Olho no Olho

MPB: música para brasileiros

Julia Vieira

imagem olho no olho“A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. E para a arte não falta tanto, pelo menos para a música. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está analisando um projeto de lei para tornar obrigatórias as aulas de música no ensino Fundamental e Médio. Se a lei for sancionada, os conceitos musicais deverão ser ministrados dentro da disciplina de artes.

Pelo projeto, os professores deverão ter formação na área de Música. A atual lei que regulamenta o ensino diz que o conteúdo de artes é obrigatório, mas não aponta nada sobre os diferentes tipos e possibilidades de arte: pintura, gravura, música e teatro, entre outros. Se o presidente Lula sancionar a medida, as escolas terão até três anos letivos para se adaptarem à nova regra.

Para analisar este projeto de lei, suas implicações para a sociedade e sua validade como forma de inclusão social, o Olhar Virtual conversou com o diretor da Escola de Música, André Cardoso, e com a professora da Faculdade de Educação, Mônica Pereira dos Santos.

 

 

André Cardoso
Diretor da Escola de Música da UFRJ

Essa lei é uma excelente iniciativa que surgiu graças à articulação de várias entidades, entre elas o sindicato dos músicos profissionais do Rio de Janeiro, junto a deputados e senadores. Dessa forma esta lei representa efetivamente uma iniciativa e um desejo antigo da classe musical brasileira. Trata-se, na verdade, de uma espécie de retorno; a educação musical já foi disciplina obrigatória, foi retirada dos currículos pela lei de diretrizes da educação, assinada da época dos governos militares.

A implantação desta lei vai trazer inúmeros benefícios para os alunos. Já é comprovado que o ensino e a prática das artes ajuda no desenvolvimento geral das crianças. A música, especificamente, desenvolve a parte sensorial e, através da atividade coral, ajuda na sociabilidade. A formação humanística do indivíduo deve receber especial atenção em uma época da história da humanidade dominada pela tecnologia e pelo individualismo. Inúmeros são os projetos, em todo Brasil, em que a música é o método utilizado para a inclusão social.

É necessário, porém, que seja feito um monitoramento das escolas para que realmente implantem o ensino de música, invistam na infra-estrutura adequada e contratem os profissionais qualificados, ou seja, professores formados em cursos de licenciatura em Música. Ao mesmo tempo é preciso ter atenção à qualidade da formação dos professores, já que tanto a educação artística como a musical só podem ser ministradas com propriedade por profissionais especializados, devidamente formados em cursos de licenciatura.

Mônica Pereira dos Santos
Professora da Faculdade de Educação
da UFRJ

Todo projeto de lei que valorize as artes e as linguagens me parece simpático, desde que o estudante opte por elas, e não seja obrigado a cursá-las. A questão é saber se tais projetos atendem ao ideal de uma educação de melhor qualidade ou se simplesmente vêm para atender a interesses imediatistas e puramente políticos ou corporativistas.

Tudo que vem como uma imposição, em educação, pode surtir um efeito contrário ao que se deseja. Se a música vem para ser uma opção dentre outras linguagens, ótimo. Mas se vem para ser uma camisa de força, é complicado. O aluno pode acabar encarando como mais uma disciplina a cumprir por pura obrigação de preenchimento curricular (currículo aí entendido de modo extremamente limitado, como puro rol de disciplinas a cumprir) e, em vez de desenvolver efetivamente o gosto artístico, desenvolver o trauma.

É preciso fazer um levantamento do mercado de profissionais disponíveis na área para atender à demanda que se está criando com esta lei; além de formar e atualizar o profissional a ser envolvido com a disciplina; garantia de infra-estrutura para que as escolas possam cumprir a lei; mecanismos de acompanhamento e avaliação dos resultados, impactos econômicos e sociais que esta lei trará ao sistema educacional, entre outras medidas.

Penso que os atuais professores dos ensinos médio e fundamental não estão habilitados para esse tipo de aula. Pelo menos, não em número suficiente que supram, de imediato, todo o contingente de alunos.

Se for apenas mais um projeto de cunho politiqueiro, que termina quando acaba um mandato, a validade será pouca, pois a inserção da música como componente curricular poderá se tornar apenas mais um conteúdo a ser tratado em uma escola de caráter enciclopédico, sem alterar suas estruturas excludentes. No entanto, se for um projeto que efetivamente seja feito com os cuidados assinalados acima, penso que a música, assim como outras linguagens artísticas, pode trazer uma inovação ao cotidiano escolar.

Em vez de focar as leis nos conteúdos curriculares, o governo poderia se dedicar a discutir mais o currículo em si: para que serve, a quem serve, que escola seu projeto prevê, que formação de povo prevê e assim por diante. Uma lei que abrisse, enfim, a possibilidade para que tais discussões se instaurassem oficialmente na escola, tornando-as, inclusive, parte oficial do que se aprende naquela instituição e , possibilitando, efetivamente, a construção democrática do próprio currículo.