De Olho na Mídia

Idéias fora dos trilhos

Fernanda de Carvalho e Kareen Arnhold

O choque entre trens que ocorreu na última quinta-feira, dia 30 de agosto, em Nova Iguaçu - RJ, trouxe de volta para a mídia a questão da segurança dos transportes, assim como a situação das ferrovias no estado, pouco lembradas pelos noticiários em dias comuns. O acidente, envolvendo um trem vazio e outro lotado, ocorreu próximo à estação de Austin, na Baixada Fluminense, deixando 8 mortos e mais de 100 feridos.

Uma das composições trocava de linha no momento do choque, que ocorreu às 16:09h, segundo informações da concessionária responsável pelo funcionamento dos trens no Rio de Janeiro (Supervia). Apenas a maior delas, com 8 vagões, transportava passageiros que saíram da Central do Brasil às 15:10h. O outro trem, composto por 4 vagões, estava vazio.

Passado o momento inicial de divulgação do acontecimento, os mais diversos veículos de comunicação vêm cedendo espaço para discussões acerca das reais causas do acidente. Especialistas são convidados para levantar hipóteses de falha humana ou técnica; a manutenção dos equipamentos ferroviários é posta em questão e, claro, vítimas do acidente, assim como seus familiares, ganham voz para dar o toque dramático às reportagens.

Segundo o professor Fernando Mac Dowell, livre docente de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o acidente deixou claro a falta de segurança que existe no sistema ferroviário de transporte brasileiro. Ele afirma que, embora possa ter havido falha humana, a questão técnica da falta de segurança foi a real causa do acidente, uma vez que cálculos de distância corretos poderiam ter evitado o choque entre os trens.

“Esse tipo de acidente não poderia ter acontecido. Os dois estavam na mesma linha, só que o trem de passageiros tinha que passar por essa linha, enquanto que o outro deveria sair dela. Foi um erro de cálculo violento com relação à distância, que é um fator crucial para segurança”.

Quanto ao tratamento dado ao acidente pela mídia, Mac Dowell afirma: “Quando a imprensa quer, ela faz matérias muito boas sobre o assunto que você está desenvolvendo. Tem vezes que se fala muito, mas a coisa é simplificada e perde o senso do processo. Precisamos de editores com interesse de provocar a discussão, até mesmo para que consigamos ações por parte do governo, por exemplo”.

O sistema ferroviário do país, desde que passou para o controle da iniciativa privada, de acordo com o professor, tem se desenvolvido bastante, o que pode ser demonstrado com o transporte ferroviário de soja, que hoje supera o frete de caminhões.  “No entanto, isso não aparece na mídia”, diz Mac Dowell.

Segundo ele, no Rio de Janeiro, o transporte ferroviário é negligenciado pela imprensa porque a ferrovia tem um universo pequeno, principalmente se comparada ao sistema de transporte rodoviário, que movimenta milhares de automóveis e que envolve várias empresas.

O professor ressalta a importância de haver mais fóruns de discussão a respeito de transporte ferroviário no Rio de Janeiro, o que chamaria a atenção da população e da mídia. “Precisamos discutir para haver interesse maior. O Rio está muito parado na área de transportes, embora tenha as maiores universidades na área”.

Esta busca de visibilidade não seria uma forma de supervalorizar as questões do transporte ferroviário no estado, mas de dar a ele um espaço na mídia tão merecido quanto o dos outros temas, de acordo com McDowell.  “A imprensa tem que equilibrar todas as noticias. Violência e acidentes, por exemplo, ganham páginas e páginas, enquanto o transporte ferroviário não aparece, a não ser que haja problema. A mídia deve abordar não apenas a notícia, mas também todo o processo, os desdobramentos, apurar o que houve e que solução pode ser tomada”.