington — a reunião que, em 1989, definiu as diretrizes neo-liberais (redução dos gastos públicos, reforma tributária, desregulamentação das leis trabalhistas, juros e câmbio de mercado, etc) — não foi poupado por nenhum dos palestrantes. “A privatização está demolindo os fundamentos do Estado. A desnacionalização industrial, por exemplo, é absolutamente absurda. Se olharmos os insuspeitos números, veremos que, em 1985, a presença estrangeira era de 31% e agora chegou aos 40%. A renda proveniente do trabalho que, nos anos de 1980, era de 50% passou para 39%. A soberania está se decompondo, levando-nos a uma dimensão de urgência”, argumentou Lessa.

Para Sunkel, o Estado precisa ser, além de regulador, promotor de políticas sociais universais para acabar com desigualdade e não perder de vista a questão ecológica. “Assegurar estabilidade de preço, mas de emprego também com uma política fiscal que incentive o desenvolvimento produtivo. Os governos precisam fazer exercícios de planificação estratégica”.

Venezuela

Amigos de longa data, do tempo em que trabalharam juntos na Organização das Nações Unidas (ONU), Lessa e Sunkel só discordaram em relação à sustentabilidade econômica venezuelana e às opiniões sobre o seu líder. Para o brasileiro, Hugo Chávez traz um componente inovador e está longe de ser um populista, batizado assim pela falta de uma definição melhor por parte dos meios de comunicação. “A Venezuela é um país extremamente viável. Eles têm um excedente econômico e qualquer gestão um pouco mais competente pode produzir coisas muito boas. Isso não é difícil, porque a Venezuela tem plata”, sublinhou Lessa, em portunhol, lembrando ao colega que o governo de Caracas conseguiu um enorme lucro com a compra de títulos argentinos, durante a grave crise dos hermanos. Questionado sobre a melhora dos índices sociais venezuelanos e possibilidade do seu petróleo semear desenvolvimento, Sunkel respondeu que o ouro negro não é eterno e que não vê uma estrutura produtiva alternativa sendo criada. “Não há mecanismos de controle das verbas públicas, provocando o desperdício e a corrupção. Particularmente, tenho resistência ao poder personalista e àqueles que se sentem iluminados”, pontuou Sunkel, defendendo que na vida democrática há debate e conflito.

“Mas é isso que me preocupa, ninguém discute o Brasil ou elabora um projeto a longo prazo para esta nação”, lamentou Lessa.