Olho no Olho

Um grito de alerta

Aline Durães e Nathália Perdomo

imagem olho no olho

Apesar de ser uma experiência assustadora para boa parte das pessoas, a morte é, cada vez mais, encarada como o fim dos problemas para muitos indivíduos. Dados do Ministério da Saúde mostram que o Brasil, em 2001, apresentou uma taxa de mortalidade por suicídio de 4,5 mortes por 100 mil habitantes. No ano seguinte, foram cerca de oito mil os brasileiros que tiraram a própria vida. 

Embora o problema venha crescendo junto a segmentos da população, a média nacional de mortes induzidas está longe de ser considerada alta.  O Japão, por exemplo, mantém, há nove anos, uma média de 30 mil suicídios a cada doze meses. Em alguns países da Europa, o suicídio mata mais do que guerras e acidentes de trânsito.

Aqueles que já atentaram contra a própria vida são os mais vulneráveis. Pesquisas mostram que cerca de 40% dos suicidas procuram os serviços de saúde semanas antes de consumarem o ato.  Esse dado pode ser interpretado como um último pedido de socorro, mas a falta de informação dos profissionais de saúde e dos familiares, muitas vezes, prejudica a identificação do problema e a indicação de uma terapia adequada para evitar o suicídio.

Uma série de preconceitos permeia essa questão. De um lado, existe certa resistência dos potenciais suicidas em buscar ajuda psicológica. De outro, persiste o senso comum de que pessoas que tentam se matar e não obtêm êxito querem apenas chamar a atenção alheia.

O fato é que a tentativa de suicídio indica algo errado com o indivíduo, e a negligência, nesses casos, tende a produzir resultados negativos. Para comentar essa questão, o Olhar Virtual conversou com Rogério Lustosa, doutor em Psicologia e professor da Escola de Serviço Social (ESS), que enfatizou a necessidade de desmistificar a figura do paciente suicida. Entrevistamos também Benito Lopes, auxiliar de escritório, aos 60 anos, que tentou pôr fim à própria vida em 3 ocasiões. Confira.

Rogério Lustosa

Professor da Escola de Serviço Social


“A discussão do suicídio é algo que tem a ver com a cultura, com a economia, com a família, com o lado singular do sujeito, mas também com o contexto social. Em suma: tal acontecimento, se possível, tem a ver também com o tipo de vida adotado.

Dizer que uma pessoa ao tentar se matar está querendo chamar a atenção é um preconceito e não ajuda em nada, principalmente em termos da prevenção e de tratamento. Diante das tentativas de suicídio, caso queiramos realmente reverter a tendência autodestrutiva desses pacientes, acima de tudo, faz-se necessário desenvolvermos a sabedoria de darmos o devido valor às tentativas: antes de elas serem uma mera ‘manipulação’, um dito ‘ataque histérico’ e outras designações do gênero, é um signo de que algo não está bem. Por outro lado, diante delas, se não podemos desmerecê-las por tais preconceitos, também não é recomendável superdimensioná-las.

É necessário que se procure, o mais rápido possível, um tratamento psicológico para que a família e o paciente aprendam a lidar com isso e, quem sabe, busquem reverter tal tendência.

O suicida ou o paciente suicida não deve ser visto como um ‘fraco’, alguém sob o domínio de alguma força demoníaca ou outro reducionismo qualquer; ao contrário, ele é alguém que, de alguma maneira, está sofrendo, e que, devido a uma pluralidade de fatores, está nos sinalizando que pode ter algo errado na sua vida pessoal e na nossa vida coletiva, vida essa que não só foi criada pelo próprio homem, como também interessa a todos nós.”

Benito Lopes

Auxiliar de escritório


“Em 1983, eu estava trabalhando, fazendo um bico em uma festa. Quando já passava das 22h, eu fui até o dono da festa e pedi que ele me pagasse para eu poder ir embora e voltar para a casa. Ele disse que eu não poderia ir embora, falou que eu teria que ficar lá até que ele resolvesse me pagar. Aí eu corri para o banheiro e pensei em me matar. Se eu morresse, seria pior pra ele. Tomei todos os remédios que vi pela frente. O dono da casa bateu na porta dizendo que eu estava muito quieto no banheiro. Eu não conseguia mais responder. Só chorava. A esposa dele arrombou a porta, mas eu consegui sair correndo da casa. Atravessei a rua e entrei em um bar. Pedi uma dose de 51 (marca de aguardente) porque eu sabia que, quando tomasse, pioraria tudo.

Eu dizia para o dono do bar me dar a bebida porque queria ir para o outro lado da vida. Depois de ter tomado a cachaça, não me lembro mais de nada. Acordei no hospital. O médico perguntou por que eu tinha feito aquilo. Eu respondi que tinha sido uma fraqueza minha.

Tentei suicídio ainda outras duas vezes, mas nunca procurei ajuda. Quando fico deprimido, só penso em morrer. Eu acho que a morte vai sim resolver os meus problemas. As pessoas me dizem que não devo pensar em morrer para afetar aqueles que não gostam de mim, mas, se eu pudesse, já estaria morto.
A idéia de morte fica sempre na minha cabeça. Às vezes, passo noites acordado pensando nisso. Então eu rezo. A oração tira isso de mim.”