Olho no Olho

Cotas para bolsas de iniciação científica geram polêmica

Fernanda Turino

No último dia 13, data que marcou os 121 anos da Abolição da Escravatura no Brasil, foi assinado um termo de cooperação entre a Secretaria da Igualdade Racial da Presidência e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para a criação de um programa de cotas para as bolsas de iniciação científica. Serão criadas 600 vagas exclusivas para alunos que ingressaram nas universidades públicas por meio de ações afirmativas, como cotas raciais (para negros) ou sociais (para alunos oriundos de escolas públicas). Para participar, o estudante precisa estar inscrito em uma instituição de ensino superior pública e ser cotista. A seleção do bolsista será feita pela própria universidade.

O objetivo do projeto é fazer com que as bolsas de iniciação científica estimulem os universitários a virarem pesquisadores e ao mesmo tempo reduzir o tempo para a realização de uma pós-graduação. Para discutir o assunto, o Olhar Virtual entrevistou Yvonne Maggie, doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro e professora titular do Departamento de Antropologia Cultural do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, e Ângela Uller, doutora em Engenharia Química pela École Superieur de Chimie/Université de Paris e pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa.

Yvonne Maggie
Professora titular do Departamento de Antropologia Cultural do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ

“Sou contra leis raciais. Qualquer lei que se baseie em ‘raça’ é um crime. Raça é uma invenção dos racistas para nos dominar. Quero deixar bem claro que se o CNPq realmente adotar essas cotas estará desvirtuando a sua missão precípua, que é de formar e fomentar o desenvolvimento científico no país. Essa decisão é absurda!

Acho que as cotas raciais dividem as pessoas que lutarão com as armas erradas para ter acesso a um bem escasso. Sou contra as cotas raciais em qualquer nível da vida pública, e o Estado não deveria estar dividindo o povo em ‘raças’ e muito menos os jovens estudantes universitários. Essa política dividirá os alunos em brancos e negros que, de agora em diante e se for adotada, para fazer jus às bolsas de iniciação à ciência, deverão lutar entre si para a obtenção do privilégio. Isso é um contrassenso, porque deveríamos ensinar aos futuros cientistas que eles são iguais e que os seres humanos não têm raça.

Uma coisa são ações afirmativas que se baseiam em critérios sociais, como bolsas para estudantes pobres; outra coisa é criar bolsas para estudantes negros. Não devemos insistir nesse erro. As leis raciais ferem a nossa Constituição Federal no seu artigo 19, que estabelece: ‘É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.’ E no artigo 208, que dispõe: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.’.

Ações afirmativas para pobres são mais eficientes e não são inconstitucionais porque a pobreza é um estado que tem que ser superado e ao qual qualquer um pode estar sujeito. No entanto, a chamada ‘raça’, depois de criada socialmente, é difícil de ser extirpada. Podemos sim distribuir justiça e bolsas de iniciação científica com base na pobreza. Tenho certeza de que o efeito de distribuir as bolsas de iniciação científica para os cursos de menor prestígio e com mais alunos pobres seria mais profundo e que essa solução de dar bolsas para estudantes mais pobres geraria muito menos riscos de criar uma divisão ilegal e incontrolável do ponto de vista dos resultados.”

Ângela Uller
Pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa

“A criação desta cota para o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) guarda total coerência com a criação de cotas nas universidades públicas que optaram por políticas de acesso que contemplem ações afirmativas.

Em primeiro lugar, é necessário frisar que os alunos cotistas não são necessariamente inferiores aos não cotistas, como já foi relatado por universidades que adotaram a política de cotas. Em segundo lugar, é possível atender aos alunos cotistas com os mesmos critérios acadêmicos estabelecidos pelo PIBIC de forma geral.

Da mesma maneira que a iniciação científica beneficia os demais alunos (não cotistas), ou seja, possibilitando que o alunado de graduação possa vivenciar a universidade em toda a sua plenitude, traduzida pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, ela também irá beneficiar os alunos que ingressaram nas universidades públicas por meio de ações afirmativas.

O objetivo do PIBIC não é estimular que todos os universitários se tornem pesquisadores, porque isso é uma questão de vocação, e sim que os alunos desenvolvam a curiosidade científica, o prazer pela geração de conhecimento e uma atitude pró-ativa e de questionamento diante dos desafios que vão encontrar em suas profissões.

Para aqueles que descobrem a vocação para a pesquisa, a iniciação científica efetivamente diminui a idade para a obtenção do título de mestrado, isto é, a idade média de conclusão para aqueles que fizeram iniciação científica é de 27 anos, enquanto para os que não fizeram é de 32.”