Ponto de Vista

Rio de Janeiro: 50 anos de uma ex-capital

Rodrigo Baptista

Ilustração: Caio Monteiro

Em meio às comemorações de 50 anos de Brasília como Capital Federal, pouco se fala do outro lado da História: os efeitos da mudança do centro de poder na economia do Rio de Janeiro, a cidade que reuniu as principais decisões do país durante quase 200 anos (1763 a 1960). Em entrevista ao Olhar Virtual, Almir Pita Freitas Filho, professor do Instituto de Economia e pesquisador do Grupo Rio de História Econômica, explica que o Rio de Janeiro sofreu com a mudança do poder político e da máquina administrativa para o Cerrado, mas a perda do protagonismo econômico tem raízes no período inicial da industrialização brasileira.

Olhar Virtual: Por que o Rio de Janeiro deixou de ser o protagonista do ponto de vista econômico no Brasil?

Almir Pita Freitas Filho: Pelo prisma da indústria, o declínio da participação econômica do Rio de Janeiro no conjunto nacional começou já na década de 1920. Essa perda da liderança está ligada ao início da industrialização em São Paulo, que assumiu o protagonismo econômico desde então. No Rio de Janeiro, havia um conjunto de fatores que fizeram com que o investimento industrial se tornasse mais caro em comparação a São Paulo, à mão de obra, ao transporte e à energia elétrica.
Por outro lado, existia no Rio um processo de diversificação da indústria. A cidade perdeu a primeira posição em alguns setores econômicos, mas cresceu em outros segmentos, como na produção de bebidas, velas, fármacos e construção civil, o que se manteve até a década de 1960.

Olhar Virtual: Poderíamos dizer que o fato de ser capital também contribuiu para a existência de taxas e custos mais altos no Rio de Janeiro?

Almir Pita Freitas Filho: O fato de o Rio de Janeiro ser capital federal influenciou sim, principalmente na questão da mão de obra. Uma parcela significativa dos trabalhadores da indústria carioca era formada por brasileiros, enquanto que, em São Paulo, foi mais comum utilização de imigrantes europeus, o que refletia no custo final da produção. Outros fatores relevantes nessa análise são a energia elétrica e o transporte. Havia o monopólio de uma empresa fornecedora na capital. A indústria do Rio de Janeiro dependia efetivamente de um percentual elevado, cerca de 80% dessa companhia. Já em São Paulo, esse percentual era bem menor, pois um número considerável de indústrias possuía as próprias usinas. O transporte também era mais oneroso do Rio de Janeiro, em razão dos valores das taxas existentes na cidade, o que fez com que a produção industrial se tornasse menos competitiva comparada com outras regiões.

Olhar Virtual: É possível falar em vocação econômica do Rio de Janeiro a partir da década de 1960?

Almir Pita Freitas Filho: É difícil falar em uma vocação. Existiam na verdade alguns setores que se destacavam. A partir da década de 1960, temos o desenvolvimento do setor terciário. O comércio passa a abrir muitas vagas de emprego no Rio de Janeiro. Mas se for possível falar em vocação econômica, eu destacaria os serviços da administração pública. Havia, portanto, um mercado consumidor importante, uma classe de trabalhadores com salários elevados e qualificação maior.

Olhar Virtual: Após a transferência de capital do Rio para Brasília foi criado o Estado da Guanabara. O que alterou economicamente?

Almir Pita Freitas Filho: Com a mudança da capital, há uma transformação do antigo Distrito Federal em Estado da Guanabara com uma peculiaridade importante: as receitas. Enquanto cidade-estado o Rio de Janeiro pôde contar tanto com receitas estaduais quanto municipais, o que deu a essa nova unidade uma arrecadação elevada e diferenciada no país. Os impostos e taxas eram as principais fontes de receita. Existia, por exemplo, o imposto de vendas e consignações, o imposto predial e o imposto sobre indústria e profissões, que juntos compunham quase 90% da receita total do governo estadual.  Esse fato permitiu que o, então, governador Carlos Lacerda pudesse dar continuidade ao processo de transformações urbanas iniciadas na administração Pereira Passos (1902-1906). O governo Lacerda foi marcado por grandes obras como a construção dos túneis Santa Bárbara e Rebouças, o Aterro do Flamengo, entre outras. Lacerda criou também, por exemplo, algumas zonas industriais no Rio de Janeiro reestimulando o desenvolvimento econômico. Entretanto, manteve a diretriz de canalização da maior parte dos investimentos para as áreas mais ricas da cidade, em especial, a Zona Sul.

