De Olho na Mídia

Mídia e violência entre e contra jovens

Sofia Moutinho – AgN/Praia Vermelha

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No 3º Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, ocorrido entre os dias 25 a 28 de novembro no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva responsabilizou os meios de Comunicação, instrumentos “degradantes da família”, pela ocorrência da pedofilia. Segundo ele, o sexo e a violência expostos de forma recorrente na mídia seriam a causa da crescente violência e dos abusos sexuais contra jovens e crianças.

As discussões sobre mídia, violência entre e contra jovens e crianças se dividem entre a opinião de que a mídia é apenas um reflexo da sociedade violenta que se apresenta ou de que ela seria um fator instigante dessa violência. Diversos estudos vêm sendo realizados, desde os anos 1960, para investigar os efeitos dos meios de Comunicação sobre crianças e jovens. Entre eles os mais comuns e divulgados são aqueles, nos quais o comportamento de crianças é avaliado durante a sua exposição a programas, video-games, desenhos animados e notícias violentas.

Recentemente, em novembro, a revista científica norte-americana Science Daily publicou um artigo sobre o trabalho do pesquisador da Rutgers University, Newark, Paul Boxer, no qual são fornecidas evidências de que a mídia tem o poder de alterar o comportamento de jovens e torná-los mais violentos. Segundo a pesquisa, o jovem se torna o que assiste na TV e, mesmo considerando outros fatores – como educação, problemas emocionais e meio familiar – crianças e adolescentes expostos à violência da mídia tendem a se tornar agressivos.

Esta conclusão foi obtida pelo resultado de uma grande mostra de entrevistas realizadas fora do laboratório com 820 jovens de Michigan, divididos em categorias de idade e sexo. Os pais e professores de 720 destes jovens também foram entrevistados. Foram consideradas informações sobre as preferências de programação televisiva dos entrevistados, bem como seus hábitos no tempo livre e qualquer histórico de comportamento anti-social e violento. “Adolescentes que não foram expostos a mídias violentas não tendem a ter um comportamento violento” disse Boxer em entrevista à revista.

Este resultado reforça as conclusões dos milhares de outros trabalhos realizados que concluíram que a mídia é um importante, senão o principal, fator de risco para a violência entre jovens, que expostos a ela tendem a se tornar adultos agressivos ou criminosos. Porém, segundo Pedro Paulo Bicalho, professor adjunto do Instituto de Psicologia da UFRJ (IP) e vice-presidente do Conselho Regional de Psicologia – 5ª Região, a mídia não influencia apenas esta parcela da sociedade, mas a sociedade como um todo. Segundo ele, a criança e o jovem estão tão expostos e suscetíveis à violência da mídia quanto o adulto, pois não existe uma só fase de formação de subjetividade e não se pode falar em infância como uma única etapa do desenvolvimento que é experimentada de mesmo modo por todos. “Não existe uma natureza de infância, existem variadas infâncias. Ser criança não significa ter infância. Nós, na Psicologia, não entendemos que se possa atribuir uma natureza à idéia de infância. Essas pesquisas generalizam a infância. Uma criança que vive hoje no morro do Alemão vive outra infância, vive muito mais exposta à violência que muitos na vida adulta”, destaca.

Para o professor, adultos e crianças podem ser influenciados pela mídia de mesmo modo e o que determina esse processo é maturidade que não está necessariamente atrelada a alguma idade. “Temos que descolar esta idéia de que existe uma fase biológica que corresponde a uma fase subjetiva, só faz sentido falar em fase de desenvolvimento em termos orgânicos, em subjetivos não”.

Além disso, ele acredita que a mídia é um “reflexo do que a sociedade está pensando” e que outros meios e espaços que possuem legitimidade podem incitar a violência do mesmo modo. “Pesquisas científicas, família e qualquer instituição permeada por relações de poder também produzem violência; a questão não é a mídia em si, mas as relações de poder a que essas práticas estão ligadas”, pontua o professor.

Bicalho criticou a declaração do presidente Lula, que, na sua visão, é superficial e não dá conta da complexidade da discussão da pedofilia. Segundo ele, os conceitos de família e sexualidade citados pelo presidente são muito específicos da classe média burguesa. “Temos que colocar em questão que família é essa e que sexualidade é essa. Não existe um modelo de família único, assim como não existe um modelo único de exercício da sexualidade”.

A pedofilia, para o professor, não está somente ligada à violência contra a criança e o adolescente, pois a sua discussão traz outras questões como a homossexualidade. Segundo Bicalho, atualmente a homossexualidade é constantemente associada à pedofilia pela mídia em uma relação de causa e efeito. Essa falsa correspondência entre pedofilia e homossexualidade foi recentemente observada pelo professor na decisão do Vaticano – de recorrer a psicólogos para avaliar se os candidatos aos seminários são homossexuais – para evitar a pedofilia entre os padres.

Bicalho acredita que é possível que a mídia vá em direção oposta e atue no sentido de diminuir a violência e para isso as discussões sobre a mídia são fundamentais. “Discutir os efeitos da mídia é discutir produção de subjetividade. Tem que se promover uma discussão séria sobre a violência e a sexualidade. A discussão não tem que ser de quantidade, mas de qualidade”.


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