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Mestrado profissional: transpondo os muros da universidade

Fernanda de Carvalho – AGN/CT

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No dia 14 de março de 2008, a Escola Politécnica (Poli) da UFRJ, em parceria com a Escola de Química (EQ/UFRJ), promoveu a aula inaugural do Mestrado Profissional em Engenharia Ambiental, pertencente ao Programa de Engenharia Ambiental (PEA – Poli&EQ), em um evento histórico que marcou o início do curso pioneiro na universidade.

Diferente do Mestrado acadêmico tradicional – cursado, em geral, pelo aluno que busca dar seguimento ao Doutorado, Pós-doutorado, até conseguir ingressar como professor ou pesquisador em alguma universidade pública ou instituto de pesquisa -, o Mestrado Profissional (MP) se caracteriza por  sua atuação em aplicações na sociedade, além de ser destinado, de forma prioritária, a profissionais que já tenham alguma experiência profissional.

É importante ressaltar que o aluno do MP não necessariamente precisa ter um emprego para estar no curso: “Uma leitura errada seria dizer que a gente só aceita um profissional empregado. Não, o aluno não precisa ter vínculo empregatício. Basta que ele já tenha alguma experiência profissional. O curso pode servir, inclusive, para ajudar um profissional desempregado a se recolocar no mercado”, esclarece Ofélia Araújo, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos da EQ/UFRJ.

Luiz Antônio d’Ávila, diretor da EQ, chama atenção para o fato de que, “apesar da característica de interação com o profissional do mercado, o nível de exigência do curso é o mesmo de um mestrado acadêmico”. Nesse sentido, o mestrado profissional também é aceito nos processos seletivos para Doutorado, como lembra Ofélia.

Para as 21 vagas oferecidas na primeira turma do MP em Engenharia Ambiental da UFRJ, 209 pessoas se inscreveram, o que superou em mais de cem por cento as expectativas da coordenação do curso. Pensando sempre em crescer, o PEA pretende consolidar o Mestrado e passar por uma melhor avaliação da Capes, a fim de instituir também o curso de Doutorado Profissional – projeto para daqui a cerca de três anos. “O Mestrado Profissional é braço estratégico. Ter preconceito contra ele é não estar se importando nem um pouco em responder às demandas da sociedade brasileira”, opina a professora Cláudia Morgado, coordenadora do PEA.

Demandas sociais

A formação de pesquisadores nas empresas é estratégica para o desenvolvimento de tecnologia nacional. Atualmente, o conhecimento é o capital por excelência – países no mundo inteiro enriquecem porque detém e comercializam sua tecnologia.

Este significado da tecnologia no mundo de hoje, de acordo com Cláudia, evidencia a importância de se instrumentalizar os profissionais, seja em organizações públicas ou privadas, na sociedade como um todo, a fim de que eles sejam capazes de criar soluções para problemas concretos.

“O MP obrigatoriamente tem que ser aplicado, desdobrando-se imediatamente em um projeto, em um benefício social. No Mestrado acadêmico pode até haver alguns projetos que tenham isso, mas não é obrigatório”, explica a professora.

Para ela, o MP representa a tão almejada indissociabilidade entre Ensino, Pesquisa e Extensão, esta última em mão dupla: o aluno leva o conhecimento elaborado e sua melhor formação para a atividade profissional, e a sociedade se beneficia de forma direta; e o professor entra em contato com os problemas da sociedade através de alunos que já trazem uma experiência no mercado.

“O Mestrado acadêmico é ótimo sim, estamos aqui por causa dele e ele precisa de mais investimentos. Mas a sociedade também está pedindo o apoio da universidade para colaborar na solução dos seus problemas. Não podemos virar uma universidade que apenas se justifica por si mesma. E o Brasil? E a miséria?”, questiona Cláudia. Ela destaca que uma das áreas do MP em Engenharia Ambiental é a de saneamento, que tem potencial para gerar muitos projetos interessantes voltados para a área de saúde pública, por exemplo.

Dificuldades

Através da Portaria de número 80 (dezembro de 1998), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) regulamentou o Mestrado profissionalizante. O projeto do MP em Engenharia Ambiental começou a ser elaborado em 1999, sendo aprovado pela congregação da Poli/UFRJ no ano seguinte, quando já surgiram os primeiros obstáculos.