Olhar Virtual: Diante dessa lógica, o que foi mais prejudicial ao Rio de Janeiro: deixar de ser capital federal ou a fusão do Estado da Guanabara com o Estado do Rio de Janeiro?

Almir Pita Freitas Filho: Do ponto de vista econômico, essa fusão foi mais interessante para as indústrias. O que teria ocorrido é que o perímetro urbano do Rio de Janeiro ficou muito caro para o investimento industrial. As indústrias foram se deslocando para outras áreas durante as décadas de 1940, 1950 e 1960. Os investimentos do governo Carlos Lacerda, que tinham o foco de tentar mantê-las no Estado da Guanabara, não atingiram o objetivo esperado.  Boa parte delas continuou o processo de mudança para o Estado do Rio de Janeiro ou para o limite do antigo Distrito Federal. O Rio deixou um pouco de lado sua vocação industrial da década de 1920 e se tornou uma cidade de serviços.

Olhar Virtual: Atualmente muito se discute sobre os royalties do petróleo. Qual é o peso dessa atividade?

Almir Pita Freitas Filho: O petróleo é fundamental para determinadas áreas do Rio de Janeiro e para o estado como um todo. É a principal fonte de recursos para o estado, mas existem outras atividades que vêm se desenvolvendo paralelamente à extração do petróleo. Temos, por exemplo, a indústria siderúrgica na região de Volta Redonda, Porto Real e Resende. Há também, na Região Serrana, um pólo têxtil capitaneado por Nova Friburgo. Essas são regiões importantes que parecem apontar para uma diversificação da economia do estado e a busca de uma redução da dependência em relação aos recursos do petróleo.

Olhar Virtual: O Rio de Janeiro será uma das sedes da próxima Copa do Mundo e receberá também os Jogos Olímpicos de 2016. O turismo, portanto, é um setor hoje importante, em especial, na capital fluminense. Ele conseguirá dar conta dos investimentos necessários? O que pode contribuir para a economia local?

Almir Pita Freitas Filho: A realização desses eventos é importante, já que são capitaneadores de recursos para o estado. Eles permitem o aumento dos investimentos das diversas esferas de governo em infraestrutura e possibilitam a melhora das condições de transporte e estrutura urbana. É uma oportunidade para se fazer uma correção histórica e  reverter a tradição do poder público do Rio em direcionar investimentos apenas para a Zona Sul. Recentemente, nos Jogos Pan-americanos de 2007, o governo destinou a maior parte do dinheiro para a Barra da Tijuca, esquecendo mais uma vez das outras regiões da cidade e do estado. Essa questão fica mais evidente após os recentes temporais que atingiram o Rio de Janeiro e a Região Metropolitana. É preciso, portanto, distribuir melhor os investimentos.

Olhar Virtual: Do ponto de vista econômico, a mudança para Brasília foi positiva para o Brasil como um todo?

Almir Pita Freitas Filho: Esse projeto surgiu no início da República. Levou mais de 70 anos para se concretizar e foi, sim, uma importante medida se levarmos em consideração um dos principais argumentos: a integração do país. Antes de Brasília, havia uma concentração maior da população e dos recursos na área litoral e, especialmente, na Região Sudeste. Com a construção da cidade houve um processo intenso de interiorização do país e ampliou-se a ligação entre litoral e interior, o que parece ter incentivado o desenvolvimento de outras áreas.