De Olho na Mídia

Especialistas criticam cobertura da mídia
na área de direitos humanos

 

Monike Mar, Cinthia Pascueto e Sofia Moutinho – AgN/Praia Vermelha

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Vida, saúde, educação, moradia, saneamento, renda – estes são alguns dos princípios assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completa 60 anos no próximo dia 10 de dezembro. No entanto, a abordagem midiática sobre o tema tem sido questionada por especialistas que consideram a cobertura muitas vezes restrita ao artigo III da Declaração: “Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.

Esse caráter reducionista da mídia é apontado pelas professoras Lilia Pougy, coordenadora de Pós-graduação do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), e Mariléa Porfírio, diretora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (NEPP-DH). “A mídia restringe os direitos humanos apenas a determinados segmentos da sociedade”, disse Mariléa.

Para a diretora do NEPP-DH, os meios de comunicação acabam acentuando uma visão “criminalizadora” sobre uma parcela da população de menor renda, levando a crer que serviços básicos, como saúde e educação, são favores do Estado e não direitos. “Um exemplo é a Bolsa Família, que não aparece, efetivamente, como um direito de um estado de proteção social. Aparece como algo que algum sujeito recebe por uma qualquer condição de inferioridade na qual ele se encontra e da qual tem que sair rapidamente para deixar de receber aquele direito que aparece como um benefício, um favor”, exemplifica Mariléia, que completa: “isso não proporciona o desenvolvimento da cidadania”.

Segundo Lília Pougy, além dos serviços básicos já mencionados, na concepção moderna existem os direitos chamados de segunda geração, cujos princípios são econômicos, sociais e culturais. “Não se pode falar em uma única dimensão dos direitos humanos porque há neles uma perspectiva de indivisibilidade. Isso significa que é preciso ter o direito à vida, à cidadania e à identidade política, ao mesmo tempo em que é importante oferecer emprego, condições de saúde básicas, acesso à educação, à cultura, ao esporte”, enumera a professora.

– Não se pode fazer a defesa apenas dos chamados direitos humanos básicos, porque todos são fundamentais nesta perspectiva. Eles são integrados: não se pode cindir, dividir o ser humano, e dizer que determinado aspecto é mais importante que outro – explicou Lília.

Para ela, a mídia não evidencia a conquista de direitos como resultado de lutas sociais. “É como se eles tivessem simplesmente aparecido já formalizados em leis, pactos e constituições”, disse a coordenadora. Mariléa acrescenta que “algumas camadas da sociedade, distantes da efetivação de um direito, talvez entendam a declaração como uma utopia, mas a mídia não”.

Direitos humanos ou espetáculo?

As diferenças sócio-econômicas são um fator preponderante neste comportamento midiático, pois, segundo as especialistas, alguns princípios da Declaração Universal são resguardados àqueles com maior poder econômico; quanto maior a renda, conseqüentemente, maior poder. “Quando acontece uma expressão de violência em áreas onde residem pessoas com maior poder econômico, a mídia é muito incisiva em cobrar a efetivação daquele direito legal. Em outras situações, ela aponta como sendo espetáculo, como algo que vai apenas trazer uma audiência”, constata Mariléa Porfírio.

Um exemplo de cobertura de espetáculo foi o caso da menina Eloá no seqüestro em Santo André, em São Paulo. Para Lília Pougy, os meios de comunicação destacaram a incapacidade real de a polícia dar uma resposta eficiente naquela situação, considerando menos relevante o ex-namorado ter batido na menina. “O fato de Eloá ter passado 100 horas apanhando é irrelevante. A violência contra a mulher ainda é considerada pela polícia e pela imprensa um fato menor”, contextualiza a professora.

Fazer valer os direitos

Ter os direitos registrados na Declaração, portanto, não significa esperar que sejam cumpridos, avaliam as professoras. “Temos sempre que nos mobilizar e fazer valer o que está escrito. A cidadania não é um bem divisível. É necessário fazer valer esta condição, pois não será a assistência social ou os meios de comunicação que vão fazer isso por você. Para estimular isso na ação cotidiana, é preciso adquirir uma visão crítica dos direitos humanos”, afirma Lília. Mariléa compartilha essa visão: “Quanto maior o grau de consciência das forças sociais, maior é a possibilidade de os princípios presentes na declaração serem efetivados. Os direitos têm que ser efetivados no plural, não individualmente”.

– Esse é um desafio que temos de vencer, fazendo com que este entendimento dos direitos humanos possa ser ampliado para que os aparelhos de comunicação de massa o incorporem e o difundam. Infelizmente, nesse momento isso não acontece – finaliza Pougy.


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