Cláudia ressalta que, em 2000, nada impedia a UFRJ de ter um Mestrado Profissional. No entanto, ao final do mesmo ano, foi aprovada uma resolução da Pós-graduação strictu sensu da UFRJ que proibiu a criação deste tipo de Mestrado na universidade.

À época, muitos acadêmicos eram contra a modalidade de Mestrado profissionalizante, inclusive o próprio Jorge Guimarães, atual presidente da Capes, que hoje reconhece a importância do curso para a sociedade e para a universidade.
A professora acrescenta: “o MP vem da gestão anterior à de Lula (governo de FHC) e havia a expectativa geral de que, com o novo governo, muita coisa iria acabar, mas não acabou, porque realmente há uma necessidade, que foi mais forte do que os preconceitos de que era idéia do ‘a’, do ‘b’ ou do ‘c’”.

O curso da UFRJ foi aprovado na Capes em 2001, mas a tramitação interna foi demasiadamente lenta. Finalmente, como relata a coordenadora do PEA, houve uma mudança na mentalidade da Academia e o Conselho de Ensino para Graduados (CEPG/UFRJ) decidiu que iria incluir a modalidade MP na resolução nova que estava sendo elaborada, aprovada em dezembro de 2006.

“Durante o ano de 2007, eu, pacientemente, re-submeti o projeto em todos os trâmites da universidade: congregação da Poli e da EQ, Conselho de Centro, CPEG e Conselho Universitário (Consuni). Este último aprovou o projeto em outubro, o qual foi reavaliado no Conselho Técnico Científico (CTC) da Capes em 14 de dezembro de 2007. Por isso abri o programa. Eu aprendi a esperar”, conclui Cláudia.

Financiamento

As dúvidas a respeito do financiamento do curso, na opinião da professora Ofélia, geraram dificuldades na aceitação do MP na UFRJ. Ela explica que havia o receio de o curso ser pago, o que contraria a proposta de uma instituição federal de Ensino, pública, como é o caso da UFRJ. Até se desenvolver o modelo claro do financiamento desse mestrado, de forma a não envolver cobrança ao público, as federais apresentaram certa relutância em aceitá-lo.

“O que se busca é um financiamento junto às empresas, enquanto o Mestrado acadêmico é mantido por recursos da Capes e do CNPQ, por exemplo. Tanto o PEA quanto o programa da EQ são totalmente gratuitos”, informa Ofélia.

Ela explica que, em determinadas áreas de atuação, há uma maior demanda de profissionais por parte das empresas e o mestrado profissionalizante é um meio de capacitação desses recursos humanos para tais campos de maior necessidade no mercado.

De acordo com esta demanda, as empresas se oferecem para contribuir em investimentos na infraestrutura do curso, por exemplo, que precisa de mais salas de aula, de apoio em laboratório, de material de consumo para pesquisa, entre outros. Isso, em nenhum momento, conforme esclarece Ofélia, significa remuneração de docente ou cobrança de aluno.

A coordenadora do Programa da EQ ainda ressalta que a infraestrutura melhorada para o Mestrado Profissional também vai servir para o acadêmico: “Só há como beneficiar, eu não acredito que um mate o outro, muito pelo contrário, um complementa o outro, cada um tem seu público alvo e seu foco específico”.

Um exemplo de área necessitada de profissionais capacitados é a Gestão Ambiental das Empresas, cuja importância cresce conforme aumentam as exigências para uma determinada organização possuir licença ambiental.

“Esse paradigma ambiental vai ser pior: a tendência é um aumento na rigidez do tipo de exigência legal para a empresa se licenciar. Ao investir em meio ambiente, saúde e segurança, a empresa está aumentando sua produtividade, e isso muitos empresários não percebem”, analisa a coordenadora do PEA. Ainda segundo ela, fazer esse investimento significa diminuir o desperdício na empresa, o que conseqüentemente aumenta o lucro, sem contar que é um benefício para o desenvolvimento sustentável da sociedade. Além disso, uma empresa dotada de consciência ambiental atrai mais recursos para o país, gera mais empregos e mais renda.