Ponto de Vista

Cidade Maravilhosa concorre ao título de Patrimônio
da Humanidade

 

Raquel Gonzalez

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A cidade Rio de Janeiro está concorrendo, desde 2001, ao título de Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade, concedido pela Unesco, e recebeu, na última semana de outubro, especialistas da instituição para avaliar o real potencial da cidade. Já existem 851 Patrimônios espalhados pelo mundo – dentre estes, 17 são brasileiros – que recebem ações de proteção, pesquisa e monitoramentos periódicos com recursos técnicos e financeiros do Fundo do Patrimônio Mundial. Além de benefícios, como maior perspectiva de receber turistas e projeção internacional, os “tesouros” da humanidade possuem ainda o dever de respeitar e preservar seu patrimônio. ''Um dos principais requisitos para a inclusão de um sítio na lista é a capacidade que o país tem de conservá-lo'', explicou a coordenadora de Cultura da Unesco no Brasil, Jurema Machado, em entrevista à imprensa.

Além da paisagem cultural da Cidade Maravilhosa, outros destinos nacionais pretendem juntar-se ao Centro Histórico da Cidade de Diamantina ou ainda à Costa do Descobrimento – reserva da Mata Atlântica, por exemplo, que se tornaram Patrimônios Mundiais em 1999. A praça São Francisco, em Sergipe, a Rota do Ouro, em Paraty, ou ainda a Igreja e o Mosteiro de São Bento, ambos no Rio de Janeiro, endossam o time de belezas brasileiras que também concorrem ao título da Unesco.

O Olhar Virtual conversou com o professor William Bittar, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UFRJ, para entender a importância do título de Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade para a cidade do Rio de Janeiro, suas chances reais, além de discutir a situação da preservação do patrimônio carioca.

Olhar Virtual: Qual a importância de um reconhecimento desse tipo, de Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade, para a cidade do Rio de Janeiro especificamente?

De um modo geral, pode ampliar a curiosidade sobre a cidade enfocando outro aspecto, valorizando aspectos histórico-culturais, mais do que o trinômio mulher-praia-samba, que nem sempre atrai o turismo desejado. Outras cidades brasileiras possuem o título de patrimônio da humanidade, como Olinda, Ouro Preto, São Luís, Salvador, Diamantina e Brasília, principalmente suas áreas centrais (centros históricos). No entanto, tal reconhecimento não implicou em maiores cuidados: Ouro Preto, por exemplo, apresenta sérios problemas de conservação que já ameaçaram sua retirada da listagem.

Olhar Virtual: Quais as vantagens do título concedido pela Unesco?

Segundo a convenção sobre a proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, aprovado em 1972 pela Unesco, além da valorização de outros aspectos da cidade, se poderia solicitar recursos do Fundo do Patrimônio Mundial, mas existe a prioridade de casos na liberação das verbas. Na prática, haveria uma mudança de curso nos atrativos divulgados sobre a cidade. Menos turismo sexual e mais turismo cultural.

Olhar Virtual: Como o Rio de Janeiro vem preservando seu patrimônio? Que pontos podem ser aperfeiçoados?

De forma aleatória e pontual, à mercê de interesses variados. Existem propostas eficientes, como o Corredor Cultural, iniciativa com mais de 25 anos. Mas pelo seu histórico político, a cidade do Rio de Janeiro abriga bens protegidos pela União, Estado e Município, cujas políticas culturais são diferenciadas. Até mesmo os arquivos e documentação nem sempre são acessíveis e mais de uma vez ocorreram manobras recentes (principalmente federais) para retirar do Rio de Janeiro os processos e documentos sobre bens federais tombados. Certamente, uma política de divulgação e incentivos variados (isenções fiscais, créditos com juros mais baixos, apoio técnico) ajudaria muito. Afinal, numa leitura rápida do decreto nº25/37, responsável pela criação do atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), fica a sensação que o proprietário de um bem tombado é uma vítima que só tem deveres e quase nenhum direito, criando um sentimento de rejeição pela situação.

Olhar Virtual: Como mobilizar os governos para a questão da preservação na cidade?

É indispensável a inclusão de Educação Patrimonial desde o ensino fundamental. Trata-se de uma maneira eficiente de criar a mentalidade de preservação, geradora de cobranças do cidadão e futuras pressões sobre o poder público. Afinal, em quase todos os textos clássicos sobre conservação, a máxima "é melhor prevenir do que remediar", é jargão e é verdadeiro. Acrescentaria para "sensibilizar" aqueles que pensam nos custos: é mais barato preservar do que restaurar.

Olhar Virtual: Como mobilizá-los ainda acerca da importância e mérito de tal reconhecimento já que a possível vitória demanda também vontade política?

Seria um efeito dominó. O pequeno cidadão pressiona os mais velhos. Os formadores de opinião (revistas, jornais, tv), para aumentar sua audiência, incluem o tema em suas novelas e reportagens, ampliando o número de interessados, despertando o interesse dos representantes em incluir tal item em suas campanhas e intenções.

O sentimento de preservação deve ser um ato cotidiano constantemente valorizado. A idéia de um povo é indissociável de sua memória, seu viver imediato, sua vizinhança, que num crescente chega-se a universos mais amplos, construídos paulatinamente.

Olhar Virtual: Quais as reais possibilidades da conquista desse título pelo Rio de Janeiro? Em sua opinião, a inclusão do Cristo Redentor entre as sete maravilhas do mundo contemporâneo pode ajudar nesse sentido?

Considerando a situação atual da cidade e a herança deixada pela desastrosa gestão Maia, o Rio atual não merece tal título. Uma cidade que não trata seu patrimônio natural (baía, rios, lagoas e florestas), que tomba por interesse político, que não se preocupa com a poluição causada pelo excesso de ônibus e caminhões, que incentiva ou finge não enxergar o transporte clandestino alternativo, prejudicando o fluxo viário, cuja legislação proíbe construir acima da cota 100, mas os governos federais e estaduais anunciam teleféricos para melhorar os acessos acima desta cota em manobras eleitoreiras; enfim, esta cidade precisa antes olhar para si, contar com a educação cívica de seus cidadãos atuando e cobrando, para depois pensar em receber tal título. O Cristo Redentor foi eleito em um processo pouco representativo, de abrangência discutível.