Ponto de Vista

As mesmas meninas, novas mulheres

Julia Vieira

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É cada vez maior o número de meninas que deixam para trás sua adolescência e trocam escola e brincadeiras por um filho e uma nova família. A gravidez precoce é uma alarmante realidade no Brasil, que mostra a ineficácia de controle e de conscientização da sexualidade dos jovens.

A atividade sexual inconseqüente tem diversas implicações econômicas, sociais e psicológicas. Existe o risco de contaminação por doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), a chance de uma gravidez indesejada e ainda de uma doença mais grave, incurável, como a AIDS.

Para conversar sobre o aumento dos índices de gravidez precoce, o Olhar Virtual entrevistou o professor adjunto da Faculdade de Medicina da UFRJ, José Leonídio Pereira, coordenador do projeto “Papo Cabeça”, que procura instruir os jovens quanto à sexualidade e à gravidez indesejada.

Olhar Virtual: Quando analisamos os números relativos à gravidez na adolescência percebemos como é grave a situação. Quais são as regiões mais críticas do país?

A gravidez precoce é uma realidade em todo o Brasil. Nas regiões Norte e Nordeste, de menores índices de desenvolvimento econômico e social, 22,5% das jovens têm filhos na adolescência. Em contrapartida, em São Paulo, este número cai para 17%. Em função de projetos sociais realizados, no Rio de Janeiro, a média é de 18 adolescentes grávidas em um grupo de 100, mas se analisarmos grupos com menor poder aquisitivo, este número sobe para 26. Estes dados são uma maneira de provar que quanto menor o poder aquisitivo da região a ser analisada, maior será a concentração de meninas que engravidam precocemente.

Olhar Virtual: O sistema educacional vigente colabora de alguma forma para estes índices tão altos?

Colabora muito. Se analisarmos o ensino diurno veremos que ele se divide em 90% de escolas públicas e 10% de escolas privadas, mas, se considerarmos o ensino noturno, praticamente todas as escolas são públicas, apenas 0,5% das escolas são privadas, o que mostra a clara alocação do jovem de baixa renda no horário noturno. E isso é um grande problema. As escolas noturnas são um point onde existe de tudo: álcool, drogas e sexo. Com essa combinação, são grandes as possibilidades de acontecer uma gravidez indesejada.

Outro fator é o fim da divisão entre primário e ensino fundamental, o que faz com que meninas de 10, 11 anos compartilhem um mesmo espaço com meninos mais velhos. O resultado é a iniciação sexual cada vez mais precoce destas meninas.

Aliado ao problema da gravidez, está a evasão escolar. As meninas, mesmo sem qualquer preparo para cuidar de um bebê e de uma família, abandonam os estudos. Os meninos precisam abandonar a escola para trabalhar e sustentar esta nova família. Mas essa não é a situação mais comum, nem todos os pais assumem seus filhos e criam novas famílias, o que faz aumentar sensivelmente o número de mães solteiras. 

Vale lembrar que a escola não assume o papel de informar os jovens sobre sexo, gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. Muita coisa acontece na porta das escolas; as instituições ainda não entenderam que têm muita responsabilidade neste assunto.

Olhar Virtual: Além de se encontrarem na escola, os jovens se encontram fora dela, como em festas, por exemplo. Estas festas têm algum papel importante neste contexto?

Como os jovens de classes mais baixas são os mais atingidos pela gravidez indesejada, vamos pegar como exemplo os bailes funk, festas mais comuns nestes segmentos, sem a exclusão de raves e micaretas. Nos bailes funk, as mulheres são as primeiras a entrar, sem nenhuma limitação de idade; dentro do baile ganham bebidas alcoólicas de brinde. Quando a razão das meninas já foi desconectada pelo álcool, os homens entram e ganham presas fáceis, também de brinde, que não apresentarão muita resistência ao sexo. Esta jovem não tem condições de lembrar do preservativo e está exposta a riscos, como DSTs, AIDS e gravidez.

Além do álcool como descompensador da razão, existe o funk, um verdadeiro manual audiovisual do kamasutra, incitando constantemente a prática sexual.

Olhar Virtual: Qual é a postura das famílias?

Infelizmente, a família também estimula esta prática, mesmo que inconscientemente, quando tenta transformar meninas cada vez mais cedo em mulheres, de salto alto e maquiagem. Isto estimula muito a sexualidade da menina, o que não gera bons resultados no futuro.

Falta nas famílias o diálogo sobre sexo. Muitos pais acham constrangedor conversar abertamente com seus filhos e essa falta de diálogo gera jovens mal instruídos que iniciam a vida sexual sem o mínimo conhecimento.

Olhar Virtual: Qual o papel da mídia quanto à informação dos jovens e à incitação da prática sexual?

A mídia veicula o que vende e se sexo é o que vende, a imprensa veicula sexo. Temos apelo sexual nos jornais, revistas, outdoors, cinema, teatro e novelas. Até os filmes da Disney, voltados para o público infantil, têm apelo sexual. Mesmo que a mídia veicule propagandas de preservativos, seu papel é muito mais forte quando incita a prática sexual.

Olhar Virtual: Como funciona o projeto “Papo Cabeça”?

O “Papo Cabeça” é um projeto de orientação em saúde sexual para adolescentes, que através da interface Universidade-realidade, proporciona a reflexão sobre as questões emergentes na adolescência, principalmente a sexualidade e suas implicações contextualizando-as historicamente.

A escola não informa, os pais não dialogam. Os jovens acabam conversando sobre sexo entre si, mas, muitas vezes, de maneira desinformada, passando adiante mitos e informações incoerentes. O “Papo Cabeça” tem o papel de informar os jovens e de abrir um espaço para o diálogo.

Não adianta distribuir preservativos, ensinar as meninas a tomar anticoncepcional. Essas medidas são acessórias. É fundamental criar projetos de vida para estes jovem, ocupar seu tempo e estruturar seu conhecimento.