De Olho na Mídia

TV por assinatura: cotas para produção brasileira

Cinthia Pascueto – AGN/Praia Vermelha

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O substitutivo do Projeto de Lei 29/2007, relatado pelo deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ), que propõe o estabelecimento de cotas de conteúdo nacional na programação e empacotamento dos canais de televisão por assinatura, tem levantado grandes discussões na imprensa.  Recentemente, a reportagem "Querem invadir sua série", publicada pela revista Veja no dia 30 de abril, que ataca a adoção de cotas para a TV paga, foi duramente criticada pelo deputado-relator do projeto, que reclamou não ser convidado a expressar sua opinião, visto que foi dada a priori oportunidade a opositores à PL 29. Em edição posterior, no entanto, a revista abre espaço para Bittar, que será publicada no dia 7 de maio.

Para entrar na discussão, é necessário saber que Projeto de Lei tem por objetivo abrir maior espaço para a produção brasileira nos canais de TV por assinatura no país, visto que, segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), dos 10 canais monitorados, apenas 1,66% dos filmes apresentados eram brasileiros. Com a aprovação do substitutivo de lei pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, as operadoras de TV por assinatura passam a contar com 50% de canais com conteúdo nacional, sendo que cada canal internacional disponível deve dedicar 10% de sua grade à programação brasileira. Por outro lado, a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) opõe-se à PL 29, afirmando que as cotas vão encarecer o serviço aos assinantes e podem inviabilizar o exercício da TV paga no Brasil, lançando então o protesto “Liberdade na TV”.

A questão da TV por assinatura, no entanto, é mais complexa que a imposição de cotas à programação. Segundo Suzy dos Santos, professora da Escola de Comunicação (ECO/UFRJ), atualmente é quase impossível falar de uma política atual em relação aos canais pagos. “Temos diversas políticas paralelas: de um lado a Lei do Cabo, do outro as normas de Multipoint Multichannel Distribution System (MMDS), a tevê por assinatura via microondas, e Direct To Home (DTH), a via satélite. Cada serviço tem um marco institucional e jurídico próprio”, explica a professora, lembrando que na TV a cabo as regras de conteúdo são mais claras, sendo muito úteis para a diversidade na composição da grade das operadoras de TV por assinatura, como a obrigatoriedade de carregar todos os canais abertos de uma determinada região, canais universitários, comunitários e legislativos de cada região de outorga, além da obrigatoriedade do canal de filmes brasileiro. “Esta, porém, é uma política confusa, já que as regras são totalmente diferentes entre as três tecnologias de TV por assinatura, especialmente no que diz respeito a conteúdo e limites de propriedade estrangeira”, lamenta Suzy. 

Segundo a professora, além das divergências em relação à falta de uma legislação única para a TV por assinatura, no Brasil há também o problema da concentração dos serviços de programação, empacotamento e operação de canais. “Diferentemente de outros países como os Estados Unidos, Canadá e boa parte da Europa, aqui não é proibido à mesma empresa que cria um canal ser também quem vende esse canal junto a outros de um pacote e, por fim, quem distribui esses canais aos assinantes”, conta, esclarecendo que no Brasil, normalmente o conteúdo de um canal é responsabilidade da programadora e o pacote oferecido aos assinantes é responsabilidade das empacotadoras e das operadoras.

Além disso, para a professora, os baixos índices apresentados pela Ancine não afetam da maneira como fazem parecer a produção nacional de conteúdo. “Isso porque o índice de assinantes e o preço das assinaturas são proibitivos. Por outro lado, é natural que a PL procure incrementar essa produção através de vários dispositivos, cujas maiores implicações ocorreriam se envolvesse também a TV aberta”, acredita Suzy, para quem a postura da ABTA é tendenciosa e altamente contraditória. “Os mesmos empresários, através da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), assumem a posição oposta quando se trata de liberar as empresas estrangeiras de telefonia para oferecer conteúdo audiovisual no Brasil. Nesse caso, o discurso é de que a identidade nacional estaria em risco se a programação fosse majoritariamente elaborada por companhias internacionais. Há também no discurso público da ABTA um foco exclusivo na origem da programação, quando a PL 29 trata de questões bem mais profundas como must carry, propriedade cruzada, produção independente, fundo de incentivo ao audiovisual”, explica a especialista.

Suzy alega ainda que já existe a valorização da produção brasileira, pois grande parte da audiência de TV por assinatura no país está nos programas nacionais. “O programa mais assistido da TV por assinatura brasileira são os 20 minutos de Big Brother Brasil ao vivo. Os canais em português são os mais vistos. Não é à toa que o GNT está na grade master e não na grade básica da Net, assim como o Canal Brasil só entra na grade mais cara. O que falta é mais investimento das programadoras em conteúdo nacional e é isso que a PL deve incrementar. O problema é garantir que esse conteúdo não se restrinja a novos programas de televendas, cultos religiosos e programas”, destaca a especialista.

Assinantes: direito de escolha?

Em relação aos assinantes, a dúvida existente refere-se ao direito de escolha relacionado à determinada programação. Para a professora, esta seria uma afirmativa falsa. “Muita gente assina para ter notícias 24 horas, outros para ver programas educativos do tipo History Channel, National Geographic, entre outros. Direito de escolha, no entanto, seria o assinante poder montar livremente seu pacote de canais sem ter que pagar por vários outros que não assiste”, defende Suzy, que completa: “Quando opta por um serviço de TV pago, a pessoa já recebe um pacote pronto cuja programação, no caso do Brasil, é bem fraca. Ele não pode decidir, por exemplo, por não receber os vários canais de televendas ou religiosos que compõem grande parte da grade de programação da TV por assinatura brasileira. Acredito que isso ocorra porque o assinante tem baixo poder de veto, uma vez que o mercado é concentrado e há pouca concorrência”, critica.

— Quando você contrata um serviço de celular, há diversas companhias e você compara as questões relevantes e decide por uma. No caso da TV por assinatura não há essa concorrência. Os preços são altos, os pacotes de canais são fracos e pouco diversificados e a programação especial, como campeonatos de futebol, é colocada em pay per view. Então esse direito de escolha se refere ao que, mesmo? Sabe-se que os programas com maior audiência são os nacionais. Além disso, os pacotes atuais já atendem parte da cota de programação nacional exigida. A briga dos empresários é por outras questões que eles não mencionam na sua campanha contra a PL. É importante ter acesso ao debate e às questões envolvidas — finaliza Suzy dos Santos.

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