Ponto de Vista

Fim do tabu: futebol também é coisa de mulher

Julia Vieira

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O futebol é, há muitas décadas, a grande paixão nacional, mas as mulheres se mantiveram afastadas deste universo. Nas arquibancadas, nos quadros de arbitragem e dentro dos campos existia um grande preconceito com as “damas” que ousavam se arriscar em tal aventura. Os tempos são outros e segue forte a tendência de mudança de mentalidades e atitudes.

Os Jogos pan-americanos de 2007, realizados no Rio de Janeiro, deram um grande salto no prestígio para o futebol feminino. Enquanto os meninos iam de mal a pior na competição, a torcida lotava o Maracanã para ver as meninas da Seleção Brasileira jogando. Era o indício de uma drástica mudança: as mulheres vieram para ficar. Veio ainda o Campeonato Mundial, que com o brilho de Marta e Cristiane, reafirmou o encanto e deu forças para o futebol feminino.

De olho nessas mudanças, um grupo de alunos da Escola de Comunicação Social da UFRJ criou a Copa Campus Feminina, campeonato diferenciado por ser um dos pioneiros na modalidade entre as universidades do Brasil. A competição visa integrar alunas de diversos cursos da universidade usando o futebol como ferramenta de união.

Para comentar a iniciativa, o Olhar Virtual conversou com o Marcos Gaspar, professor da UFRJ, integrante do projeto Clube Escolar da Escola de Educação Física (EEFD) e Técnico da Seleção Brasileira feminina de futebol sub-17.

Olhar Virtual: O futebol feminino se desenvolveu no Brasil com um grande atraso, ficando mais popular nos últimos anos. Por que esse anacronismo?

A Ditadura Militar proibiu, em 1964, o futebol feminino. A lei vigorou até 1981 e apenas dois anos depois a modalidade foi aceita pelo Conselho de Esportes. Ao contrário do que muitos acreditavam, e ainda acreditam, as mulheres têm plenas condições de praticar o futebol, como qualquer outro esporte que desejem. Essas visões preconceituosas e machistas seguiram até o final da década de 90, quando o futebol feminino começou a quebrar barreiras. Hoje é possível ver um pai que leve sua filha para jogar futebol e apóia suas escolhas, mas, quinze anos atrás, essa era uma situação muito incomum.

Olhar Virtual: Qual a importância da realização de projetos universitários que invistam no futebol feminino?

Esse tipo de projeto é uma excelente maneira de diminuir os preconceitos e a discriminação existentes. A sociedade precisa entender que mulher também joga bola e dar acesso às universitárias a este mundo é muito importante, pois quanto maior for o número de meninas que pratica a modalidade, maior visibilidade ela terá no cenário esportivo.

Olhar Virtual: A maior divulgação do futebol feminino abre mercado de trabalho para profissionais de educação física trabalharem em um ramo diferenciado?

Atualmente existem pouquíssimos profissionais formados em Educação Física trabalhando no futebol feminino. Para que isso aconteça, deve haver uma formação diferenciada, voltada para o estudo da fisiologia feminina, que é completamente diferente do funcionamento fisiológico do homem. No Brasil, isso ainda é uma raridade, mas é muito importante que profissionais capacitados assumam esses postos para melhorar a qualidade do treinamento das atletas.

Olhar Virtual: O futebol feminino teve muito destaque em 2007. Isso colaborou para o aumento de investimentos e incentivos?

Apesar de todo o destaque da Seleção Brasileira não surgiram os investimentos esperados. Falta criar no Brasil uma estrutura bem planejada para que se organize o futebol feminino. Existem alguns poucos incentivos, mas são frutos de iniciativas isoladas, como, por exemplo, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que faz um bom trabalho, mas que ainda é ineficiente em alcance. Os clubes brasileiros não investem no potencial das meninas; elas precisam passar por inúmeras dificuldades para conseguir seguir no futebol.

Olhar Virtual: Mesmo no futebol feminino ainda é forte a presença de técnicos homens. Isso faz alguma diferença no resultado final?

Acredito que o sexo do treinador não faça a menor diferença no resultado final e no desempenho da equipe. Isso é mais uma visão preconceituosa que circula no meio. Seleções conceituadas, como a dos Estados Unidos e da China têm técnicas e são muito bem sucedidas. Acredito que as mulheres devem se especializar cada vez mais para passar a ocupar cargos que antes pertenciam apenas a homens. Havendo conhecimento e preparo, uma mulher pode desempenhar um excelente trabalho como treinadora de futebol, seja em uma equipe feminina ou masculina.