De Olho na Mídia

Normas que fazem mal à saúde

Daniela Magioli

Ilustração:João Henrique

Uma resolução recente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) determina mudanças na publicidade dos alimentos. Em um prazo de seis meses, estabelecido pela agência para os anunciantes se ajustarem às novas regras, as propagandas de bebidas com baixo teor nutricional e de alimentos com elevadas quantidades de gorduras, sódio ou carboidratos deverão alertar o consumidor sobre possíveis riscos à saúde.

De acordo com a agência, o objetivo da mudança é proteger os consumidores de práticas que possam, por exemplo, omitir informações ou induzir ao consumo excessivo. Por outro lado, as associações representativas da indústria alimentícia e das agências de publicidade alegam que a determinação é inconstitucional e pretendem recorrer da decisão.

Segundo Luiz Eduardo de Carvalho, engenheiro de alimentos e professor da Faculdade de Farmácia da UFRJ, não é nem um pouco surpreendente que ocorra esse choque de opiniões. “Opinião sobre qual alimento é saudável e qual não é todo mundo tem.  E querer impor o que o outro deve ou não deve comer é outro hábito bastante usual. No entanto, antes de termos opiniões tão radicais e definitivas é imperativo estudarmos a questão”, diz.

Um dos principais problemas da nova determinação está nos critérios utilizados para identificar quais alimentos devem ou não seguir a regra. De acordo com o professor, classificar todos os alimentos em apenas duas categorias, “ficha limpa” e “ficha suja”, é uma simplificação grosseira e inviável, com forte viés autoritário. “Que a rotulagem dos alimentos é um escárnio, isso é óbvio. Mas é também óbvio que a responsabilidade pelos abusos é principalmente da própria Anvisa. Ou seja, a Anvisa não é uma agência com credibilidade para assumir agora esse papel”, afirma.

Para esclarecer o ponto, Luiz Eduardo nos propõe uma análise das “tecnicidades bromatológicas” do caso. “Primeiro, devemos perceber e questionar por que a norma estabelece que estão dispensados os leites e iogurtes. Aliás, como assim ‘leites’? Quantos líquidos em caixinha longa-vida a Anvisa aceita como ‘leite’?  Será que a Anvisa está chamando esse negócio de água misturada com soro em pó, cheio de corante e aroma artificial de morango, de ‘leite’? Foi pra enquadrar esses produtos que a ANVISA inventou um ‘plural intransitivo’ para leite?”, questiona.

Além do leite, a agência também cria um grupo pluralizado para o iogurte, deixando de fora da norma justamente as sobremesas lácteas, que como nos alerta o professor, estão cheias de corantes, aromatizantes, açúcares e gorduras, além de possuírem as rotulagens e imagens mais abusivas.Outro caso polêmico é o dos sucos concentrados adoçados, pois a Anvisa limita a quantidade de açúcar no produto colocado à venda e não no produto final, já no copo. “Assim, refrescos artificiais vão ser considerados, em muitos casos, como ficha limpa, enquanto o Lanjal, que principalmente exportamos e é suco puro de fruta, sem nenhum aditivo, com menos de seis por cento de açúcar adicionado (quando calculado no copo que vamos beber), vai ser rotulado como ficha suja”, explica o professor.

Como observamos, são bastante frágeis as regras nas quais se baseia a nova determinação da Anvisa. Embora, muitas vezes medidas como essa possam ser vistas apenas como uma preocupação com a saúde do cidadão, devemos sempre avaliar o quanto podem ser arbitrárias e restritivas e o quanto podem comprometer a liberdade do indivíduo.
Em conclusão, o professor Luiz Eduardo ainda brinca: “O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE: Normas da Anvisa fazem mal à saúde.”