De Olho na Mídia

Como a imprensa se comporta na luta contra a Aids?

Julia Vieira

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Os jovens de 13 a 24 anos foram o tema da campanha do Ministério da Saúde lançada no Dia Mundial de Luta contra a Aids deste ano, comemorado em 1º de dezembro. Com o slogan "Sua atitude tem muita força na luta contra a Aids", a campanha pretende afirmar os direitos do jovem de viver sua sexualidade e de ter acesso ao preservativo e à informação.

A Aids é causada por um vírus – o HIV – que pode ser transmitido de uma pessoa infectada para a outra através de relações sexuais, de agulhas infectadas e durante a gestação, o parto e a amamentação. Dentro da corrente sanguínea, o HIV inicia, sem que a pessoa infectada perceba, um lento e progressivo ataque às células de defesa do organismo, enfraquecendo-o e possibilitando o surgimento de diversas doenças. Seria muito simples se o papel da imprensa fosse apenas divulgar a propagação e as formas de contágio da doença, mas não é tão simples assim.

Desde seu aparecimento, a Aids trouxe para a sociedade muitas discussões, veiculadas principalmente pela imprensa e o Olhar Virtual conversou com a professora Carla Luzia França de Araújo, Laboratório de Estudos em Política, Planejamento e Assistência em HIV/Aids (LEPPA), do Hospital Escola São Francisco de Assis (HESFA), referência em diagnósticos e tratamento de soropositivos no Brasil.

A professora, ao ser questionada sobre a abordagem da mídia, não hesitou em afirmar que o grande problema da imprensa é o fato de ela trabalhar muito debruçada sobre campanhas publicitárias. Essas campanhas são lançadas em datas simbólicas, como o 1° de dezembro, ou no carnaval, mas se diluem durante o ano. De acordo com Carla Luzia, seria necessária uma intervenção contínua e sistemática na sociedade, com o uso de filipetas, informativos e propagandas comerciais dobre DSTs e Aids. Campanhas de combate à Aids já existem desde o início da década de 90, quando tinham cunho muito informativo e vinham com a questão da morte iminente e da culpabililação muito fortes.

O desenvolvimento das campanhas reflete as discussões políticas e ideológicas dos momentos em que são veiculadas. “Quem dá o tom da cobertura midiática sobre o assunto são os movimentos sociais”, assegura Carla Luzia, que mostra não ter dúvidas sobre a importância dessas manifestações para que aconteça a cobertura da imprensa. Para a acadêmica do LEPPA, as ONGs e os movimentos ativistas na área têm uma importante articulação interna que lhes permite responder a quaisquer situações que reforcem preconceitos, exigem seu direito de resposta e têm força para organizar mobilizações de grande expressão social. A partir desta colocação dos movimentos, a mídia aprendeu a lidar com o assunto de maneira mais correta e coerente.

A abordagem da grande imprensa sofreu grandes transformações ao longo dos anos. “É impossível comparar a vida que um portador leva atualmente a que se levava há mais ou menos 20 anos atrás. São realidades completamente distintas”, lembra Carla ao verificar as mudanças ocorridas. A epidemia não está mais tão restrita como em seu início, é cada vez mais popular e próxima à realidade. Outro fator significante é a possibilidade de ter um diagnóstico sem significar que o indivíduo vai morrer no dia seguinte. “Há alguns anos, saber-se nessa condição era ter a morte anunciada. Hoje existe perspectiva de vida para os portadores, que em muitos casos levam uma vida normal”, analisa a docente.

O próprio termo de designação do portador se modificou. Quando surgiu a epidemia, os infectados eram conhecidos como aidéticos. Esta nomenclatura, assim como leproso e tuberculoso, carrega construções preconceituosas, que colocam essas pessoas à margem da sociedade. Funcionam como forma de segregar e expurgar. Até mesmo pela análise morfológica o termo é incorreto, já que é uma adjetivação de uma sigla. A expressão mais correta a ser usada é pessoa vivendo com Aids/HIV ou até mesmo soropositivo. “O primeiro termo é o que mais me agrada porque as pessoas continuam realmente vivendo com dignidade de cidadãos, independentemente da patologia que possuam. Sou a favor da mudança de nomenclatura, pois possibilita a desconstrução das tentativas de preconceito”, declara a professora.

Em 1988 foi realizado o último show de Cazuza, que se tornou um emblema da luta contra a Aids. A mídia da época tratou a doença de maneira sensacionalista e a Revista Veja estampou em sua capa uma foto dos últimos momentos de vida do artista. O sensacionalismo da grande imprensa diminuiu com o passar dos anos e a exposição de casos é muito mais tranqüila. O indivíduo tem opção de declarar sua identidade ou de mantê-la em sigilo. Na Megazine do dia 27 de novembro, jovens portadores apareceram contando suas experiências, mas sem identificação, seja por questões pessoais ou de cunho ético-legal (que impede a identificação de menores de idade).

Mas analisar a imprensa não é apenas falar de jornais e revistas. A televisão, com as novelas, e o cinema também têm papel importante nas construções imagéticas e sociais. “Nesses veículos a cobertura ainda é superficial, quando deveria ser tratada de maneira aberta e natural.” A professora ressalta ainda que falar de sexualidade ainda é um tabu na sociedade brasileira. “Na campanha do último Dia Mundial fala-se sobre a luta contra a Aids, mas não se pode falar do uso de preservativos, o que gera um grande antagonismo”.

Por mais que sejamos complacentes com as questões religiosas não se pode acreditar que as pessoas cumprirão o celibato como forma de prevenção. Carla reafirma o papel importante da imprensa para a conscientização da população quanto ao uso do preservativo, o que diminuiria os índices de contaminação. “Não podemos apostar na prevenção decente, precisamos investir massivamente em divulgação e informação. Possuímos apenas três formas de prevenção: o uso de preservativo, informação (que sensibiliza para o uso da camisinha) e o celibato”, salienta a professora que acredita “enquanto houver influência da religião no assunto não serão feitos grandes avanços na cobertura midiática nem na redução dos quadros atuais da doença”.

Como detectar a doença e realizar o tratamento?

Segundo Carla Luzia, a mídia divulga de maneira muito precária as maneiras de se testar a condição sorológica. Os Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs) funcionam como porta de entrada e apenas realizam o teste. Caso o resultado seja positivo, o paciente é encaminhado para o tratamento. Em caso negativo, é aconselhado para que se mantenha sem o vírus. O Rio de Janeiro possui apenas três CTAs (HESFA, Rocha Maia e a Unidade Integrada de Saúde Herculano Pinheiro). No CTA do HESFA são realizados entre 800 e 1.000 exames por mês e em seu ambulatório, Serviço de Ambulatório Especializado (SAE), trata-se cerca de 800 pessoas que vivem com HIV.
Os testes podem ser regulares, com resultado em cerca de 30 dias ou rápidos, em casos emergenciais e em grávidas a partir de 32 semanas de gestação.

Para mais informações:
Disque Saúde/ Pergunte Aids – 0800 61 1997